POLÍTICA

Câmara ensaia blindagem para a prisão de parlamentares

Deputados aprovam a admissibilidade da proposta que restringe prisão em flagrante de congressistas, mas há resistências ao texto dentro da própria Casa. Matéria seguirá para análise da comissão especial. Especialistas falam em aumento de impunidade

Por 304 votos a 154, a Câmara aprovou a admissibilidade da proposta de emenda à Constituição (PEC) 3/2021 que restringe a prisão em flagrante de parlamentar somente se relacionada a crimes inafiançáveis listados na Constituição, como racismo e hediondos. O texto, que inicialmente seria votado diretamente no plenário, seguirá para a comissão especial.

Os deputados votaram o parecer da relatora Margarete Coelho (PP-PI). Como a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) ainda não foi instalada, a parlamentar foi designada relatora de plenário em nome da comissão. Ela será relatora, também, em nome da comissão especial e adiantou que fará mudanças em alguns pontos, como sobre a inelegibilidade e as condições para a prisão em flagrante.

A PEC foi apresentada pelo deputado Celso Sabino (PSDB-PA), com o apoio de outros 185 parlamentares. Ele sustentou que o texto incorpora entendimento jurisprudencial sobre os temas. “Com o nosso texto, além de restringir o foro privilegiado, nós estamos, também, trazendo para a letra da Constituição o que é efetivamente uma prisão em flagrante e o que são efetivamente os crimes inafiançáveis. Eles são ditos pela própria Carta Magna”, ponderou.

A matéria, porém, provoca controvérsia. O deputado Fábio Trad (PSD-MS) disse que votará contra. “Tem dois graves problemas. O primeiro, se for aprovada de acordo com o modelo de redação apresentada, servirá para retroagir a decisão judicial e extinguir a prisão do deputado Daniel Silveira”, afirmou (leia reportagem abaixo). “Além disso, nenhuma prisão em flagrante decorrerá de crime não elencado na Constituição Federal. Os crimes de Silveira não estão na Constituição. Não me parece justo. Parece que quer transformar a prisão dele em um nada jurídico”, criticou.

Trad lembrou, ainda, que, se o texto passar, nos casos de crime contra a administração pública, parlamentares pegos em flagrante não serão presos. “Não tem sentido. A redação é lacunosa, fruto da pressa. Não tivemos tempo de elaborar um pensamento cuidadoso. Tem falhas irreparáveis”, disparou. Fernanda Melchionna (PSol-RS) lembrou que, com as propostas da PEC, um deputado que cometer violência contra mulher, ou até assassinato, não será preso.

Marcel Van Hattem (Novo-RS) também reprovou o texto. Destacou que a PEC “não trata de imunidade parlamentar, mas de impunidade”. “Vai prejudicar o combate à corrupção”, sustentou. Kim Kataguiri (DEM-SP), por sua vez, chamou a atenção para outros temas importantes. “A primeira PEC pautada em tempo recorde pelo presidente da Câmara não é a reforma tributária, administrativa, privatização de estatais. É ampliação do foro privilegiado, a concessão do foro retroativo em casos de busca e apreensão para crimes cometidos antes do exercício do mandato”, criticou. “A população já tem uma imagem maravilhosa da classe política. Tudo de que precisamos para melhorar a imagem é criar um cárcere dentro da Câmara”, ironizou.

Kataguiri fazia referência ao trecho da PEC que diz que “o membro do Congresso Nacional deverá ser encaminhado à Casa respectiva logo após a lavratura do auto, permanecendo sob sua custódia até o pronunciamento definitivo do plenário”.

Para o analista político Melillo Dinis, do portal Inteligência Política, a proposta foi feita sob medida para atender justamente o Centrão, de quem o presidente da Câmara é o principal representante. “O que me chama a atenção é a premissa de que o esgoto da política brasileira exala um odor de hipocrisia e de autoproteção, nesse caso”, enfatizou.

Dinis lembrou que numa sessão brigando em nome da própria proteção, parlamentares perdem um tempo precioso que poderia ser gasto “resolvendo o problema do auxílio emergencial, discutindo a vacinação, a proteção dos mais vulneráveis e empregos”. Ele destacou, ainda, que a PEC enfraquece a Lei da Ficha Limpa, iniciativa popular de combate à corrupção. “É um tiro no pé, pois evidencia as forças que comandam o Congresso Nacional, o paraíso do Centrão, que transforma tudo em proveito próprio e vai aumentar a quantidade de pessoas com problemas legais na política”, afirmou. (Com Agência Câmara)

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O que diz a PEC

A proposta, de autoria do deputado Celso Sabino (PSDB-PA), proíbe o afastamento de parlamentares
do mandato por meio de medida cautelar e estabelece que decisões dessa natureza só poderão
ter efeito se confirmadas pelo plenário do STF. Caso o parlamentar seja preso,deverá ser mantido
sob custódia da Câmara ou do Senado até que o plenário se pronuncie. Se a prisão for mantida,
a audiência de custódia deverá ser realizada em até 24 horas, e o juiz deverá relaxar a prisão, convertê-la em preventiva, conceder liberdade provisória ou aplicar outra medida diferente. O texto
deixa claro ainda que o crime inafiançável deve estar previsto na Constituição. Além disso, afirma
que busca e apreensão contra parlamentares passam a ser decisão exclusiva do STF.