CPI da Pandemia

Na CPI, Calheiros ataca Moro, Dallagnol e "verdugos negacionistas"

Relator da Comissão que investigará ações e omissões do governo federal na pandemia prometeu atuar com imparcialidade e despolitizar o tema. E ironizou os protestos de Flávio Bolsonaro: "É a primeira vez que ele se preocupa com aglomeração..."

Luiz Calcagno
Bruna Lima
postado em 27/04/2021 19:17
 (crédito: Edilson Rodrigues/Agência Senado )
(crédito: Edilson Rodrigues/Agência Senado )

A promessa é de fazer uma relatoria isenta e imparcial. Mas, no próprio discurso de posse como relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), o senador Renan Calheiros (MDB/AL) não perdeu a oportunidade de expor as próprias valorações e criticar nomes como o do ex-coordenador da força-tarefa da operação Lava-Jato, Deltan Dallagnol, e do ex-juiz Sergio Moro.

"Não somos discípulos nem de Deltan Dallagnol nem de Sergio Moro. Não arquitetaremos teses sem provas ou powerpoints contra quem quer que seja. Não desenharemos o alvo para depois disparar a flecha", disse Calheiros ao defender o próprio nome como relator da CPI.

Na contramão das críticas, o senador prometeu se pautar "pela isenção e imparcialidade que a função impõe". "Independentemente de minhas valorações pessoais, a investigação será técnica, profunda, focada no objeto que justificou a Comissão Parlamentar de Inquérito e despolitizada", afirmou. "Serei relator das minhas convicções, mas serei igualmente o redator do que aqui for apurado e comprovado. Nada além, nada aquém".

Militares na Saúde

Calheiros também aproveitou para fazer alusão à predileção de Bolsonaro em nomear militares para cargos de chefia. Segundo o parlamentar, militares devem ficar nos quartéis, enquanto os médicos atuam nos hospitais. A promessa foi tornar a CPI um "santuário da ciência contra o negacionismo”.

"O negacionismo em relação à pandemia ainda terá que ser investigado e provado. Mas o negacionismo em relação à CPI da Covid, já não resta a menor dúvida", disse Calheiros, afirmando que "os verdugos", que não servem para atuar em uma democracia, negaram, por todos os meios, a chance que os trabalhos fossem instaurados. "Agora tentaram negar que ela funcione com independência", criticou. Isso porque a própria indicação como relator da CPI foi levada à Justiça e ainda é alvo de questionamentos por parte da base do governo.

O próprio senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), na tentativa de se colocar contra a instauração dos trabalhos, se valeu do argumento de que as reuniões presenciais provocam aglomerações. Durante a sessão desta terça-feira (27/4) que marcou o início dos trabalhos do colegiado, o filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro ponderou que a instalação da CPI não deveria acontecer neste momento.

Ao comentar a fala de Flávio Bolsonaro ao final da reunião, Calheiros ironizou o posicionamento do '01'. "É a primeira vez que ele se preocupa com aglomeração... deve estar saindo do negacionismo", debochou o senador.


Leia a íntegra do discurso de Renan Calheiros 


Sr. Presidente desta Comissão Parlamentar de Inquérito, Sr. Vice-Presidente, Srs. Senadores, desejo inicialmente agradecer aos Senadores do meu partido, na pessoa do Líder Eduardo Braga, que me confiaram a tarefa no momento histórico mais grave e trágico da Nação brasileira. Quero agradecer ao querido amigo Omar Aziz, a quem devo a minha designação para relatar esta importantíssima Comissão; meu querido amigo Humberto Costa, grande Líder e excepcional Ministro da Saúde; Otto Alencar, querido amigo, que não se quedou, em nenhum momento, diante do despropósito de uma liminar de primeira instância que objetivava subtrair competência do Congresso Nacional e impedir o livre exercício do papel de cada Senador, inclusive com censura prévia; Tasso Jereissati, referência política, ética, moral, um dos maiores líderes da vida nacional e referência para todos nós nesses momentos de Comissão Parlamentar de Inquérito.

Estendo, evidentemente, a gratidão aos Senadores das demais legendas que subscreveram para que eu pudesse sistematizar uma caudalosa investigação que ora se inicia e que será, como todos sabem, árida e acidentada, mas exitosa, tenho certeza. Quero parabenizar também o Senador Randolfe Rodrigues pela iniciativa humanitária, agora, Vice-Presidente da Comissão. Faço ainda uma referência especial ao Supremo Tribunal Federal, que não tem faltado à Nação brasileira na defesa altiva da nossa Constituição terrivelmente democrática.

