Com mais 100 mil mortes em menos de três meses, a covid-19 bateu a marca sinistra de 300 mil óbitos no Brasil. A crônica das causas desta tragédia está escrita nas lives, nas entrevistas do Palácio da Alvorada e nos posts do presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais. O mais dramático é que a escala de transmissão da doença, a partir desse patamar, continua maior do que o ritmo de imunização da população, que está muito atrasada. A falta de imunizantes é atribuída ao negacionismo do presidente da República e às trapalhadas do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello.
No mesmo dia em que essa marca foi atingida, uma reunião do presidente Jair Bolsonaro com os demais chefes dos Poderes da República, da qual participaram, também, alguns ministros, constituiu um comitê para coordenar as ações contra a pandemia, liderado pelo senador Rodrigo Pacheco, presidente do Congresso. Entretanto, o que era para ser uma virada no combate à pandemia logo caiu no descrédito, no decorrer do dia, por causa das declarações de Bolsonaro no próprio encontro e do fato de os governadores e os prefeitos não estarem representados no comitê. O primeiro a reagir foi o governador João Doria (PSDB), ao dizer que São Paulo não estava representado.
Bolsonaro fez uma defesa enfática do “tratamento precoce” e criticou a instituição do lockdown como medida para conter a pandemia do novo coronavírus. Visivelmente contrariado, alegou que, se governadores e prefeitos tivessem “apoiado o tratamento precoce” com cloroquina e ivermectina, não seria necessário o fechamento temporário de atividades comerciais. Bolsonaro também classificou como “inaceitável” um lockdown nacional. Os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), ainda tentaram consertar a situação, ao insistir que somente a comunidade científica poderia atestar a eficácia das drogas.
Para aumentar o descrédito, da noite para o dia, o Ministério da Saúde havia mudado os formulários de registro das mortes por covid-19, provocando uma subnotificação generalizada do número de casos, o que gerou protestos de secretários de saúde estaduais e municipais. À tarde, em entrevista coletiva, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, revelou desconhecimento da mudança e determinou que se voltasse aos critérios anteriores. Mas jogou outro balde de água fria nas expetativas de mudanças na política sanitária ao defender a autonomia dos médicos para prescrever o tratamento precoce com medicamentos sem eficácia comprovada e endossar as teses de Bolsonaro sobre o lockdown. Disse que sua meta é aplicar 1 milhão de vacinas por dia, mas não explicou como nem quando.
Pressões políticas
A reunião foi resultado das pressões de Rodrigo Pacheco e Arthur Lira para que Bolsonaro reveja sua posição, numa tentativa de satisfazer a opinião pública, que cobra a vacinação em massa. Também serviu para continuar empurrando com a barriga a instalação de CPIs voltadas a investigar a atuação do Ministério da Saúde, no Senado, e a concessão irregular de auxílio emergencial, na Câmara.
Arthur Lira protagonizou o momento de maior tensão da reunião com Bolsonaro, ao advertir que estava apertando um sinal amarelo para os erros desnecessários. Disse que os remédios políticos costumam ser amargos, às vezes, fatais, numa clara advertência ao chefe do Executivo. Cobrou mais empenho do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, na obtenção de vacinas. Mais tarde, o chanceler passou por grandes constrangimentos na Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado, onde foi sabatinado. Araújo depende do Senado para aprovar a indicação de novos embaixadores. É forte candidato a ser defenestrado do cargo, devido ao congelamento das relações do governo brasileiro com Estados Unidos, China e Índia. A pandemia deixou evidente que a atual política externa prejudica o Brasil.
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