Entre a cruz e a caldeirinha
A velha expressão lusitana que intitula a coluna vem a calhar por causa da situação em que estamos. Sua origem é do tempo em que as pessoas morriam em casa, com um crucifixo sobre o peito e água benta junto aos pés, ou seja, seu significado original era estar moribundo, entre a vida e a morte, mas foi abrandado com o tempo: hoje, nos remete à situação angustiante, que, depois de vencida, nada resolve, porque outra lhe sucede. Essa é situação do presidente Jair Bolsonaro, entre o Orçamento aprovado pelo Congresso e a CPI da Covid, que tiram seu sono no Palácio da Alvorada.
Com o ministro da Economia, Paulo Guedes, Bolsonaro tenta uma saída para não desmantelar o acordo feito com o Centrão na Câmara, que foi atropelado no Senado. O relatório do senador Marcio Bittar (MDB-AC) estourou o teto de gastos, pressionado pelo ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (DEM-AP). Presidente do Congresso, o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) lavou as mãos sobre o Orçamento e, agora, está em apuros, porque o governo o pressiona para adiar a instalação da CPI da Covid, enquanto não se chega a um acordo em relação aos mais de R$ 20 bilhões em emendas parlamentares incluídas no Orçamento. A conta da eleição do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), era R$ 16 bilhões. Bolsonaro fará vetos para não correr o risco de ser acusado de irresponsabilidade fiscal, mas o alcance dos vetos depende dessas negociações.
O acordo proposto por Guedes prevê um extrateto orçamentário de R$ 100 bilhões, a pretexto de combater a epidemia da covid-19. Além dos R$ 16 bilhões em emendas parlamentares, para obras escolhidas a dedo pelo Centrão, seriam destinados R$ 42 bilhões à compra de vacinas (sendo R$ 20 bilhões em restos a pagar), mais R$ 10 bilhões com o BEm (Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda) e R$ 5 bilhões do Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte). Entretanto, para isso, é preciso aprovar uma emenda à LDO que desobrigue o governo de medidas compensatórias, para Bolsonaro não infringir a Lei de Responsabilidade Fiscal. O problema é que isso aumentará ainda mais a dívida pública, mesmo com o governo bloqueando gastos não obrigatórios, como o orçamento da Defesa.
Investigações
A outra dor de cabeça de Bolsonaro é a CPI da Covid, que está sendo dominada pela oposição. O futuro presidente da CPI, indicado pela maior bancada, é o senador Omar Aziz (PSD-AM), cujo irmão 10 anos mais novo faleceu há 40 dias, vítima da doença. O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), é considerado um desafeto por Bolsonaro. Desde a derrota na eleição para a Presidência do Senado, em 2017, o político nordestino estava mergulhado, mas emergiu com a faca e o queijo nas mãos. Pai do governador de Alagoas, Renan Filho (MDB), Calheiros é um inimigo figadal de Arthur Lira, o presidente da Câmara, que pretende assumir o controle político do estado com apoio de Bolsonaro.
O esquema de trabalho da CPI, sugerido pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), tem a marca registrada de quem domina as investigações criminais. CPIs têm poder de polícia, podem fazer acareações e quebras de sigilo, convocar ministros e toda a equipe do governo. Podem virar o Inferno de Dante, cuja imagem é a de um cone invertido, dividido em círculos. No início, no círculo maior, estavam aqueles que não foram batizados e que não conseguiam reconhecer o próprio erro. Seguem os círculos daqueles que pecaram por incontinência. Esses estão no limbo.
Há um círculo para os que se entregaram à luxúria, outro para os que se deixaram dominar pela gula; em seguida, para os avaros e os pródigos (ou seja, para quem não gasta nada e para quem gasta muito); depois, um círculo para os iracundos e cheios de rancor, e por fim, para os hereges. Há círculos para: assaltantes, suicidas, blasfemos, sodomitas e usurários. Círculos para os rufiões (aqueles que exploram a prostituição), os aduladores e lisonjeadores. Para os que vendem milagres, traficantes, hipócritas, fingidos, mentirosos; para os ladrões, os falsários, os maus conselheiros e os intrigantes. Por último, os traidores. São os piores.
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