A maior operação de combate à corrupção no Brasil terminou de forma silenciosa. Na última quarta-feira, o Ministério Público Federal decretou, em nota, o encerramento da força-tarefa de Curitiba. Durante sete anos, a capital paranaense foi epicentro do terremoto que pôs abaixo a estrutura criminosa mantida por representantes da elite econômica e integrantes do poder político. Graças à diligência da Lava-Jato, o Brasil descobriu, muitas vezes de maneira chocante, o conluio que desviou bilhões de reais em propina, produziu em escala industrial contratos superfaturados, sangrou diuturnamente o patrimônio e a reputação da Petrobras, financiou fartamente campanhas eleitorais, construiu uma fantástica contabilidade delituosa e sustentou a relação espúria e criminosa na democracia brasileira. Na extensa lista de resultados obtidos pela força-tarefa, convém ressaltar a recuperação de R$ 4,3 bilhões surrupiados dos cofres públicos e 278 condenações, a maior parte delas confirmada por instâncias superiores à 13ª Vara da Justiça Federal, sob responsabilidade do ex-juiz Sergio Moro no período mais intenso da operação. É inquestionável o legado da Lava-Jato, que revelou ao país o lado mais sombrio da política nacional, transformada em atividade criminosa de maneira profissional.
A Lava-Jato morreu porque não teve forças para romper o mecanismo que sustenta o sistema político brasileiro. A força-tarefa demoliu os alicerces de uma estrutura que se sustentava em troca de favores com benefícios políticos e econômicos para os envolvidos. Financiamento de campanhas eleitorais, concessão de mimos, tráfico de influência, lavagem de dinheiro, evasão de divisas eram alguns dos crimes cometidos por aqueles que se locupletaram em um esquema que, até hoje, ainda não foi totalmente investigado e esclarecido. A Lava-Jato mostrou que a República brasileira estava subjugada a um balcão de negociatas. Durante as 79 fases da operação, a investigação conduzida pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal consistiu em comprovar os vínculos estabelecidos pelos atores desse espetáculo degradante. Evidentemente, uma ofensiva de tal monta, voltada contra tanta gente poderosa e influente, não poderia continuar. Era preciso frear a força-tarefa. E esse objetivo foi cumprido na última quarta-feira.
No percurso contra a corrupção, a Lava-Jato acumulou inimigos em diferentes esferas de poder. A contraofensiva tornou-se fatal no momento em que se questionou a relação entre os procuradores e Sergio Moro, bem como a imparcialidade do ex-magistrado. No Ministério Público Federal, sob o comando de Augusto Aras, a força-tarefa passou a ser sistematicamente questionada, controlada, desmontada, até chegar ao ato final. No Congresso Nacional, uma conjunção de forças políticas encarregou-se de desmontar o pacote anticrime defendido por Moro enquanto era ministro da Justiça. No Supremo, são conhecidos os ministros que, sob a alcunha de garantistas, desqualificam o trabalho conduzido pela Lava-Jato, em uma perigosa estratégia de destruir o conjunto da obra a partir de falhas pontuais. A todos os implacáveis críticos da operação, cabe a pergunta: existe alternativa melhor do que a Lava-Jato? Onde está o movimento claro, insuspeito e republicano contra a corrupção e a impunidade no Brasil? Sinto muito, caro leitor. Não há. A Lava-Jato pode ter falhas, sem dúvidas. Mas os acertos em favor da sociedade e da Justiça brasileira são inquestionavelmente maiores. A força-tarefa de Curitiba chegou ao fim. Mas a corrupção, de forma alguma.
Na última quinta-feira, o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo, manifestou-se sobre o Brasil sete anos após a força-tarefa. Disse que a “corrupção parece triunfar novamente como ‘cupim da República’”, em texto enviado ao Estadão. E continuou: “Se, após trinta anos de Constituição, a democracia brasileira evidencia crise, é também porque faltou (e ainda falta) ao poder público dar respostas aos crimes impunes: mostrar o que de fato aconteceu e responsabilizar as condutas desviantes”. Na semana passada, a Transparência Internacional concluiu que o Brasil “permanece estagnado” no índice global de corrupção, em posição muito inferior à de países da OCDE ou do G20. Qual país, nestas condições, poderia prescindir de uma iniciativa como a Lava-Jato? Resposta: o país onde poucos ganham muito com a criminalidade, em detrimento do interesse da sociedade brasileira. Esse é o Brasil que enterrou a Lava-Jato.
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