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Governo na mão de radicais

Com a queda de popularidade, inclusive nas redes sociais — um de seus trunfos nas eleições de 2018 —, Bolsonaro confia, principalmente, no respaldo dos apoiadores de extrema direita para se manter forte na corrida pela recondução ao Planalto

Ingrid Soares
postado em 28/03/2021 21:17
 (crédito: Evaristo Sá/AFP - 22/3/21)
(crédito: Evaristo Sá/AFP - 22/3/21)

 O presidente Jair Bolsonaro tem visto sua popularidade cair em meio à falta de planejamento para combater a pandemia da covid-19 e por causa da lentidão na imunização contra o vírus, que já provocou mais de 310 mil mortos. Mesmo assim, ele confia na recondução ao Planalto, em 2022, porque já conta com apoio de cerca de 30% do eleitorado, composto por radicais, evangélicos e antipetistas, conforme avaliam especialistas.

Uma prova do abalo na popularidade de Bolsonaro vem das redes sociais, espaço que, em grande parte, o ajudou a chegar à Presidência da República (leia Saiba mais). O pronunciamento em cadeia nacional, realizado na última semana para tentar melhorar a imagem, não convenceu, e as menções positivas ao presidente caíram. Mas, com a extrema direita, ele segue em alta e, por isso, não perde a oportunidade de afagar esse grupo.

Mesmo agora, sob pressão do Senado, Bolsonaro admite afastar do cargo o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Filipe Martins, um dos representantes mais radicais no governo, mas busca uma saída honrosa para ele, com o objetivo de não desagradar à ala ideológica de apoiadores. Martins foi flagrado fazendo um gesto interpretado como sendo de supremacistas brancos, durante sessão de debates no Senado em que acompanhou o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. O próprio chanceler está na lista do Centrão para deixar o governo, mas o chefe do Planalto resiste em abrir mão dele, por ser um dos representantes da extrema direita no Executivo.

O analista político Creomar de Souza, da Consultoria Dharma, ressalta que há uma disputa, no governo, entre a ala reacionária, simbolizada por Martins e Araújo, e um grupamento mais conservador não radical. “Esse embate está muito claro hoje. Fato é que o presidente, até aqui, se apoiou muito em termos de diálogo com o eleitorado que tem mais simpatia com essa lógica radicalizada de discurso, e ele aposta nisso para chegar competitivo à eleição”, aponta.

No entanto, para Vera Chemim, especialista em direito constitucional e mestre em administração pública pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo, mesmo uma parcela dos radicais ficou abalada com a aliança entre Bolsonaro e Centrão. Ela lembra que, com a continuidade do auxílio emergencial, o chefe do Executivo espera reaver parte do eleitorado.

“Diante desse jogo enigmático, até os radicais de direita estão relativamente enfraquecidos e desmotivados com Bolsonaro, a partir do momento em que ele pegou uma carta da manga, há algum tempo, para apoiar o Centrão, tendo em vista a sua autoproteção em relação aos pedidos de impeachment que chegam à Câmara”, diz. “Bolsonaro moderou o seu comportamento, mas ainda enfrenta as consequências de seus atos e palavras totalmente fora de contexto, procurando fugir de situações constrangedoras que ele mesmo criou para si e se arvorando, desesperadamente, no suposto apoio dos presidentes das duas Casas Legislativas e na continuidade do auxílio emergencial, em decorrência da crise do coronavírus”, emenda. Ela faz referência a Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e Arthur Lira (PP-AL), que chegaram ao comando do Senado e da Câmara, respectivamente, com o apoio do Planalto.

O cientista político Rodrigo Prando, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, reforça que o presidente, ao longo de dois anos, tem mantido cerca de 30% de apoio no país. “Analistas que trabalham com dados quantitativos dizem que os bolsonaristas mais radicais, que defendem intervenção militar, fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, não passam de 20%, e que os outros 10% têm muito do antipetismo, da aversão à esquerda, no geral, e a Lula, em particular. A grande questão é que essa base dele de apoio mais radical é muito resiliente e coesa”, salienta.

Ele destaca a reciprocidade entre os simpatizantes do governo e Bolsonaro, mas — enfatiza — o grupo não basta para garantir a reeleição. “Esses radicais apoiam o presidente, e ele dá afago positivo quando utiliza discurso de ruptura com valores democráticos, faz ataques à mídia e aos cientistas. Esse grupo sozinho é suficiente para ganhar a eleição? Não. A eleição de Bolsonaro tinha esse grupo lava-jatista, ‘morista’ (apoiadores do ex-juiz Sergio Moro), contingente dos que tinham aversão ao PT no pior momento”, completa.

Polarização

Prando explica, porém, que, num cenário com Lula candidato ao Planalto, a polarização será reforçada, e Bolsonaro terá condições de ir para o segundo turno. “A grande questão é quem vai ser a figura de centro. Será que teremos um nome ou uma liderança que consegue se afastar de Bolsonaro, de Lula e convencer o eleitorado de que é uma alternativa eleitoralmente e de poder político viável? Existe chance do Bolsonaro nem ir para o segundo turno? Em política, existe. Nos últimos dias, ele se sentiu acuado e moderou o tom”, afirma.

O analista ressalta que “Bolsonaro fez uma escolha e, agora, está vindo para a conta dele tudo o que disse e fez, além do resultado da pandemia”, que recrudesceu no Brasil. “Foi uma escolha deliberada dele de dobrar a aposta e negar-se a compreender a importância da situação. Ele tem no bolsonarista extremista um apoiador de primeira hora e sempre fez de tudo para mantê-lo”, frisa. “Na maioria das vezes, dá um passo atrás para, na sequência, pelo menos na retórica, dar dois passos à frente. Ele mantém sempre esse grupo de radicais eletrizado com as declarações.”


Investigação
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), disse que a Polícia Legislativa vai apurar o gesto de Filipe Martins. “Imediatamente, determinei à Secretaria-Geral da Mesa que colhesse as imagens e as encaminhasse à Polícia Legislativa, para que, através de um procedimento próprio, investigue o fato, materialize a conduta através das provas a serem constituídas, identifique a autoria e avalie a tipicidade penal do fato”, afirmou, na quinta-feira. No dia seguinte, ele informou ao presidente Jair Bolsonaro sobre o início da investigação.


Dividido
O presidente Jair Bolsonaro passou a defender a vacinação em massa contra a covid-19 e tem usado máscara em eventos, mas não desiste de fazer apologia a tratamentos sem eficácia comprovada contra o vírus nem de criticar lockdown. Ele também insiste no embate com governadores e prefeitos que decretam medidas para conter a disseminação do vírus.

Saiba mais

Avaliação do governo

Levantamento realizado pelo banco Modalmais e pela consultoria AP Exata apontou que cerca de 43,7% avaliam o governo do presidente Jair Bolsonaro como “ruim e péssimo”, com oscilação de 0,1 ponto porcentual para menos em relação à última semana. O estudo leva em consideração as pesquisas de opinião e publicações em redes sociais. O porcentual de pessoas que vê a gestão como positiva é de cerca de 31,6%, apresentando uma queda de 0,3 p.p desde a última pesquisa. Já aqueles que consideram o governo regular chegam a 25,8%, com aumento de 1,5 p.p. De acordo com o levantamento, se a tendência negativa na aprovação se mantiver nas próximas semanas, é possível que a marca fique abaixo dos 30%. As menções positivas não ultrapassaram os 30% por dois dias, apesar da recuperação de 6 p.p na média semanal.


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