Poder

Ministro: "Não entreguei o cargo"

Em meio às conversas para definir mudanças na Saúde, Pazuello garante que continua no combate à pandemia. Demissão iminente encerrará uma trajetória desastrosa, que motivou até inquérito no STF para apurar a tragédia de Manaus

» BRUNA LIMA » MAÍRA NUNES
postado em 14/03/2021 23:21
 (crédito: Reprodução/Twitter)
(crédito: Reprodução/Twitter)

Desde que assumiu o Ministério da Saúde, o general Eduardo Pazuello nunca deixou de caminhar sobre a corda bamba. Alçado ao ministério da Saúde em abril, Pazuello sempre passou a ideia de que sua passagem era transitória. Mas permanecia no cargo até a noite de ontem, apesar da escalada mortífera da pandemia e da vacinação claudicante pelo país. À noite, Eduardo Pazuello decidiu conter as especulações sobre sua saída do governo Bolsonaro.


O general desmentiu a informação de que teria pedido demissão por estar com supostos problemas de saúde. A declaração, no entanto, torna-se protocolar ante a movimentação que ocorreu em Brasília nos últimos dias para substituir o ministro. Desde que assumiu, Pazuello enfrentou pesadas críticas e envolveu-se em situações complicadíssimas para defender a política negacionista do governo Bolsonaro. No pior momento da pandemia, com mais de 12 mil mortes na última semana, o governo está chegando à conclusão de que é preciso dar um sinal à sociedade brasileira. E esse sinal passa pela troca do ministro da Saúde. Foi nesse contexto que ocorreu a série de conversas que praticamente selou o destino de Pazuello.


Ontem, enquanto o suposto pedido de demissão, confirmado por aliados do governo, ganhava corpo, o Ministério da Saúde tratava de desmentir a informação. “Até o presente momento, o ministro Eduardo Pazuello segue à frente da pasta, com sua gestão empenhada nas ações de enfrentamento da pandemia no Brasil”, informou assessoria da pasta, por comunicado. Mais tarde, o próprio reiterou estar bem de saúde: “Não estou doente, não entreguei o meu cargo e o presidente não o pediu, mas o entregarei assim que o presidente solicitar. Sigo como ministro da Saúde no combate ao coronavírus e salvando mais vidas”.


Com o avanço devastador da pandemia, recordes de mortos e a demora para iniciar o programa de vacinação, Pazuello entrou em uma espiral de sucessivos desgastes. O próprio ministro deixou claro o motivo para o esgotamento de sua imagem, em uma declaração feita em 20 de outubro. “Um manda e o outro obedece”, disse à época, após ser desautorizado por Bolsonaro a adquirir 46 milhões de doses da vacina CoronaVac para o Programa Nacional de Imunização (PNI), coordenado pelo governo federal. O general seguiu as ordens do chefe do Executivo à risca, mas, agora, arca com as consequências. Coleciona críticas pelo processo de aquisição de vacinas contra a covid-19 e pelas falhas que acarretaram na lentidão da imunização no Brasil.

Gestão conturbada

O general Eduardo Pazuello ganhou notoriedade no Ministério da Saúde em 16 de maio de 2020, quando assumiu interinamente a pasta, após a saída de Nelson Teich. Àquela época, o país contava com 15.633 mortos e 233.142 casos. Apresentado como um especialista em logística, Pazuello comandava a 12ª Região Militar da Amazônia antes de se transferir para Brasília. Chegou à capital federal para operar a transição entre Luiz Henrique Mandetta, defenestrado após seguidos desgastes com o presidente Bolsonaro, e o médico Teich. Em entrevista à Veja, o secretário-executivo esclareceu os objetivos à época. “Ao final de um período, o ministro estará com todos os nomes que ele escolheu e eu estarei saindo, voltando para a minha tropa”. Nada disso ocorreu. Apesar da desastrada política de enfrentamento à pandemia, Pazuello, inexperiente na área da Saúde, mantinha-se no cargo. Em 14 de setembro, o Brasil já acumulava 132.006 mortes e 4.345.610 de casos de covid. Com o avanço devastador da pandemia e a demora para iniciar o programa de vacinação, Eduardo Pazuello entrou em uma espiral de sucessivos desgastes. No último fim de semana, o general balançou no cargo. Relembre os momentos mais marcantes da trajetória conturbada de Eduardo Pazuello.

Ministro interino

Em 16 de maio de 2020, o general de divisão Eduardo Pazuello assume, interinamente, o Ministério da Saúde após a saída de Nelson Teich. O médico oncologista havia ficado apenas um mês no cargo.

Protocolo da cloroquina

No cargo de ministro interino, Pazuello amplia em 19 de maio a recomendação do uso da cloroquina e hidroxicloroquina para todos os casos de pacientes de covid-19 (leves, moderados e graves) e por um período maior, apesar da falta de comprovação científica de eficácia do medicamento.

