O ministro da Economia, Paulo Guedes, reclamou que o ajuste feito por deputados e senadores no Orçamento de 2021, aprovado no Congresso há duas semanas, foi motivado pela ação de ministro “fura-teto”. Ele disse ter ficado surpreendido com a redação final da matéria, mas admitiu que houve erro da equipe econômica na negociação da peça orçamentária com o Parlamento.
Na tramitação no Congresso, o relator do texto, senador Marcio Bittar (MDB-AC), fez cortes em despesas obrigatórias, como benefícios previdenciários e seguro-desemprego, para turbinar as emendas parlamentares em R$ 31,3 bilhões.
Guedes afirmou que a sua equipe e ele concordaram com os congressistas em uma manobra para destinar mais R$ 16 bilhões às emendas que são indicadas por deputados e senadores, mas que depois disso houve um novo acordo sem a participação da Economia. De acordo com ele, “alguém foi em nome do presidente da República e pediu um dinheiro que não estava combinado, e deu quase o dobro do que estava combinado para caber dentro do Orçamento”.
“O primeiro acordo era em torno de R$ 8 (bilhões), ela (a equipe econômica) acompanhou. O segundo acordo era R$ 16 (bilhões), ela acompanhou. De repente, fizeram um acordo que extrapolou e não cabia, não era parte do acordo das principais chaves, as presidências da Câmara e do Senado, a Secretaria de Governo. Houve equívocos de um lado ou de outro. Todo mundo está junto no erro”, ponderou.
Segundo Guedes, o acordo teria acontecido para possibilitar a realização de mais obras de infraestrutura pelo governo federal com o dinheiro indicado por deputados e senadores. A medida seria politicamente benéfica tanto para o presidente Jair Bolsonaro quanto para parlamentares, visto a proximidade das eleições de 2022.
Contudo o ministro alertou que “não adianta querer levantar o governo agora, através de obras”. “Tem ministro fura teto, tem de tudo aqui. Tem ministro que não desiste, volta toda hora e bate no mesmo lugar. Isso acontece volta e meia. Ele (ministro) bota mais um pouquinho de dinheiro ali, mas esquece de combinar com os outros. Quando vai combinar, a conta não fecha. Isso bota em risco o grupo inteiro. Tem oportunista em todo lugar. Temos que resistir a isso fazendo o certo”, frisou.
Os comentários foram feitos durante uma live, na manhã de ontem, promovida pelo Bradesco BBI. Apesar de Guedes não ter citado nomes, é consenso dentro do governo de que ele se referia ao ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, que, em outras oportunidades, já foi tachado pelo colega da Economia de “fura-teto”.
Inédito
De acordo com o ministro, foi a primeira vez que o governo elaborou o Orçamento em conjunto com o Parlamento e que os parlamentares de centro-direita têm direito a encaixar suas emendas dentro do Orçamento. “Nunca o Congresso recebeu e carimbou tantos recursos; é assim em outros países”, afirmou. Sem apontar os culpados pelo Orçamento fictício, o ministro afirmou que sua função é dizer se os acordos políticos cabem ou não na peça. “Quero preservar a figura do presidente da Câmara que cumpriu sua parte”, destacou, sobre o deputado Arthur Lira (PP-AL).
Ainda segundo ele, Bolsonaro e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), assim como o próprio ministro, também têm defendido o cumprimento dos acertos políticos sobre o tema. “Acordos precisam ser cumpridos, o problema é como.”
Bolsonaro tem até o dia 22 para sancionar o Orçamento. A equipe econômica recomenda que o presidente vete parte do texto, incluindo o volume recorde de emendas parlamentares. O argumento é de que, se avalizá-lo da forma como está, o chefe do Planalto corre risco de responder por crime de responsabilidade, que pode levar até mesmo a um processo de impeachment, ou ter a contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), o que pode desencadear na inelegibilidade do presidente. (Com Agência Estado)
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Pareceres sugerem mudanças no texto
Apesar da pressão de parcela expressiva do Congresso para que o presidente Jair Bolsonaro sancione sem vetos o Orçamento de 2021, estudos elaborados por consultorias da Câmara e do Senado sugerem que o Executivo faça modificações à peça orçamentária para corrigir a manobra que cancelou R$ 26,5 bilhões de despesas obrigatórias de caráter continuado para financiar emendas parlamentares.
