Apesar de aprovado na quinta-feira pelo Congresso, o Orçamento de 2021 está dando o que falar. Um dos motivos é a manobra contábil do senador Marcio Bittar (MDB-CE), relator do PLN 28 — o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) —, ao criar um espaço de R$ 26,5 bilhões em emendas parlamentares para investimentos cortando despesas obrigatórias, como aposentadorias. A distribuição dos recursos também tem gerado desconfiança, pois favoreceu pastas como o Ministério de Desenvolvimento Regional (MDR), sinalizando que a estratégia do governo está focada nas eleições de 2022, e não no combate à pandemia.
Segundo dados do relatório geral do PLN 28, a previsão de investimento da pasta comandada pelo ministro Rogério Marinho e responsável por obras pequenas nos municípios — que podem ajudar o presidente Jair Bolsonaro eleitoralmente — teve incremento de 190% em relação à previsão inicial do projeto orçamentário, para R$ 6,9 bilhões. Já a previsão de investimentos dos ministérios da Educação e da Saúde cresceu 42,7% e 208% — respectivamente, R$ 3,1 bilhões e R$ 3,6 bilhões. Juntos, somam menos do que as previsões do MDR, da Infraestrutura (R$ 6,9 bilhões) e da Defesa (R$ 8,3 bilhões).
“Esses números têm uma conotação política, porque os aumentos nos investimentos para Saúde e Educação não foram suficientes para superar as previsões da Defesa, da Infraestrutura e do MDR. Isso mostra quais são as verdadeiras prioriades”, lamentou o economista Fabio Klein, especialista em contas públicas da Tendências Consultoria. Para ele, obras são positivas se ajudarem na retomada da economia, mas, na pandemia, Saúde e Educação, que deveriam ser as prioridades, “estão sendo visivelmente prejudicadas nessa redistribuição”.
Inclusão de abono
Os problemas do Orçamento não param por aí. Além de cortar R$ 13,5 bilhões de gastos com a Previdência, o relator incluiu nos R$ 26,5 bilhões os R$ 7,4 bilhões do abono salarial, que seriam adiados para 2022, devido às investigações de irregularidades no programa identificadas pela Corregedoria-Geral da União (CGU). Com isso, deixou o Ministério da Economia sem espaço fiscal para a medida provisória de recriação do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm), que deveria ter sido assinada ontem, conforme a promessa do governo aos empresários. Agora, os técnicos estão debruçados sobre os números do Orçamento e prometeram uma definição até a próxima terça-feira.
O consenso entre analistas ouvidos pelo Correio é de que a peça orçamentária tem uma série de problemas. E alertam para o aumento de riscos fiscais, na contramão do otimismo do mercado, que aproveitou para fazer a Bolsa subir ontem só porque o Orçamento foi aprovado.
Eles contam que as despesas estão subestimadas e as receitas, superestimadas, porque não houve atualização dos parâmetros macroeconômicos, o que poderá comprometer a meta fiscal. Além disso, o corte de despesas obrigatórias para aumentar as discricionárias foi visto como uma manobra para burlar o teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento de despesas pela inflação do ano anterior.
O especialista em contas públicas e analista do Senado Leonardo Ribeiro também percebe uma série de problemas no Orçamento. “Daqui para frente, o que vamos ver será a quebra das regras fiscais. Há um grande problema de falta de transparência”, alertou. Ele previu a necessidade de contingenciamento de, pelo menos, R$ 30 bilhões, por conta das despesas subdimensionadas. “O Orçamento que foi aprovado não espelha a realidade. O governo vai ter que fazer um contingenciamento brutal. Mais uma vez, estamos vendo uma peça de ficção”, criticou Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas.
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