SEGURANÇA NACIONAL

Após morte de PM na Bahia, deputados bolsonaristas usam redes para incitar motins

Publicações nas redes sociais incentivam movimento nas corporações militares, mesmo que comando baiano tenha neutralizado agente, armado com fuzil, durante surto psicótico

Renato Souza
postado em 29/03/2021 13:38
 (crédito: Vinicius Cardoso/Esp. CB/D.A Press)
(crédito: Vinicius Cardoso/Esp. CB/D.A Press)

Após a morte do policial Wesley Soares, que, armado com um fuzil, atirou contra colegas e fez disparos para o alto em Salvador, na Bahia, parlamentares que apoiam o governo compartilharam mensagens nas redes sociais incitando motim nas corporações militares nos estados. Wesley foi atingido por disparos após mais de três horas de negociação durante um surto psicótico. 

Nesta segunda-feira (28), diversos parlamentares bolsonaristas publicaram mensagens alegando que o PM se insurgiu contra restrições ao comércio aplicadas pelos governadores e apoiando ações semelhantes. A deputada federal Bia Kicis, presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ), chegou a publicar uma mensagem com o mesmo teor, mas apagou em seguida. "Nesta madrugada fui informada, de que o PM morto, em surto, havia atirado para o alto e foi baleado por colegas. As redes se comoveram e eu também. Hoje cedo removi o post para aguardarmos as investigações. Inclusive diante do reconhecimento da fundamental hierarquia militar", escreveu a parlamentar.

Antes disso, a deputada tinha escrito: “Soldado da PM da Bahia abatido por seus companheiros. Morreu porque se recusou a prender trabalhadores. Disse não às ordens ilegais do governador Rui Costa da Bahia”. A mensagem deletada seguia com os dizeres “esse soldado é um herói. Agora a PM da Bahia arou. Chega de cumprir ordem ilegal!”.

Na Bahia, na hora em que ocorriam as negociações com o PM, o deputado estadual Soldado Prisco (PSC) fazia uma live nas redes sociais falando sobre eventuais problemas durante a atividade policial. Em seguida, ele convocou protestos em relação ao caso e em um vídeo que circula na internet, ele aparece ao lado de vários homens, que seriam policiais da ativa e aposentados, convocando manifestações, dizendo "tem muitos Wesleys na polícia militar" e acusou os negociadores do Bope de não terem intenção de evitar confronto - ainda que a neutralização tenha ocorrido apenas após o soldado disparar contra os agentes no local. Entre os vários vídeos postados desde a noite de domingo, Prisco aparece questionando até quando os policiais vão aceitar "isso" e dispara: "a hora de parar é agora, eu convoco vocês”.

Outros deputados federais também aproveitaram para comentar o caso, em tom de cobrança por ações. A deputada Karla Zambelli postou um vídeo com texto e imagens motivando atos como o de Wesley. "Eu não vou deixar, não vou permitir, que violem a dignidade humana de um trabalhador", diz um trecho da mensagem. O texto logo abaixo tem uma frase motivacional. "Sempre é hora de fazer o que é certo", completa a imagem, com a foto do PM baleado.

Eduardo Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, afirmou que o ato do PM é um protesto contra o "sistema" e disse que "estão brincando com a democracia". O assunto é um dos mais comentados das redes sociais. "Aos vocacionados em combater o crime, prender trabalhador é a maior punição. Esse sistema ditatorial vai mudar. Protestos pipocam pelo mundo e a imprensa já não consegue abafar. Estão brincando de democracia achando que o povo é otário", escreveu o deputado.

 

Surto

Durante a ação que terminou em sua morte, Wesley Soares se colocou, em carro particular e com o rosto pintado de verde e amarelo, em frente ao Farol da Barra, em Salvador. Ele jogou bicicletas e alambrados no mar e fez diversos disparos para o alto, enquanto gritava palavras de ordem. O Batalhão de Operações Especiais (Bope) fez uma barricada e isolou a área. No entanto, durante as negociações, Wesley disparou contra colegas, o que gerou reação e ele foi atingido por diversos tiros. Socorrido ao Hospital Geral do Estado, na noite de domingo, ele não resistiu aos ferimentos e morreu.

Um texto da Associação Nacional das Entidades Representativas de Policiais Militares e Bombeiros Militares e Pensionistas do Brasil afirmou que vem alertando sobre estresse e esgotamento físico e psicológico nos policiais, que se intensificaram durante a pandemia de covid-19. "Mais uma vez, alertamos o Conselho de Comandantes Gerais-CNCG, Ministério da Justiça, Congresso Nacional, Comissão Nacional dos direitos Humanos e Presidente da República, que as tropas dos militares estaduais estão cansadas, sobrecarregadas, psicologicamente abalados com a carga estressante de atividades operacionais à exaustão, ocasionando distúrbios, insônia, ansiedade e angústia", destaca um trecho do texto.

Em nota, a Polícia Militar da Bahia lamentou a morte do policial. 

Oposição

 

A oposição reagiu as declarações dos parlamentares da base do Executivo no Congresso. A deputada Jandira Feghali (PCdoB), declarou que as falas são de ampla gravidade, e que o PM em surto fez diversos disparos em via pública. "Grave! Bolsonaristas e parlamentares incitam motim na Bahia contra isolamento e lockdown após o PM em surto que atirava pesadamente em ponto turístico ser imobilizado pelos colegas de farda. Vídeo comprova ele atirando muito. Ameaça à Segurança Nacional tem que ser denunciada", disse.


Marcelo Freixo (Psol) afirmou que Bia Kicis usa o cargo para incitar a violência. "A extremista Bia Kicis, presidente da CCJ, que já discursou a favor da intervenção militar dentro do parlamento, agora estimula um motim da PM na Bahia. Mais uma vez utiliza o cargo para pregar a violência contra o Estado de Direito e a Democracia. É um crime contra a Constituição", publicou nas redes sociais.

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