Eu quero também cumprimentar este amigo querido Ciro Nogueira, grande líder, amigo dileto. Para além de eventual qualquer divergência, eu sou amigo de muita gente aqui no Senado Federal, nesta Comissão também muito mais, mas nenhum é mais meu amigo quanto meu amigo é o Senador Ciro Nogueira. Quero cumprimentar o Marcos Rogério; o Marcos Do Val; o Eduardo Girão; o Jorginho; o Fernando Bezerra, esse amigo querido e dileto; o Alessandro Vieira – e eu já falarei aqui da importância fundamental das suas sugestões para que nós possamos iniciar esse trabalho.

Eu tenho certeza de que, para além de qualquer divergência inicial, o que nos compete é construir alianças para que esta Comissão de Inquérito possa caminhar cada vez mais com absoluta maioria construída em torno da busca da verdade. Esse é o propósito de todo mundo, como disse o Presidente Omar, haja o que houver.

Como Relator, eu me pautarei pela isenção e imparcialidade que a função impõe, e, independentemente de minhas valorações pessoais, a investigação será técnica, profunda, focada no objeto que justificou a Comissão Parlamentar de Inquérito, e despolitizada.

É impossível esquecer todos os dias fúnebres em mais de um ano de pandemia, mas é impossível apagar abril, o mês mais mortal, e apagar o dia 6 de abril, com uma morte a cada 20 segundos. Esses números superlativos merecem uma reflexão, merecem um momento, mesmo que seja de 20 segundos. Presidente, eu queria pedir a V. Exa. 20 segundos de silêncio para que com eles nós possamos homenagear aqueles que morreram por Covid no Brasil, as suas famílias, aqueles que estão acometidos da doença e aqueles que, lamentavelmente, ficaram sequelados.

Por isso, Srs. Senadores, Sras. Senadoras, nós estamos discutindo aqui o direito à vida, não se alguém é da direita ou da esquerda. Minhas opiniões ou impressões serão subordinadas aos fatos. Serei Relator das minhas convicções, mas serei igualmente o redator do que aqui for apurado e comprovado. Nada além, nada aquém. A CPI não é uma sigla de comissão parlamentar de inquisição; é de investigação. Nenhum expediente tenebroso das catacumbas do Santo Ofício será utilizado. A CPI, alojada em uma instituição secular e democrática, que é o Senado da República, tampouco será um cadafalso com sentenças prefixadas ou alvos selecionados.

Não somos discípulos nem de Deltan Dallagnol, nem de Sergio Moro; não arquitetaremos teses sem provas ou PowerPoints contra quem quer que seja. Não desenharemos o alvo para depois disparar a flecha. Não reeditaremos a República do Galeão. Agindo com imparcialidade, a partir de decisões coletivas, sem comichões monocráticos, ninguém arguirá nenhum tipo de suspeição no futuro desse trabalho.

Os verdugos são inservíveis ao Estado democrático de direito. Eles negaram apoio à Comissão Parlamentar de Inquérito. Negaram, por todos os meios, a chance de que ela fosse instaurada. Agora, tentaram negar que ela funcione com independência. O negacionismo em relação à pandemia ainda terá que ser investigado e provado, mas do negacionismo com relação à CPI da Covid já não resta a menor dúvida.

As CPIs vicejam quando os canais tradicionais de investigação se mostram obstruídos e isso é um ensinamento histórico. Aqui, em uma Casa de verdadeiros democratas, que convivem e respeitam a divergência diuturnamente, são respeitados o contraditório, o sagrado direito à defesa, a presunção da inocência e a paridade de armas, garantias civilizatórias que tanto foram negligenciadas nos últimos tempos no Brasil e que só contribuem para reprovável erosão das instituições.

Não estaremos – queria repetir – investigando nomes ou instituições, mas fatos e os responsáveis por eles. As gestões do Ministério da Saúde evidentemente podem ser apuradas, podem ser investigadas a fundo – ainda não é o caso –, mas não é o Exército Brasileiro que estará sob análise, instituição permanente de Estado cuja memória remete para os 454 mortos em combate na Segunda Guerra Mundial, com o universo de 25 mil pracinhas que foram para a Itália. Esse pequeno número de baixas reflete a liderança de um estrategista de guerra. Imaginem, Srs. Senadores, Sr. Presidente, um epidemiologista conduzindo nossas tropas lá em Monte Castello!

Na pandemia, o Ministério da Saúde foi entregue a um não especialista, a um general. O resultado fala por si só: no pior dia da Covid, em apenas quatro horas, o número de brasileiros mortos foi igual ao de todos que tombaram nos campos de batalha da Segunda Guerra Mundial. O que teria acontecido se tivéssemos enviado um infectologista para comandar nossas tropas? Provavelmente um morticínio, porque guerras se enfrentam com especialistas, sejam elas guerras bélicas ou guerras sanitárias. A diretriz é clara: militar nos quarteis e médicos na saúde! Quando se inverte, a morte é certa, e foi isso que lamentavelmente parece ter acontecido. Temos que explicar como, por que isso ocorreu.

Estaremos, aqui – e já me encaminho para encerrar –, para averiguar fatos e desprezar farsas. Para tanto, usaremos das instâncias técnicas do Estado, da Polícia Federal, do Ministério Público, do Tribunal de Contas da União, da Consultoria do Senado e outros organismos que se fizerem necessários. A Comissão será um santuário da ciência, do conhecimento e uma antítese diária e estridente ao obscurantismo negacionista e sepulcral, responsável por uma desoladora necrópole que se expande diante da incúria e do escárnio desumano. Essa será, Presidente Omar, a Comissão da celebração da vida, da afirmação, do conhecimento e, sobretudo, da sacralização da verdade contra o macabro, o oculto, a morte e contra o ódio. Os brasileiros têm o direito de voltar a viver em paz.

Ao contrário do que vociferavam os franquistas do início do século – abro aspas: “Viva a morte! Abaixo o conhecimento!”, fecho aspas –, estaremos aqui para proclamar, dia após dia, viva a ciência, glória ao conhecimento, respeito à vida! Tenham absoluta certeza de que este fórum – e anoto a qualificação e experiência aqui reunidas – será uma fonte permanente de reposição e resgate da verdade por sua capacidade intrinsecamente regeneradora.

Já seria muito importante nesta fase que nós andamos dar um basta à mentira, à mentira que lamentavelmente sufocou a sociedade brasileira durante esses últimos tempos. Entre a ciência e a crença, fico com a ciência. Entre a vida e a morte, a vida eternamente. Entre o conhecimento e o obscurantismo, óbvio, escolho o primeiro. Entre a luz e as trevas, a luminosidade. Entre a civilização e a barbárie, fico com a civilidade. E, entre a verdade e a mentira, lógico, a verdade sempre. São escolhas simples que opõem o bem ao mal, e creio que todos nesta Comissão convergem com relação a esse sentimento.

Nossa cruzada será contra a agenda da morte. Contrapor o caos social, a fome, o descalabro institucional, o morticínio, a ruína econômica, o negacionismo não é uma predileção ideológica ou filosófica; é uma obrigação democrática, moral e humana. Os inimigos desta relatoria são a pandemia e aqueles que, por ação ou omissão, incompetência, desídia ou malversação, se aliaram ao vírus e colaboraram de uma forma ou de outra com esse morticínio.

A discussão aqui, embora muitos anseiem deliberadamente rebaixá-la ou até mesmo embaçá-la, é muito mais abrangente. Esta não é apenas mais uma Comissão Parlamentar de Inquérito, como disse o Presidente Omar Aziz; no contexto histórico, humanitário e social, ela é a principal Comissão Parlamentar de Inquérito de todas as Comissões que aqui se formaram, porque estaremos tratando de vidas, do futuro e da esperança, estaremos proclamando, acima de tudo, valores civilizatórios. Em detrimento de achismos medievais, estaremos defendendo a vida, o conhecimento, a ciência, a civilização, as instituições, o SUS e a própria democracia.

Vamos dar um basta aos suplícios, à inépcia e aos infames. Não deixaremos de lembrar diariamente o tamanho da nossa tragédia que hoje já lembramos aqui. Os brasileiros estão morrendo em uma velocidade assustadora. Não temos tempo a perder com manobras regimentais, obstruções, diversionismo, politiquices e chicanas. Nossa missão é interromper esse cronômetro da morte ao qual me referi no início. Não estamos diante de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para maquinar as ações persecutórias. Não estamos aqui diante da atenção integral da Nação e do mundo para brindar ninguém, engavetar, tergiversar ou procrastinar.

Tudo será investigado, como exige a carta democrática, de maneira transparente, acessível; e as decisões, colegiadas, como sempre fiz nas quatro vezes em que tive a honra de presidir esta Casa. Fui forjado no movimento estudantil, libertário, crítico e democrático; respeito as instituições, o mecanismo de freios e contrapesos; venero a democracia; tenho repugnância ao fascismo; e antecipo que intimidações – e todos os dias nós as vemos –, sob qualquer modalidade e arreganhos, não nos deterão.

