Nas entrelinhas

É preciso mais contra a covid

por Carlos Alexandre de Souza carlosalexandre.df@dabr.com.br — interino
postado em 26/03/2021 23:32

Com o recrudescimento da covid-19 no Brasil, o governo pretende convencer a opinião pública de que mudou a postura em relação à pandemia. Não será tarefa das mais fáceis. As medidas anunciadas nos últimos dias sinalizam mais uma acomodação política do que uma sensibilização em relação à tragédia que está em curso no Brasil. Eduardo Pazuello, que deixou o Ministério da Saúde com um saldo de 298 mil mortos no país, será lembrado como participante de um dos períodos mais sombrios da história epidemiológica brasileira. A chegada do médico Marcelo Queiroga pode ser comparada ao novo auxílio emergencial que está para sair: é pouco, muito pouco, mas é o que o governo pretende oferecer. Até agora, o novo titular da pasta tem dedicado boa parte do tempo a se esquivar do tiroteio desferido contra o general durante meses. Nesta semana, ante uma nova suspeita de manipulação de dados sobre a atualização de óbitos por covid, Queiroga defendeu-se dizendo que é médico e não “maquiador”. A julgar a hecatombe em andamento no Brasil, o novo ministro talvez devesse considerar seus dotes de mágico. Ou de milagreiro.

Não há mágica nem remédio milagroso contra a covid. O que se faz necessário é um esforço sério, contínuo e coletivo contra uma doença que atinge toda a sociedade. Foi preciso um ano, 300 mil mortes, quatro ministros da Saúde e uma tragédia de proporções nunca vistas nos hospitais brasileiros para que o governo federal tentasse resgatar alguma credibilidade — e popularidade — junto a uma enorme parcela de brasileiros. Após demitir Pazuello, o presidente fez pronunciamento no qual disse que sempre defendeu a vacina. Até os Dois Candangos da Praça dos Três Poderes sabem que a declaração não corresponde à verdade. Não convém esmiuçar as inúmeras ocasiões em que o mandatário tripudiou de qualquer iniciativa para que o país adquirisse imunizantes. Atacou o governador de São Paulo, insinuou que os brasileiros poderiam virar jacaré, disse que os laboratórios é que deveriam procurar o Brasil para oferecer seus produtos contra o vírus. A consequência de tanto negacionismo está aí.

No esforço de reparar os danos políticos, o Planalto foi além. Anunciou a criação de um comitê de combate à pandemia, em um gesto para demonstrar compromisso no enfrentamento do mal que tanto aflige a nação. Apesar do movimento do chefe do Executivo, foram as ações subsequentes dos dois chefes do Legislativo que chamaram a atenção. Enquanto o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), advertiu que o Congresso tem os remédios políticos para reparar a “espiral de erros” no enfrentamento do novo coronavírus, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), ocupou o vácuo deixado pelo Ministério da Saúde e assumiu as tratativas com os governadores. Em suma, o Congresso passou a exercer um papel que o governo federal abriu mão de cumprir. Do ponto de vista do Planalto, a nova configuração permite dividir responsabilidades e, assim, guardar um argumento, especialmente na campanha eleitoral, contra os ataques à gestão de Bolsonaro durante a pandemia. Em compensação, o governo abriu ainda mais o flanco para que aliados circunstanciais — leia-se o Centrão — aumentem a pressão por mudanças no primeiro escalão do Executivo. Foi essa pressão que expulsou Eduardo Pazuello da Saúde, deve derrubar Ernesto Araújo e pode atingir outros ministros, como Ricardo Salles.

Dada a urgência de se conter o avanço assustador da pandemia, é provável que boa parte desses movimentos em Brasília tenha pouco efeito prático. Uma resposta política consistente ao novo coronavírus só ocorre em duas situações: quando um líder assume o comando da guerra contra o covid — nos Estados Unidos, o presidente Joe Biden cumpriu, em dois meses, a meta de vacinação prevista para 100 dias —, ou quando a autoridade máxima mantém um trabalho sólido, contínuo e consistente no combate à doença, como ocorre na Alemanha de Angela Merkel. Ainda há poucos indícios para se convencer de que, de agora em diante, o governo Bolsonaro seguirá alguma dessas linhas.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação