Por 9 votos a 1, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitaram a possibilidade de existência do direito ao esquecimento na esfera cível. Tal dispositivo não constava na legislação brasileira, mas sua premissa chegou a ser usada por magistrados em algumas decisões e a Suprema Corte analisava um recurso extraordinário com repercussão geral –– ou seja, um caso específico que terá efeito sobre todos os processos semelhantes e passará a balizá-los.
O debate do “direito ao esquecimento” atinge questões como liberdade de expressão, censura prévia e a própria importância histórica, como foi ressaltado pelos ministros no julgamento. O caso que desencadeou a tomada de decisão foi o assassinato da jovem Aída Curi, que chocou o Rio de Janeiro –– então capital do Brasil e Distrito federal ––, em 1958. Ela foi espancada por três homens por não ceder à tentativa de estupro coletivo, em um apartamento em Copacabana. Após as agressões e desacordada, ela foi jogada da janela e morreu na queda. O crime foi retratado pelo programa “Linha Direta – Justiça”, em 2004, apesar de a família ter pedido que não fosse ao ar. Após a veiculação, parentes de Aída foram à Justiça contra a Rede Globo e o caso chegou ao Supremo.
A tese aprovada pelo plenário da Corte foi de que “é incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais”.
“Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais –– especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral –– e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível”, salienta a tese aprovada pelo STF.
O julgamento teve início na quarta-feira e foi finalizado ontem, quando votaram os ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio de Mello e o presidente da Corte, Luiz Fux. Antes, já haviam votado contra o esquecimento os ministros Dias Toffoli, que é o relator, Rosa Weber, Alexandre de Moraes e Kassio Nunes. O ministro Edson Fachin foi o único contrário e Luís Roberto Barroso declarou-se impedido.
Caso histórico
Em seu voto, Fux pontuou que o direito ao esquecimento pode ser aplicado para casos específicos, devendo ser analisado individualmente, mas frisou a importância da história e da informação. “Esse caso, além de histórico, é pedagógico, que se encaixa no direito que a população tem de conhecer fatos históricos, célebres”, argumentou. O ministro ressaltou que o acesso integral e livre à informação “é um dos pilares da democracia, do regime republicano”, em uma época em que se luta contra as fake news.
Cármen Lúcia também evocou a importância da história. “No caso dos autos, que aqui se teve um caso tristíssimo, grave, doloroso, mas entrou para os chamados anais da história. Como apagá-lo da memória de todos? Como não saber que a cada nova morte de uma mulher que é mostrada a gente precisa aprender outra vez na tragédia do dia a dia?”, indagou.
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Witzel agora é réu por corrupção
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aceitou ontem, por unanimidade, a denúncia contra o governador afastado do Rio de Janeiro Wilson Witzel, que se tornou réu por corrupção ativa, passiva e lavagem de dinheiro. Ele está fora do cargo desde agosto do ano passado –– o prazo estabelecido pela Corte era de 180 dias, que venceria em fevereiro. Para manter o afastamento, o Ministério Público Federal (MPF) pediu para que ele continue fora do cargo por mais um ano, o que foi aceito pelos ministros. Também foram mantidas as medidas cautelares: Witzel ficou proibido de ter contato com servidores públicos, de frequentar o Poder Executivo e de voltar ao Palácio das Laranjeiras, residência oficial do governador do Rio.
PF desfecha a última ação da Lava-Jato
A Polícia Federal deflagrou, ontem, a Operação Pseudeia, 80ª fase da Operação Lava-Jato e a primeira após o fim da força-tarefa de Curitiba. A equipe de procuradores foi dissolvida e passou a integrar o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). Os pedidos de busca e apreensão foram enviados à 13ª Vara Federal de Curitiba, no fim de janeiro, antes do anúncio oficial do fim do grupo, que vinha sofrendo reveses havia meses.
Nesta operação, foram cumpridos cinco mandados de busca e apreensão em São Paulo. Também foi autorizado o bloqueio e o sequestro de valores até o limite dos prejuízos identificados, que, por enquanto, estão em R$ 5,3 milhões. O caso é desdobramento da Operação Acarajé, 23ª fase da Lava-Jato de Curitiba, que, em 2016, prendeu o marqueteiro João Santana — responsável pelas campanhas presidenciais do PT em 2006, 2010 e 2014 — e sua mulher, Monica Moura.
Na época, segundo a PF, comprovou-se transferência por parte de Zwi Skornicki, representante do estaleiro Keppel Fels, a pessoas não identificadas naquele momento –– tal como o empresário Cláudio Mente, que, no desdobramento de ontem, foi alvo das buscas e apreensões, e do bloqueio de R$ 5,3 milhões.
O Ministério Público Federal (MPF) chegou ao empresário graças ao acordo de delação premiada de Skornicki, que, conforme relatou, fez os pagamentos a pedido do então tesoureiro do PT, João Vaccari Neto. A PF confirmou a existência de mensagens que comprovavam o relacionamento entre Skornicki, Mente e Vaccari.
Em nota, a defesa do ex-tesoureiro afirmou que ele “nunca teve qualquer relacionamento com” Mente e que “já prestou depoimento e esclareceu sobre isso e sobre a sua movimentação financeira, o que não diz respeito ao sr. Vaccari”.
Também ontem, o delegado federal Igor Romário de Paula foi dispensado do cargo de diretor de Investigação e Combate ao Crime Organizado. Ele coordenou a força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba desde o início, em 2014. (ST)