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Sob ataques, Bolsonaro encara Cúpula do Clima e deve reforçar carta enviada a Biden

Criticado no Brasil e no mundo por uma política ambiental considerada fracassada, presidente deve repetir, no encontro virtual com chefes de Estado, o discurso em que condiciona a erradicação do desmatamento ilegal à obtenção de recursos internacionais

Israel Medeiros
postado em 21/04/2021 23:56 / atualizado em 22/04/2021 08:19
 (crédito: MARCOS CORREA/AFP PHOTO)
(crédito: MARCOS CORREA/AFP PHOTO)

A Cúpula de Líderes sobre o Clima, que começa hoje, será mais um desafio para o governo de Jair Bolsonaro, que tem no meio ambiente um das áreas mais criticadas do seu governo. A tendência é de que o mandatário reafirme pontos da carta que enviou ao presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, na semana passada, na qual se comprometeu a erradicar o desmatamento ilegal no país até 2030, mas enfatizou a necessidade de recursos financeiros internacionais para atingir o objetivo.

Ambientalistas criticaram o teor da carta, associando a postura de Bolsonaro à do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, acusado pela Polícia Federal de chefiar uma organização criminosa especializada em desmatar a Amazônia para comercializar ilegalmente madeiras. O titular da pasta sustenta que, para conter o desmatamento, o Brasil precisa de US$ 1 bilhão. Também diz que o país deveria receber US$ 133 bilhões em créditos de carbono pelas reduções nas emissões entre 2006 e 2017.

O vice-presidente Hamilton Mourão chegou a reprovar a postura de Bolsonaro ante os americanos. Em conversa com jornalistas, na segunda-feira, o general, que é presidente do Conselho da Amazônia, disse que o Brasil não pode se comportar como um mendigo na relação com os Estados Unidos. No Planalto, a declaração foi mal recebida, e Mourão acabou excluído de todas as negociações com estrangeiros para a Cúpula e não teve acesso ao discurso que será feito pelo chefe do Executivo no encontro.

Além disso, na terça-feira, governadores enviaram uma carta a Biden em que se colocaram à disposição para cooperar com a emergência climática. O movimento foi visto como um contraponto ao de Bolsonaro. “A coalizão Governadores pelo Clima, ampla e diversa, envolvendo progressistas, moderados e conservadores, de situação e de oposição, sinaliza o desejo do Brasil por união e construção colaborativa de soluções em defesa da humanidade e de todas as espécies de vida que estão ameaçadas pela degradação de ecossistemas”, afirmou um trecho do documento.

Em outra frente, personalidades nacionais e internacionais juntaram-se num apelo para que Biden rejeite acordos com Bolsonaro. A lista tem nomes como Leonardo DiCaprio, Katy Perry, Joaquin Phoenix e Jane Fonda, além de brasileiros como Sonia Braga, Gilberto Gil e Wagner Moura.

A Cúpula começa exatamente um ano depois de Salles ter dito, na polêmica reunião ministerial de 22 de abril, que o governo deveria aproveitar o momento de crise provocado pela pandemia do novo coronavírus e o desvio dos holofotes da opinião pública para “passar a boiada” — referindo-se à flexibilização das regulações de proteção ambiental e de agricultura.

Desde que assumiu o Ministério do Meio Ambiente, em 2019, Salles esteve no centro de controvérsias que envolvem, entre outras, a destruição da reputação do Brasil como protagonista nas ações pela preservação do meio ambiente. Enquanto vários ministros foram trocados, ele permanece na função — o que, para especialistas, é a principal prova de que o presidente concorda suas ações e posicionamentos.

Participantes

Organizador da cúpula, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, convidou cerca de 40 líderes mundiais. Além do presidente Jair Bolsonaro, participarão os mandatários de China, Xi Jinping; França, Emmanuel Macron; Israel, Benjamin Netanyahu; Rússia, Vladimir Putin; e Grã-Bretanha, Boris Johnson. O encontro, hoje e amanhã, será por meio de videoconferência.

Agenda ambiental

Além da Cúpula sobre o Clima, outros dois eventos importantes estão previstos este ano sobre o meio ambiente: a COP15 biodiversidade (em outubro na China) e a COP26 clima (em novembro, em Glasgow, na Escócia).

 

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Mobilização contra Salles

 (crédito: Reprodução/Twitter)
crédito: Reprodução/Twitter

Na véspera da Cúpula do Clima, as críticas contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, se acentuaram. Ontem, ele foi alvo de um tuitaço divulgado por organizações ambientais pedindo a sua saída do cargo. Postagens com a hashtag #ForaSalles foram feitas na rede social por nomes como a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, o compositor Gilberto Gil, ex-ministro da Cultura, e políticos da oposição como o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) e o senador Humberto Costa (PT-PE). Como reação ao movimento, apoiadores do governo passaram a divulgar mensagens a favor do ministro, com a hashtag #FicaSalles.

