Nas entrelinhas

As tardes com Huck

Luiz Carlos Azedo
postado em 06/03/2021 22:16

O filme Uma noite em Miami (One Night in Miami) narra o encontro secreto de Malcolm X com o campeão de boxe Cassius Clay, o rei do soul, Sam Cooke, e o astro do futebol americano Jim Brow, na noite de 24 de fevereiro de 1964. Dirigido por Regina King, é uma adaptação da peça de Kemp Powers, lançada em 2013, na qual o líder negro convence seus amigos a ultrapassarem a condição de celebridades e ingressarem na luta pela igualdade de direitos para os afro-americanos. Clay comemorava a conquista do título mundial dos pesos-pesados, aos 22 anos de idade, com os três grandes amigos, num modesto quarto de motel na Flórida, que aceitava negros.

Clay (Eli Goree) lutara contra um adversário branco, debaixo de vaias e xingamentos; Cooke (Leslie Odom Jr.) acabara de ser hostilizado pela plateia branca na célebre boate Copacabana; e Brown (Aldis Hodge) fora humilhado por um torcedor rico e fanático do seu time, o Cleveland. Esse é o contexto dos tensos diálogos do filme, que chegam à beira do confronto físico. Há grandes diferenças de temperamento, modo de vida e visão de mundo entre eles, mas a conversa teve um catalizador da ruptura que fizeram em suas vidas.

Na mira do FBI de J. Edgar Hoover e decepcionado com o líder muçulmano Elijah Muhammad, Malcolm fundou a Unidade Afro-Americana, grupo não religioso e não sectário. Em 21 de fevereiro de 1965, na sede de sua organização, receberia 16 tiros, a maioria no coração. Foi assassinado aos 39 anos, diante de sua esposa, Betty, que estava grávida, e de suas quatro filhas. Cassius Clay anunciaria a adoção do islamismo e seu novo nome, Muhammad Ali; recusou-se a lutar na Guerra do Vietnã e acabou perdendo o título. Sam Cooke viria a compor e gravar a canção A Change is Gonna Come, um hino da luta pelos direitos civis. Jim Brown trocaria o futebol americano pelo cinema (Os Doze Condenados); protagonizou, com Raquel Welch, a tórrida cena de amor interracial do filme 100 Rifles, que escandalizou os segregacionistas.

Escolha difícil

E as tardes de Luciano Huck? Como os personagens do filme, o apresentador da TV Globo está diante de uma escolha difícil. Desde 2018, alimenta o sonho de ser presidente da República, em razão de sua tomada de consciência sobre as desigualdades sociais no Brasil e a ambição de liderar um projeto político novo, sob influência de economistas e políticos de suas relações pessoais. Como comunicador, bateu no teto com o Caldeirão, apesar dos benefícios materiais que o programa lhe proporciona.

Eis que a TV Globo anuncia a aposentadoria do apresentador Fausto Silva e a intenção de mudar a sua programação nas tardes de domingo. No cast da emissora, o primeiro na linha de sucessão é Huck. Nos bastidores da emissora, comenta-se que teria recebido uma proposta de R$ 3 milhões de luvas e salário mensal de R$ 500 mil para assumir o lugar de Faustão, ao mesmo tempo em que a apresentadora Angélica, sua esposa, seria escalada para comandar o Caldeirão nos sábados. É uma proposta tentadora. Como a política deixou de ser monopólio dos políticos, militares e diplomatas, Huck pode ter o mesmo protagonismo político que personalidades do mundo do entretenimento hoje têm nos Estados Unidos.

A outra opção é mais complexa, significa descer do telhado pelo outro lado e anunciar a intenção de disputar a Presidência da República, mesmo sem a certeza da vitória. O cavalo desta vez não passará arreado. A campanha eleitoral foi antecipada, já são três candidatos com o pé na estrada: o presidente Bolsonaro (sem partido), Fernando Haddad (PT) e Ciro Gomes (PDT). O ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta (DEM) e o ex-ministro da Justiça Sergio Moro (sem partido) também estão no jogo. Nesse cenário, a ambiguidade é desgastante para o apresentador. Huck já é uma personalidade política, mas precisa escolher o eixo de sua atuação: o mundo do entretenimento ou a disputa pelo poder.

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