O Senado instala, às 10 horas de hoje, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar “ações e omissões” do governo federal em meio à pandemia de covid-19. A criação do colegiado, que ocorre por determinação do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), deve ter forte impacto político no Poder Executivo. Enquanto senadores se articulam para preencher os cargos da comissão, o Palácio do Planalto atua para tentar desviar o foco das diligências e ofuscar as atividades da CPI — com a finalidade de reduzir os prejuízos aos ocupantes da Esplanada.
A CPI tem potencial para causar sérios danos políticos ao presidente Jair Bolsonaro. O ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, será chamado para se explicar. A oitiva dele é vista como ponto chave para entender e provar os fatos que podem levar integrantes do governo a responder perante a opinião pública e as autoridades. O próprio general Pazuello pode ser arrolado como investigado, por conta da fidelidade que manteve às ordens do presidente enquanto ocupou o cargo.
Dentro do governo, a avaliação é de que Pazuello deve ser orientado e protegido. Mas essa proteção esbarra na criação de um escudo contra o próprio presidente da República, que deve usar o subordinado para reduzir sua responsabilidade diante dos fatos investigados.
Na sessão de hoje, serão definidos o presidente e o relator da CPI. Estão na disputa para o comando do grupo os senadores Eduardo Girão (Podemos-CE) e Omar Aziz (PSD-AM). As inscrições podem ser realizadas na hora da sessão, que será semipresencial.
Ataque a Calheiros
Existe um acordo para que o senador Renan Calheiros (MDB-AL) seja escolhido relator caso Aziz assuma a presidência da CPI. Calheiros é crítico do governo Bolsonaro. Por essa razão, desde a semana passada, os aliados do Planalto receberam a missão de minar a participação de Calheiros na CPI.
Ontem, uma liminar expedida pelo juiz Charles Renald Frazão, da 2ª Vara Federal de Brasília, impediu Calheiros de assumir a relatoria da CPI. A Justiça atendeu pedido da deputada federal Carla Zambelli, apoiadora do presidente Jair Bolsonaro.
Na petição, Zambelli afirma que Renan é alvo de “apurações e processos determinados pelo Supremo Tribunal Federal, envolvendo fatos relativos a improbidade administrativa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o que compromete a esperada imparcialidade que se pretende de um relator”. A tendência é de que a decisão seja revertida antes da instalação da CPI.
No despacho, o juiz Charles Renald determina que o presidente do Senado não submeta o nome de Renan Calheiros na “votação para a composição da CPI da Covid-19 na condição de relator”. No entanto o relator da CPI não é votado; ele é escolhido pelo presidente do colegiado.
A reação do Senado veio à noite. Em nota, o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), afirmou que a escolha do relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) cabe ao presidente da Comissão. A resposta sinaliza que ele deverá ignorar a decisão liminar proferida pelo juiz.
Pacheco ainda criticou a interferência de outros poderes na questão e destacou que "a Constituição impõe a observância da harmonia e independência entre os poderes”. “A escolha de um relator cabe ao presidente da CPI, por seus próprios critérios. Trata-se de questão interna corporis do Parlamento, que não admite interferência de um juiz”, escreveu.
Renan reagiu nas redes sociais. “A decisão é uma interferência indevida que subtrai a liberdade de atuação do Senado. A CPI é investigação constitucional do Poder Legislativo e não uma atividade jurisdicional. Nada tem a ver com Justiça de primeira instância. Não há precedente na história do Brasil de medida tão esdrúxula como essa”, argumentou.
Os ataques do governo não ficaram apenas no Judiciário. Ontem, o presidente Jair Bolsonaro acusou governadores e prefeitos de violarem direitos fundamentais ao adotarem medidas restritivas contra a pandemia. “É inconcebível os direitos que alguns governadores tiveram por parte do Supremo Tribunal Federal (STF). Nem (com) estado de sítio isso aconteceria no Brasil. Não estiquem a corda mais do que está esticada”, disse o chefe do Executivo.
Enquanto Bolsonaro atacava governadores, em uma lista enviada aos ministérios, a Casa Civil da Presidência da República elencou uma série de 23 eventuais crimes, omissões e críticas que podem ser imputadas ao governo por parte dos integrantes da CPI. O governo alega que são acusações “mentirosas” que têm como motivação “desacreditar” o Executivo.
O presidente da 1ª sessão da CPI do Covid-19, senador Otto Alencar (PSD-BA), avalia que o envio da lista não se justifica, pois as ações questionadas ocorreram publicamente. “As perguntas que o governo fez aos ministros, acho que era uma coisa totalmente desnecessária. Isso foi público. Os ministros vão responder o que fizeram. Mas as determinações fluem do presidente. O próprio (Marcelo) Queiroga disse que a política parte do presidente. Pazuello disse que um manda, o outro obedece. É muito óbvio”, avaliou Alencar. Apesar disso, Otto Alencar lembra que, por força de lei, não há como convocar Bolsonaro para depor. (Colaboraram Ingrid Soares e Augusto Fernandes)
Duelo no Senado
Pontos que a CPI investigará
» Propagandear tratamento sem eficácia comprovada contra o covid-19;
» Colocar um militar sem conhecimento técnico no ministério da Saúde;
» Atraso na compra de vacinas para imunizar a população;
» Falta de kit intubação para as UTIs de hospitais públicos;
» Falta de resposta antecipada à crise do oxigênio em Manaus (AM).
Reações do governo contra a CPI
» Entrar na Justiça para evitar a indicação de Renan Calheiros para relator;
» Tentar ampliar o escopo da CPI com investigações contra governadores e prefeitos;
» Pressionar a PGR para investigar governadores;
» Mobilização de aliados contra Renan Calheiros;
» Tentativa de intimidar o Senado e o Supremo Tribunal Federal.
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