Segundo as notas técnicas produzidas pelas duas Casas, por mais que durante a tramitação do Orçamento no Congresso deputados e senadores possam promover ajustes ao documento apresentado pelo Executivo, a modificação feita na peça deste ano para turbinar os recursos que podem ser indicados por parlamentares não foi feita “com a máxima clareza, transparência e exatidão”. Também não respeitou elementos como premissas, metodologia e memórias de cálculo, itens exigidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal quando de ampliações em despesas obrigatórias.
“(A utilização desses elementos) é condição indispensável para o cumprimento do devido processo orçamentário, sem o qual resta prejudicada a segurança jurídica”, afirmou a consultoria produzida pelo Senado.
O documento questiona se na peça orçamentária deste ano, de uma perspectiva jurídica, foram adequadas as reestimativas de despesas obrigatórias, em especial as referentes a benefícios previdenciários e seguro-desemprego, e ainda pondera que a intervenção parlamentar no projeto de lei orçamentário deve se dar revestida de cautelas.
Quatro saídas
Diante disso, a consultoria do Senado sugere ao Executivo quatro saídas para o Orçamento. A primeira é a suplementação de despesas primárias obrigatórias e discricionárias à conta de cancelamentos de dotações, superavit financeiro e excesso de arrecadação.
A segunda é a apresentação de projeto de lei de crédito suplementar que permita recompor as dotações que sofreram cortes no âmbito do Congresso, oferecendo-se como contrapartida o cancelamento de dotações, de modo parcial ou integral, constituídas por meio de emendas de comissão e de relator-geral, ou que se refiram à parcela de execução não impositiva das emendas de bancadas estadual.
A terceira recomendação é o veto a determinadas programações ou dotações. Embora esse ato, por si só, não solucionasse a questão, de acordo com a consultoria, abriria espaço para o envio de projeto de lei de crédito suplementar à conta dos recursos que deixariam de estar alocados na lei orçamentária.
A quarta possibilidade seria o encaminhamento de projeto de lei para ampliar as possibilidades de o Executivo abrir crédito suplementar por ato próprio, alterando, por exemplo, as restrições sobre o cancelamento de dotações relativas a emendas.
A consultoria feita pela Câmara apresenta duas propostas parecidas. No caso de sanção com vetos de parte das programações discricionárias da lei orçamentária, o Executivo pode recompor as despesas obrigatórias com o envio de projeto de lei complementar (PLN) e abertura de crédito suplementar. Segundo a Casa, o PLN utilizaria como fonte os recursos liberados em razão das dotações vetadas.
No caso de sanção sem vetos, o conselho é para que o governo faça a recomposição por projeto de lei de crédito adicional ou por decreto de abertura de crédito. Nesse cenário, a consultoria da Câmara explica que o governo teria de promover contingenciamento nas despesas discricionárias, por causa da perda de receita, e poderia limitar o empenho e pagamento de emendas.
A nota técnica do Senado afirma que Bolsonaro não corre risco de cometer crime de responsabilidade fiscal pela simples sanção do texto na forma como ele está, mas alerta que os ajustes são necessários para que ele não incorra no delito. “Por se tratar de ato político, a sanção não poderia, isoladamente, ser considerada crime de responsabilidade, devendo atos seguintes, devidamente tipificados, serem observados na execução orçamentária.”
Já o documento da Câmara ressalta que, caso Bolsonaro siga alguma das recomendações dos documentos, “estaria adotando todas as medidas necessárias para o ajuste e a execução de todas as despesas obrigatórias, bem como o fiel cumprimento de todas as regras fiscais, inclusive as referentes ao teto de gastos e a meta fiscal, não incorrendo em crime de responsabilidade, salvo melhor juízo”.