POLÍTICA

Lealdade do Centrão terá um custo alto para Bolsonaro

Além de ir na contramão das promessas de campanha com essa aliança, Bolsonaro não deve garantir o destravamento da pauta da agenda liberal, com reformas estruturais, que são impopulares em um período pré-eleitoral

Rosana Hessel
postado em 02/02/2021 06:00
 (crédito: Marcos Correa/PR)
(crédito: Marcos Correa/PR)

As eleições às Presidências da Câmara e do Senado, realizadas ontem, mostraram um novo tabuleiro para ser jogado no Congresso, a partir de hoje, com o deputado Arthur Lira (PP-AL), líder do Centrão, e o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) no comando das duas Casas. Os dois eleitos tiveram o apoio declarado do presidente Jair Bolsonaro, o que não significa uma vitória do chefe do Executivo, porque ele não está com as duas mãos na taça. Ao aliar-se ao Centrão, o mandatário ainda vai pagar preço alto pelo apoio, como cargos e liberação de emendas e, mesmo assim, pode ser traído a qualquer momento.

Além de ir na contramão das promessas de campanha com essa aliança, Bolsonaro não deve garantir o destravamento da pauta da agenda liberal, com reformas estruturais, que são impopulares em um período pré-eleitoral, mesmo com seus candidatos comandando as duas Casas do Congresso, conforme destacaram analistas. O que está certo que vai andar, segundo eles, é o Orçamento de 2021, porque é inevitável e precisará ser votado o quanto antes. O resto, pouco deve avançar. Eles lembraram que as incertezas continuam sobre a definição do novo auxílio emergencial ou de uma ampliação do Bolsa Família para socorrer os mais vulneráveis, pois a pandemia da covid-19 não acabou, e a segunda onda e a nova variante do coronavírus mostram-se mais fortes do que nunca.

Logo, Bolsonaro não terá uma vida fácil com o Centrão dando as cartas na Câmara nos próximos dois anos. “Só o tempo dirá se ele dominará o Centrão ou se o Centrão o dominará. O importante é saber que, ao contrário do que seus apoiadores têm cantado em verso e prosa, nada está dado. Não é jogo jogado”, afirmou Carlos Melo, cientista político e professor do Insper. No Senado, não deverá ser diferente, pois Pacheco já sinalizou ser contrário, por exemplo, à privatização da Eletrobras.

Para analistas, os avanços devem ocorrer apenas em medidas pontuais, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial e a autonomia do Banco Central. “O governo nunca teve uma agenda liberal, porque a pauta era, excessivamente, ambiciosa e fora da realidade, com equívocos que ainda podem voltar, como a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira). O Centrão não vai fazer ajuste fiscal sem contrapartida de aumento de gastos, ainda mais, tão próximo da eleição do ano que vem”, destacou Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.

“Estes dois anos serão mais desafiadores, apesar das novas Presidências das duas Casas do Congresso serem favoráveis ao governo, por conta do processo eleitoral que vai determinar as agendas do Legislativo até 2022”, avaliou a economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria. Na avaliação dela, o governo pode conseguir aprovar algo da PEC Emergencial, como forma de preservar o teto de gastos, mas não tem espaço para reforma tributária e grandes privatizações. “Não dá para ser muito otimista, de forma geral, e continuamos com viés cauteloso. Para Bolsonaro, o resultado é uma vitória para a preservação do mandato, mas, para a agenda econômica, o desafio será maior”, emendou.

Bolsonaro pode até cantar vitória porque afastou, temporariamente, o fantasma do impeachment sobre seus ombros, com a vitória de Lira na Câmara. Contudo, essa ameaça poderá voltar se a popularidade do presidente, atualmente em torno de 30%, continuar em queda, com uma piora do cenário econômico e da pandemia, de acordo com os analistas. Segundo eles, se esse cenário virar, o chefe do Planalto poderá gastar o apoio que conquistou para se manter no poder, como aconteceu com o então presidente Michel Temer (MDB-SP), após o vazamento das gravações dos executivos da JBS, que travou o andamento da agenda reformista.

Pragmático

O consultor político Gaudêncio Torquato lembrou que o Centrão é pragmático e não tem preferência política. Nesse sentido, fez uma analogia sobre o grupo e seus três olhos. “Um olho olha para a direita; o outro, para a esquerda; e o terceiro e maior, é o que fica no meio da testa e que só vê o cargo e o poder. Se o Centrão perceber que Bolsonaro não está cumprindo o prometido, o que pode ocorrer, o bloco poderá se distanciar dele”, destacou.

Ele lembrou que, se a economia continuar frágil, a tendência é de mobilização popular, enquanto o governo não sabe se vai recriar ou não o auxílio emergencial. “Esse benefício será fundamental para a sustentação de Bolsonaro no Nordeste. Se o auxílio não for recriado, pode haver mobilização, e o Centrão vai olhar para isso”, adicionou.

Na avaliação do advogado e cientista político Murilo Aragão, CEO da consultoria Arko Advice, os presidentes das duas Casas não terão o controle absoluto da agenda do Legislativo. “Neste ano, o grande desafio será fazer com que a maioria defenda a agenda do governo, e o que precisará ser definido é qual será o grau de suporte dessa base política. Para isso, o governo ainda precisará organizar o debate. Mas, essa agenda vai ser definida de acordo com a eleição de 2022”, explicou. Na análise dele, o governo tem de definir melhor o que ele quer. “No caso do auxílio emergencial, que será inevitável, é preciso uma solução sem afetar o teto de gastos e, para isso, o governo vai ter de decidir qual privilégio vai quebrar. Acredito que a equipe econômica já teve tempo suficiente para pensar em uma solução”, apontou.

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