Na noite de terça-feira, o próprio Salles contribuiu para dar visibilidade à publicação massiva de postagens ao ironizar uma convocação de tuitaço feita pelo Coletivo de Cidadãos e Cidadãs em Defesa das Florestas. “Amanhã é dia...”, escreveu o ministro.

Candidata da Rede nas eleições presidenciais que, em outubro de 2018, elegeram Jair Bolsonaro, a ex-ministra Marina Silva escreveu que Salles e o chefe do Executivo não estão cumprindo o dever de proteger a Amazônia. “Precisamos que as agências ambientais funcionem! Ibama fraco só interessa a quem atua na ilegalidade”, postou, numa referência ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais.

Gilberto Gil, ao também aderir ao movimento, escreve: “Hoje é o Dia da Terra, o dia de pensarmos sobre nossa responsabilidade e compromisso com o futuro do nosso planeta. O Brasil tem um dos maiores patrimônios ambientais do mundo e não podemos deixar que seja destruído pela maldade do governo atual. #ForaSalles”.

Defensor

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) saiu em defesa do titular do Meio Ambiente. “O novo alvo do sistema é o ministro Ricardo Salles. Estranho seria não ser atacado. Globalistas e seus tentáculos miram naquele que defende nossas florestas”, ressaltou. “Isso tudo porque Salles fechou a torneira e cortou os milhões de reais do povo brasileiro que iam pra ONGs (organizações não governamentais).”

O também deputado Carlos Jordy (PSL-RJ) seguiu a mesma linha. “Não adianta chorar, espernear e levantar hashtag contra. Salles fica e até 2026!”, escreveu.

O ministro das Comunicações, Fábio Faria, usou a hashtag #FicaSalles com a foto em que aparecem o titular do Meio Ambiente e outros integrantes do governo com o presidente Jair Bolsonaro. O encontro foi num almoço, ontem, na casa de Faria.

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) comentou o embate na rede social. “O Brasil não precisa de guerra de # ou mitadas nas redes. Precisa de gestão eficiente e políticas públicas sérias”, reprovou. “Sobre o Salles, a questão é objetiva: na sua gestão o desmatamento foi reduzido e fiscalização melhorou? Não, aconteceu o contrário. Estamos queimando nosso futuro.”

 

Briga com Anitta

Alvo do tuitaço, ontem, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, decidiu rebater um post especial, o da cantora Anitta. Após a artista fazer a publicação “#ForaSalles desserviço para o meio ambiente”, ele respondeu: “Fica na sua ai, ô Teletubbie!”. Depois, insistiu no ataque: “Se vc conseguir demonstrar, sem ajuda de outra pessoa, que sabe quais são as capitais do Brasil ou pelo menos os nomes dos seis biomas brasileiros a gente começa conversar....”. A artista revidou: “Que resposta madura. Quantos anos você tem? 12?”

Alertas sobre os impactos ao país

Na avaliação de especialistas, a política ambiental do governo é um fracasso. Sergio Leitão, diretor-executivo do Instituto Escolhas, disse que, na gestão Bolsonaro, o Brasil enfrenta retrocessos e corre o risco de perder mais de três décadas de esforços pelo meio ambiente. Isso pode deixar o país isolado economicamente, conforme analisou.

“Você tem um governo que nega a importância da questão ambiental no momento em que o mundo passa a cobrar exatamente esse item como passaporte de entrada de produtos para os mercados internacionais. Então, o efeito é catastrófico”, ressaltou.

Ministra do Meio Ambiente do governo Dilma Rousseff, Izabella Teixeira também alertou para os retrocessos. De acordo com ela, a política climática brasileira foi fragmentada ou destruída pela atual gestão e, se o Brasil não tiver um projeto claro de preservação ambiental, não será possível construir acordos e garantir financiamentos. “Você terá de se preparar para dialogar com essas novas exigências de mercado. Outros países exigem responsabilidade ambiental de quem vende produtos. Se o Brasil não se preparar agora, qual é a competitividade que teremos daqui a 30 anos?”, indagou.

Fabio Alperowitch, conselheiro da WWF e diretor da Fama Investimentos, alertou para consequências graves caso os governos não se unam pelo clima. “Se omitir é catastrófico. Chegamos a um ponto crítico. Se não fizermos algo nos próximos 10 anos, vamos ter consequências, como a queda na produção mundial de grãos, que pode chegar a 40%”, destacou. “Além disso, alguns locais do globo passarão a ser inabitáveis, por causa do aumento do nível do mar ou do calor. Isso pode resultar em 50 a 80 milhões de refugiados no mundo por causa do clima.” (IM)

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