O maior mérito desta Comissão Parlamentar de Inquérito é existir. Está instalada e funcionando. O Brasil precisa de muita luz, e isso não é uma mera metáfora. O papel da Comissão é iluminar todos os compartimentos escuros no combate à pandemia. Só o seu espectro no horizonte já acelerou, nos últimos dias, uma série de providências administrativas que estavam congeladas em vários órgãos da República, ou mesmo sobrestadas, ou mesmo esquecidas.

O Brasil, infelizmente, é um dos piores países no enfrentamento da pandemia. Esta Comissão tem doravante a obrigação de esquadrinhar como e apontar os responsáveis pelo quadro sepulcral. O Parlamento não pode ser um mero espectador, não pode abdicar de exercer suas prerrogativas fiscalizadoras para colaborar com a solução ou o abrandamento do drama atual. Não podemos virar as costas para a Nação. Há uma ameaça real de virarmos um apartheid sanitário mundial. Ninguém nos quer por perto. Brasileiros são discriminados no mundo, e corremos o risco de boicote aos nossos produtos.

Não é admissível que, diante dessa tragédia, deixemos de apontar ao mundo internamente os responsáveis – e eles existem e transitam entre nós buscando uma invisibilidade ou terceirização impossíveis. Para identificá-los, nós vamos ouvir médicos, especialistas, epidemiologistas, infectologistas, cientistas, laboratórios, agentes públicos, representantes de organizações de saúde, conselhos de Medicina, enfim, elaborar um cronograma de oitivas, de diligências e de acesso a documentos que permitam diagnóstico técnico e realista desta realidade desoladora.

Não foi por acaso o flagelo divino que nos trouxe a esse quadro. Há responsáveis, evidentemente; há culpados por ação, omissão, desídia ou incompetência; e eles, em se comprovando, serão responsabilizados. Essa será a resposta para nos conectarmos com o Planeta. Os crimes contra a humanidade não prescrevem jamais e são transnacionais – Miloevic, Augusto Pinochet são exemplos da história. Façamos a nossa parte.

Quero, encerrando, Sr. Presidente, Srs. Senadores, expressar, em meu nome e em nome do Senado da República, se me permitem, nossos sentimentos mais profundos nessa solidariedade mais sincera a todas as vítimas que perderam entes queridos nesta pandemia.

Não conseguiremos enxugar as lágrimas que foram e ainda serão vertidas. Não teremos como consolar todos, fechar a cicatriz eterna da perda do ente querido. Não recuperaremos vidas ceifadas. Podemos preservar vidas e temos a obrigação de fazer justiça, de apontar, com responsabilidade, equilíbrio e provas, os culpados por esta hecatombe. Quem fez e faz o certo não pode ser equiparado a quem errou. O erro não é atenuante; é a própria tradução da morte. O País tem o direito de saber quem contribuiu para os milhares de mortes, e eles devem ser punidos imediatamente e emblematicamente.

Nesta relatoria está um Senador vivido, ex-Ministro da Justiça, quatro vezes Presidente do Senado e Líder da nossa bancada – cargo hoje honrosamente exercido pelo nosso querido amigo Eduardo Braga – em algumas oportunidades. Já vivi adversidades, mas, como todos sabem e me conhecem, não eternizo a mágoa. Tenho a perfeita noção do que o abuso de autoridade pode causar. Podem esperar um trabalho isento, objetivo, técnico, desapaixonado, destemido e colegiado – tudo neste Comissão será aprovado por este Plenário e será, antes de qualquer coisa, discutido pormenorizadamente com todos vocês –, sem medo de absolver quem merecê-lo e sem hesitação para imputar quem é responsável.

Minhas premissas são as constitucionais, a competência desta Comissão para apurar os fatos determinados, a imparcialidade e a existência de prova. Essa é uma tragédia que – tenho absoluta convicção, Presidente Omar – poderia ter sido atenuada com atitudes corretas, tempestivas, responsáveis e humanitárias. Vidas negras importam, vidas brancas importam, vidas pardas importam, vidas amarelas importam, vidas mestiças importam. Vidas, todas elas importam. A vida é o bem supremo da humanidade, dádiva divina.

Em nome de Deus, origem da vida, peço que nos ilumine nesta tarefa de resgate e da valorização da vida e da liberdade.

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