Dados fora do ar

Em 6 de junho, o ministério da Saúde modificou suspendeu a divulgação do número de mortos por covid-19, sob alegação de que seria preciso mudar a metodologia da contagem. Após forte reação da opinião pública e determinação do Supremo Tribunal Federal, o ministério retomou a atualização de dados sobre pandemia adotada até então. Àquela altura, o Brasil contava 35.930 mortes e 672.248 casos.

Confirmado no cargo

Após três meses de interinidade, o general é efetivado, em 16 de setembro, como titular do Ministério da Saúde pelo presidente Jair Bolsonaro. “Você realmente ganhou a simpatia e a confiança das pessoas. A ninguém que pediu socorro a você, você deixou de atender. Tudo que você podia fazer, você fez pelo nosso Ministério da Saúde”, disse o mandatário, que ainda exibiu uma caixa de cloroquina durante a cerimônia.

“Um manda e o outro obedece”

Em meio ao agravamento da pandemia, Pazuello anuncia, em 20 de outubro, que o Ministério da Saúde havia comprado 46 milhões de doses da CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan, para o programa brasileiro de vacinação. Mas, no dia seguinte, o general foi desautorizado pelo presidente, Jair Bolsonaro, que postou em uma rede social que seu governo não iria adquirir a “vacina chinesa de João Doria.” Dois dias depois, o então ministro da Saúde aparece em uma live com o chefe do Executivo e, visivelmente desconcertado, resume: “É simples assim. Um manda e o outro obedece, mas a gente tem um carinho”. À época, Pazuello estava diagnosticado com a covid-19. Foi internado com quadro de desidratação. Ele recebeu tratamento da médida
Ludhmila Hajjar.

“Não queremos a interpretação dos senhores (jornalistas)”

Em 7 de janeiro de 2021, quando o Brasil ultrapassou a marca de 200 mil mortos pela covid-19, Pazuello ataca a imprensa e e deixa a entrevista coletiva sem responder às perguntas dos jornalistas. “Não queremos tendência ideológica ou de bandeiras, eu quero assistir TV e ver a notícia do fato. Se cada um interpretar como quer, a desinformação é completa. Numa pandemia como essa, a desinformação e a interpretação equivocada ou tendenciosa leva a consequências trágicas, leva ao medo, à ansiedade, à angústia”, criticou, na ocasião.

“No dia D, na hora H”

Pressionado pela demora do início da vacinação contra a covid-19 no Brasil, Pazuello é evasivo ao anunciar três possíveis datas para o começo da imunização. Em 11 de janeiro, o titular da saúde ressalta que o plano nacional previa a entrega simultânea para todos os estados. “A vacina vai começar no dia D, na hora H, no Brasil. No primeiro dia que a autorização (da Anvisa) for feita, a partir do terceiro ou quarto dia, estará nos estados e municípios para iniciar a vacinação. A prioridade já está dada, é o Brasil todo. Vamos fazer como exemplo para o mundo. Os grupos prioritários já estão distribuídos”, declarou, em visita a Manaus.

"Tratamento precoce" x "atendimento precoce"

Em 12 de janeiro, o ministério da Saúde lança o aplicativo TrateCOV para auxiliar médicos no tratamento da covid-19. Mas o dispositivo recomendava “tratamento precoce” da doença por meio de remédios sem eficácia comprovada cientificamente, por exemplo, pelo uso de cloroquina, ivermectina e doxiciclina. A plataforma foi testada em Manaus, com mais de 340 profissionais de saúde cadastrados. Uma semana depois, Pazuello tenta justificar a conduta dizendo que nunca recomendou “tratamento precoce”, mas “atendimento precoce”. Na ocasião, procura se explicar: “Atendimento é uma coisa, tratamento é outra. Como leigos, às vezes falamos o nome errado. Mas temos que saber exatamente o que queremos dizer: atendimento precoce.”

Agonia em Manaus

As primeiras semanas do ano em Manaus são devastadoras, em razão da falta de oxigênio na rede de atendimento. Vinte e oito pessoas morreram de asfixia na capital amazonense. Em uma crise que envolvia o governo estadual, a empresa White Martins e o ministério da Saúde, o país ficou chocado com o desespero de profissionais de saúde e de familiares de pacientes na busca da tanques de oxigênio. Um inquérito está em curso no Supremo Tribunal Federal para identificar os responsáveis pela tragédia.

“Não colapsou nem vai colapsar"

Na semana mais letal da pandemia de covid no Brasil – com mais de 12 mil mortes – e 25 estados com a ocupação de UTIs em estado crítico, Eduardo Pazuello afirma que a situação está sob controle. Em vídeo divulgado pela assessoria do ministério da Saúde, o ministro diz que o sistema de saúde nacional “não colapsou, nem vai colapsar”

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