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Senado declara guerra a Ernesto Araújo

Ministro das Relações Exteriores ataca a senadora Kátia Abreu e insinua que a Casa tem interesse na tecnologia 5G chinesa, e não na vacinação em massa da população contra a covid-19. Parlamentares reagem e exigem a demissão dele

Marina Barbosa
postado em 28/03/2021 22:36 / atualizado em 28/03/2021 22:45
 (crédito: Gustavo Magalhães/MRE)
(crédito: Gustavo Magalhães/MRE)

A permanência do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, no governo parece cada vez mais insustentável. Depois de receber um bombardeio de críticas, em especial do Congresso, pela condução da pasta, principalmente nesta pandemia, o chanceler decidiu contra-atacar. Ele mirou na senadora Kátia Abreu (PP-TO), mas acabou deflagrando uma crise com todo o Senado.

Em uma rede social, Araújo sugeriu, ontem, que as críticas que vem recebendo de Kátia Abreu dizem respeito a interesses relacionados ao 5G chinês, e não à vacinação contra a covid-19. A senadora vem reclamando, assim como outros parlamentares, que o chanceler brasileiro não adotou as medidas diplomáticas necessárias para acelerar a compra das vacinas contra a covid-19 pelo Brasil.

“Em 4/3, recebi a senadora Kátia Abreu para almoçar no MRE. Conversa cortês. Pouco ou nada falou de vacinas. No final, à mesa, disse: ‘Ministro, se o senhor fizer um gesto em relação ao 5G, será o rei do Senado.’ Não fiz gesto algum”, escreveu Araújo, no Twitter. O chanceler disse, ainda, que desconsiderou a sugestão “porque o tema 5G depende do Ministério das Comunicações e do próprio presidente da República, a quem compete a decisão última na matéria”.

O comentário deixou os senadores sob alerta. Muitos procuraram Kátia Abreu e foram às redes sociais se solidarizar com a parlamentar, que é presidente da Comissão de Relações Exteriores (CRE) da Casa. Depois de horas digerindo o ataque, Kátia Abreu emitiu uma nota pedindo a saída de Araújo do Itamaraty e o tachando de “marginal”.

“O Brasil não pode mais continuar tendo, perante o mundo, a face de um marginal. Alguém que insiste em viver à margem da boa diplomacia, à margem da verdade dos fatos, à margem do equilíbrio e à margem do respeito às instituições. Alguém que agride gratuitamente e desnecessariamente a Comissão de Relações Exteriores e o Senado Federal”, disparou.

A senadora alegou que o chefe do Itamaraty faltou com a verdade em relação à conversa dos dois sobre o 5G. Alegou que, ao se reunir com Araújo, no início do mês, para discutir a implantação do 5G no Brasil, defendeu “que os certames licitatórios não podem comportar vetos ou restrições políticas e alertou sobre “prejuízos que um veto à China na questão 5G poderia dar às nossas exportações, especialmente do Agro, que vem salvando o país há décadas”. “Onde está em jogo a competitividade de nossa economia, como no caso do leilão do 5G, devem prevalecer os critérios de preço e qualidade”, explicou. Ela disse ter pedido, ainda, que o ministro esclarecesse ao mundo a questão do desmatamento na Amazônia “para evitar mais danos comerciais ao Brasil”.

Desrespeito

O ataque de Araújo só fez piorar a avaliação do ministro no Senado, que reforçou a pressão pela saída dele do MRE. O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), explicou que o chanceler atingiu “todo o Senado” e enfatizou que a “inviabilização de Araújo é feita por ele mesmo”.

“A tentativa do ministro Ernesto Araújo de desqualificar a competente senadora Kátia Abreu atinge todo o Senado Federal. E justamente em um momento que estamos buscando unir, somar, pacificar as relações entre os Poderes. Essa constante desagregação é um grande desserviço ao país”, escreveu Pacheco, que assumiu papel de destaque no combate à covid-19 ao ser escolhido para fazer a ponte entre os governadores e o comitê nacional de enfrentamento à pandemia. Ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) também não poupou críticas a Araújo, apesar do alinhamento com o presidente Jair Bolsonaro. Ao demonstrar apoio a Kátia Abreu nas redes sociais, o político amapaense disse que “a insinuação irresponsável por parte de um ministro não é somente um desrespeito ao Senado Federal, é um ato contra todos que constroem a longa e honrosa tradição da diplomacia brasileira”.

“No momento em que há um grande esforço para a pacificação e o entendimento, lamento muito que justamente o responsável por nossa diplomacia venha a criar mais um contencioso político para as instituições. O Brasil e o povo brasileiro não merecem isso”, endossou o presidente do PP, o senador Ciro Nogueira (PI).

O líder da bancada do PDT no Senado, Weverton Rocha (MA), destacou que os parlamentares não vão aceitar “esse desrespeito”. “Encurralado pela péssima gestão à frente da política externa brasileira, principalmente na compra de vacinas, Ernesto Araújo tenta se manter no cargo abrindo uma guerra de fake news contra senadores sérios, como Kátia Abreu”, reprovou. “Não vamos aceitar mais esse desrespeito contra o Senado e o Congresso. Táticas de mobilização, com cortinas de fumaça, não funcionarão. Já passou da hora de Ernesto Araújo ser demitido do Itamaraty.”

O desconforto do Senado com o trabalho de Araújo ficou claro na quarta-feira, em audiência pública realizada pelo Senado. Na ocasião, senadores afirmaram que o Itamaraty é um dos responsáveis pelo atraso da vacinação e pediram a saída do chanceler. Kátia Abreu foi uma das mais críticas. Ela lembrou que a diplomacia é essencial para garantir o avanço da vacinação contra a covid-19 no Brasil, já que a compra de imunizantes depende da negociação com outros países. Porém, lembrou que Araújo e a família Bolsonaro já atacaram a China, uma das principais fornecedoras no mundo de insumos para a produção de vacinas.

Com o incômodo generalizado, já circula entre os senadores um projeto de resolução que suspende a sabatina de chefes de missão diplomática na pandemia de covid-19. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) contou ao Correio que a ideia é retomar as sabatinas só depois da demissão de Araújo. Segundo ele, a proposta tem apoio “amplo de todos os senadores”. Por isso, deve ser protocolada, hoje, e pode ir à votação já amanhã. “Deve ser aprovado por unanimidade, pois não vamos admitir um marginal no Itamaraty. Se Bolsonaro decidir manter Araújo, não sabatinamos ninguém. É uma escolha do presidente”, disse.

"O Brasil não pode mais continuar tendo, perante o mundo, a face de um marginal. Alguém que insiste em viver à margem da boa diplomacia, à margem da verdade dos fatos, à margem do equilíbrio e à margem do respeito às instituições”
Kátia Abreu, senadora


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