Instigado pelo ressurgimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no cenário político e de olho na reeleição de 2022, o presidente Jair Bolsonaro deu indicações de que mudaria de rota no enfrentamento à pandemia de covid-19 que já vitimou mais de 290 mil brasileiros. Bolsonaro foi aconselhado por auxiliares e aliados do Centrão a adotar um discurso moderado em relação à grave crise que continua em ascensão no país.
Assim que o petista realizou seu primeiro discurso, Bolsonaro, que costuma incitar aglomerações e criticar o uso da máscara como auxiliar na proteção contra o vírus, demonstrou uma rápida mudança de comportamento, utilizando o item em uma solenidade na mesma data. Também chamado de terraplanista pelo oponente, o mandatário apareceu com um globo terrestre em uma live.
No entanto, a alteração de comportamento durou pouco. Nesta semana, ele virou a chave do negacionismo e voltou a colocar em dúvida a lotação das unidades de terapia intensiva (UTIs) pelo país, alegando que o alto número de pacientes internados não se deve apenas à covid-19, mas também a outros tipos de doenças. “Parece que só se morre de covid”, disparou. Na tentativa de justificar a falha na política de enfrentamento à pandemia e na vacinação em massa, ele questionou a apoiadores sobre qual país do mundo está tratando bem a questão da covid. “Aponte um”, pediu, emendando que as mortes ocorrem em todos os lugares.
Na última quinta-feira, em mais uma ofensiva, Bolsonaro entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender medidas restritivas impostas pelos gestores, entre as quais o toque de recolher, vigente no Distrito Federal, Bahia e Rio Grande do Sul.
Especialistas avaliam, no entanto, que Bolsonaro pode acabar cedendo, devido à pressão sofrida e à queda da popularidade. Como estratégia, o presidente ligou para autoridades no intuito de criar um plano nacional de enfrentamento à pandemia e convidou autoridades dos Três Poderes para montar uma força-tarefa e assim evitar a abertura de uma CPI para investigar as ações do governo federal no combate ao coronavírus.
O cientista político Rodrigo Prando, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, defende que, pelo cenário visto nos dois anos de governo, não há indicações de mudança. “No Ministério da Saúde, o novo ministro terá autonomia para defender lockdown, máscaras, vacinas, ser contra tratamento precoce defendido pelo Bolsonaro? A resposta é não”, opina.
Segundo o especialista, o presidente insistirá na retórica da confrontação e no campo ideológico. “Para seu eleitorado, é uma sinalização, mas paradoxalmente o resultado disso é um desastre em termos de governança. Até mesmo a vitória do presidente da Câmara e do Senado que poderia dar respiro, ele não tem conseguido sair da situação de reação. Quando chegou a possibilidade de CPI que pudesse investigar decisões do Pazuello e houve pressão política, ele reagiu. Trocou o ministro. Depois do pronunciamento de Lula, estava de máscara e colocou um globo na mesa porque Lula o chamou de terraplanista”, defendeu.
O analista político Creomar de Souza, da Consultoria Dharma, reforça que Bolsonaro deverá insistir na ideia de polarização. “A mudança do ministro envolve a troca do nome, mas com muito esforço até aqui de não alterar o percurso da narrativa do governo. O ajuste sutil é no sentido de dizer: 'A vacina é nossa arma, mas somos contrários às políticas dos governadores'. Isso porque Bolsonaro precisa de polarização e enfrenta enorme pressão do ponto de vista inflacionário”, ressalta.
Vera Chemim, especialista em direito constitucional e mestre em administração pública pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, avalia que, se quiser ser reeleito, Bolsonaro terá que desconstruir as evidências negacionistas que tem pregado. “Estamos no ápice da pandemia e frequentemente há mudança de ministros da área de saúde, cuja autonomia é minada pelo presidente. Bolsonaro defende medicamentos não aceitos pela comunidade médica nacional e internacional. Deverá adotar uma nova conduta para tentar reverter a tempo o prejuízo a sua imagem e consequente desgaste eleitoral até 2022”, completa.
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Nas ruas de Taguatinga
» O presidente Jair Bolsonaro visitou, ontem à tarde, um setor habitacional localizado no Chaparral, comunidade que fica em Taguatinga, e voltou a reclamar da adoção de medidas de restrição social como forma de prevenção à covid-19. Em um vídeo divulgado nas redes sociais, o presidente aparece fazendo fotos com moradores da região e usando máscara, apesar de ele constantemente descartar a utilização do equipamento de proteção. Com o presidente, estava o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni. Na legenda da publicação, Bolsonaro escreveu “Chaparral/Taguatinga/DF. Local onde os efeitos do 'fique em casa' são mais sentidos”. O homem que faz a gravação elogia a “coragem” de Bolsonaro ao visitar Chaparral. “Fala se ele não tem coragem? Ele tem é coragem, parceiro. Não é esses presidentes aí que não têm coragem. Qual foi o presidente que teve coragem de vir na favela? Tem não, parceiro. O cara tem coragem.”