A quebra de sigilo das conversas privadas entre o então juiz federal Sergio Moro e os procuradores da Lava-Jato é tóxica, porque mostra que, supostamente, na instrução do processo contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no caso do triplex de Guarujá e outras investigações, teria havido conluio entre o Ministério Público e a Justiça. Advogados criminalistas sabem que essa relação promíscua entre a acusação e o juiz é muito mais frequente do que a sociedade imagina, mas, nem por isso, ela deixa de ser um vício de origem nos processos. Quando são comprovadas, obviamente, geram nulidades nos tribunais. A decisão de tornar públicas as conversas foi do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, notoriamente ligado a Lula, que o indicou para a Corte, porém, o teor das conversas geraram espanto e perplexidade.
Como já era de se esperar, os advogados de Lula querem usar o material para derrubar a condenação do petista, com o argumento de sempre: Moro teria atuado de forma parcial nos processos e orientou as ações do Ministério Público, com objetivo de remover o ex-presidente da República da disputa eleitoral de 2018. A anulação do processo, porém, não é assim tão fácil. Uma preliminar será a discussão sobre a competência de Lewandowski para atuar nesse caso. Os advogados de Moro argumentam que caberia ao ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo, decidir sobre a matéria. Alegam que o fato de Lewandowski ser relator do caso que deu acesso a Lula aos acordos de leniência firmado pela Odebrecht não justifica a liminar em favor da quebra de sigilo.
Moro questiona a veracidade das mensagens atribuídas a ele, ou seja, que sustenta que as provas são ilícitas. Alega que podem ter sido adulteradas ou forjadas antes da Operação Spoofing da Polícia Federal, que apreendeu as gravações. De fato, não existe ainda comprovação da veracidade das gravações. “As perícias ali realizadas apenas confirmam que as mensagens foram objeto de busca e apreensão nos computadores dos hackers, mas não há demonstração de que não foram corrompidas após terem sido roubadas dos celulares dos procuradores da República”, diz a ação.
Segundo Moro, as mensagens não permitem concluir que Lula não é culpado dos crimes pelos quais foi condenado nem que o Ministério Público ou o juiz sonegaram provas da inocência do ex-presidente. O ex-magistrado tenta justificar as conversas com os procuradores como uma interação normal entre juiz, procuradores e advogados. “O juiz perguntar ao procurador se ele tem elementos para denunciar é meramente um cuidado retórico para advertir ao Ministério Público de que não deve oferecer acusações levianas, isso para proteger o acusado e não para prejudicá-lo”, alega a defesa de Moro.
“Macedada”
As 50 páginas de transcrições seriam mais do que constrangedoras para o ex-ministro da Justiça, porque, supostamente, deixam evidentes suas intenções de apoiar a candidatura de Jair Bolsonaro. Após as eleições, Moro aceitou o convite de Bolsonaro para integrar sua equipe ministerial. Como Lula acabou excluído do processo eleitoral, em razão da condenação, é óbvio que o caso da quebra de sigilo por Lewandowski chegará ao plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) com ares de julgamento político, e não criminal.
Não vou entrar no mérito da Operação Lava-Jato, apenas recomendo os livros dos colegas Vladimir Neto (Lava-Jato), Malu Gaspar (A Organização) e Letícia Duarte (Vaza Jato). A delação premiada da Odebrecht foi uma bomba de fragmentação que atingiu todo o sistema político, aprofundando a crise de representação dos partidos e levantando uma onda antissistema que levou Bolsonaro ao poder. Promoveu um grande expurgo político, mas a roda girou, e os sobreviventes, agora, montaram uma operação de cerco e aniquilamento da Lava-Jato, na qual o presidente Bolsonaro vem tendo um papel muito importante. A anulação da condenação de Lula seria o coroamento desse processo.
Nos bastidores de Brasília, sabe-se que há setores do governo que consideram uma disputa eleitoral com Lula o cenário ideal para a reeleição de Bolsonaro; na oposição, muitos veem a situação com sinal trocado: a melhor opção para derrotá-lo. Outros acreditam que Bolsonaro prepara um golpe. A anulação da condenação seria uma espécie de nova “Macedada”. Em 1936, José Macedo Soares, ministro da Justiça, decidiu libertar 300 comunistas presos em razão da chamada Intentona de 1935. Sem essa “anistia”, a fraude do Plano Cohn (supostas diretrizes da Internacional Comunista para uma nova insurreição no Brasil), que serviu de pretexto para o golpe do Estado Novo, em 1937, teria menos credibilidade ainda. O documento foi forjado pelo major Mourão Filho, que mais tarde, como general, seria um dos líderes do golpe militar de 1964.
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