Nas entrelinhas

O precário e o ridículo

por Carlos Alexandre de Souza
postado em 23/04/2021 23:51

Há algum tempo, uma ideia a respeito do Brasil insiste em me ocorrer. Não tenho a pretensão de elaborar, aqui, um conceito teórico relativo ao país, tal qual a definição de brasileiro cordial, magistralmente concebida por Sérgio Buarque de Holanda. Tampouco busco cunhar uma frase definitiva, como fez Roberto Campos, ao afirmar que “o Brasil nunca perde uma oportunidade de perder oportunidades”. Longe de mim, ainda, rivalizar com a sofisticação de Tom Jobim, segundo o qual “o Brasil não é para principiantes”. Mas tomo a liberdade de compartilhar com o leitor uma perspectiva particular sobre esta Ilha de Vera Cruz, que, anteontem, completou 521 anos de “descobrimento”.
O Brasil de 2021 situa-se entre o precário e o ridículo. Não faltam exemplos a evidenciar que o país conseguiu amalgamar um estado de coisas marcado ora pela desorganização político-institucional, ora pela ignorância ou descabimento de seus representantes políticos e seguidores. Quando se observa a situação do Estado brasileiro, é patente, por um lado, a disfunção de práticas políticas e econômicas, em notório prejuízo aos interesses e necessidades da nação. Por outro lado, são evidentes e chocantes as manifestações indigentes, ignóbeis, preconceituosas, obscuras, dissimuladas daqueles que poderiam contribuir significativamente para avanços na vida nacional. Chegam às raias do ridículo, quando não do trágico, as narrativas construídas pelos detentores do poder, tal a desconexão com a realidade brasileira.


Não estaria, por exemplo, o Orçamento de 2021 situado em alguma categoria entre o precário e o ridículo? Sancionada no último minuto pelo presidente da República, a peça orçamentária é um espelho da política econômica do governo Bolsonaro: confusa, repleta de idas e vindas, fruto de um acordo antirrepublicano entre o Planalto e os próceres do Centrão, prova escrita e acabada da relação desastrosa entre o Ministério da Economia e o Congresso. A precariedade do Orçamento está a olhos vistos: enquanto a Saúde e a Educação sofrem cortes e bloqueios de verbas por parte do Planalto, a fim de se evitar o rompimento do teto de gastos, secretários estaduais de Saúde clamam, no Senado, por mais recursos no atendimento às vítimas da covid-19. Os disparates orçamentários seriam cômicos, não fossem aviltantes. As contas públicas do país estão destroçadas, mas há espaço para assegurar ao menos R$ 16 bilhões em emendas parlamentares, com vistas a bloquear iniciativas pró-impeachment no Congresso, bem como pavimentar a corrida rumo às eleições de 2022.


Ridícula é seguramente a participação do Brasil na Cúpula do Clima. Há muitas razões para não se levar a sério o compromisso assumido pelo governo brasileiro de combater o desmatamento da Amazônia e reduzir a zero o saldo de emissões de gases poluentes até 2050. A principal delas é que, ao contrário do que foi dito ao mundo na quinta-feira, a agenda ambiental nacional tem como diretriz o desmonte, e não o fortalecimento da ação institucional contra agressões ambientais. Há um outro ponto a considerar, mais desconcertante. O governo Bolsonaro fez e desfez em uma pandemia que aniquilou quase 400 mil brasileiros em 12 meses, imagine se haveria preocupação com as prioridades em relação à sustentabilidade até 2050. Trata-se de piada infame advogar mudanças significativas na política ambiental brasileira. A quem já esqueceu, convém lembrar que se passou um ano — sim, um ano — desde a fatídica reunião na qual o ministro do Meio Ambiente afirmou ser necessário passar a boiada no ordenamento ambiental brasileiro. A boiada continua a passar de forma devastadora, mas “o Brasil está na vanguarda do enfrentamento do aquecimento global”, como dito na Cúpula do Clima, para espanto geral.


Voltam-me à memória as frases sobre o gigante adormecido. O Brasil não é um país sério, como disse o embaixador brasileiro na França, e não De Gaulle. Subdesenvolvimento não se improvisa, ensinou Nelson Rodrigues. O 7 x 1 colocou-nos no devido lugar no futebol mundial, obrigando-nos, a pátria de chuteiras, a engolir a empáfia e a arrogância. Oscilantes entre o precário e o ridículo, poderosos insistem em manter a nação brasileira no caminho torto, em vez de conduzi-la na estrada da virtude. Ainda passaremos por amargos ensinamentos, tal como ocorre nesta pandemia, antes de conhecermos uma era de maturidade política, prosperidade econômica e justiça social.

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