O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar, ontem, uma ação que pode abrir caminho para que os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), concorram à reeleição em suas respectivas Casas legislativas. Até agora, quatro ministros votaram pela possibilidade de recondução. O julgamento ocorre no plenário virtual, em que os magistrados colocam os votos por escrito e não fazem discursos públicos, como nas sessões presenciais.
A ação analisada na Corte foi impetrada pelo PTB. O partido pede a suspensão das normas internas do Congresso que abrem margem para a reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado. No entanto, o relator do caso no STF, ministro Gilmar Mendes, votou pela possibilidade de recondução, entendendo que a questão pode ser decidida, internamente, pelo Parlamento. O voto dele foi dado ainda na madrugada de ontem. Até o momento, seguiram a análise de Mendes os ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski.
O ministro Kassio Nunes Marques votou no sentido de permitir a reeleição apenas uma vez, independentemente de ser dentro da mesma legislatura — o que só beneficiaria Alcolumbre. Os ministros Marco Aurélio Mello e Cármen Lúcia votaram contra. Mello destacou que a Constituição é clara ao vedar a reeleição de forma imediata. “A parte final veda, de forma peremptória, sem o estabelecimento de qualquer distinção, sem, portanto, albergar — o que seria um drible — a recondução para o mesmo cargo na eleição imediata”, escreveu.
Autor da ação, o PTB é presidido por Roberto Jefferson, aliado do presidente Jair Bolsonaro, que quer ver Maia longe da Presidência da Câmara. No entanto, o governo considera Alcolumbre um aliado e deseja a permanência dele no cargo. A avaliação é de que o senador ajuda a aprovar reformas de interesse do Executivo e não entra em embates contra Bolsonaro, como faz Maia, que, publicamente, critica declarações e ações do chefe de Estado.
Apesar de votar pela reeleição nos casos atuais, Mendes pontuou que deve haver uma regra para a permissão de apenas uma recondução. Nesse caso, o ministro defendeu que a regra tenha efeito a partir da próxima legislatura, em 2023. O magistrado enfatizou, ainda, que o assunto deve ser discutido no Congresso, detentor de autonomia para decidir. “O Parlamento deve gozar de espaço de conformação organizacional à altura dos desafios postos pela complexidade da dinâmica política. Em verdade, determinadas conjunturas e situações de fato podem não apenas reputar desejável, como também exigir que a vedação à recondução para o mesmo cargo da Mesa possa ser objeto de exceção: desde que assim a Casa do Congresso Nacional repute necessário para fins de preservação de sua autonomia constitucional”, disse Mendes.
Se receber o aval para disputar a eleição e for bem-sucedido, Maia partirá para o terceiro mandato. Ele assumiu a Presidência da Casa para um mandato-tampão por seis meses, em 2016, quando Eduardo Cunha renunciou. Em 2017, elegeu-se para uma gestão de dois anos. Em 2019, conseguiu ser reconduzido. O mandato termina no começo de 2021.
Alternância
Juristas avaliam como controversa a possibilidade de o STF autorizar a reeleição, o que, na visão dos especialistas, poderia permitir monopólio do comando do Parlamento. Na avaliação do advogado criminalista Bruno Salles, mestre em direito pela Universidade de São Paulo (USP), se a Corte permitir que presidentes da Câmara e do Senado concorram à reeleição em uma mesma legislatura, dará uma redação para o texto constitucional totalmente contrária ao que está escrito na Carta Magna, que veda reconduções às presidências das Casas legislativas dentro de um mandato.
“O jeito de reescrever a Constituição é por meio de emenda constitucional e não por meio do STF. Por mais que seja o guardião da Constituição, o Supremo não pode reescrever a Carta Magna por meio de interpretações. No meu entender, esse é um caso de ativismo judicial. O risco é que, quando o STF faz isso em uma matéria, pode repetir em várias outras. Assim, a gente começa a perder segurança jurídica”, ressaltou.
Vera Chemim, mestre em direito público pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e especialista em STF, também fez o alerta. “O ministro Gilmar apelou para uma interpretação sistemática, dizendo que a Constituição dá liberdade para o Congresso agir como bem entender, que seria assunto ‘interna corporis’... A Constituição é clara sobre reeleição, e não existe essa possibilidade”, frisou. “O que temos é uma ação para acomodar interesses de determinados partidos políticos. É um acordo circunstancial de alguns membros do Congresso. A democracia exige alternância de poder.”