Análise

Militares foram 'sábios' ao escolher Constituição em vez de Bolsonaro, diz Financial Times

Fundado em 1888, o Financial Times é um dos jornais mais tradicionais do Reino Unido. O diário é conhecido por estar entre as principais leituras de líderes mundiais e por embasar debates políticos e econômicos em todo o mundo


A saída do comando máximo das Forças Armadas do governo Bolsonaro na semana passada é "motivo de comemoração", destacou o jornal britânico Financial Times em editorial publicado na segunda-feira (5/4).

"Entre a lealdade a um presidente errático e imprevisível que desprezou abertamente o Congresso e os tribunais ou jurar fidelidade à Constituição do Brasil, eles sabiamente escolheram a última opção", decretou o jornal econômico.

Fundado em 1888, o Financial Times é um dos jornais mais tradicionais do Reino Unido. O diário é conhecido por estar entre as principais leituras de líderes mundiais e por embasar debates políticos e econômicos em todo o mundo.

Na semana passada, a troca de seis ministros do governo Bolsonaro, incluindo o da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, foi seguida pela entrega de cargos, em conjunto, dos líderes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

A crise sem precedentes nas Forças Armadas foi detonada às vésperas do aniversário do golpe militar de 1964.

Foi a primeira vez que os três comandantes das Forças Armadas deixaram seus cargos ao mesmo tempo por discordância com o presidente da República.

Bolsonaro estaria irritado com a falta de apoio das Forças Armadas a bandeiras do governo. Por outro lado, a liderança militar estaria insatisfeita com a a condução do governo federal no combate à pandemia.

Para o Financial Times, os comandantes deram um "impulso à democracia" ao permanecerem "leais à Constituição".

O jornal destacou a "grave crise sanitária" gerada pelo presidente Bolsonaro ao minimizar a importância da pandemia, "resistindo ao uso de máscaras, zombando da vacinação e recusando-se a implementar lockdowns".

Em sua carta de demissão da pasta da Defesa, o general da reserva Fernando Azevedo e Silva disse ter preservado "as Forças Armadas como instituições de Estado" - algo também ressaltado pelo editorial do jornal inglês.

A fala foi vista como uma crítica às tentativas de Bolsonaro de "politizar" os quartéis.

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Apesar de três generais e um ministro terem deixado seus postos, estima-se que 6 mil militares tenham cargos em diferentes áreas do governo Bolsonaro

Essa debandada seria um "compromisso dos chefes das Forças Armadas com a 'institucionalidade'", segundo o jornal.

Ao lado dos militares, o Financial Times também destaca o Supremo Tribunal Federal (STF) e sua "firmeza louvável" em resistir às tentativas de Bolsonaro de assumir poderes em situações de emergência ou de vetar lockdowns impostos por autoridades locais, e o Congresso, que teria assumido a postura de "sinal amarelo", exigindo uma mudança de curso de Bolsonaro sob risco de impeachment.

Militares no governo Bolsonaro

O editorial desta segunda-feira foi publicado dois dias depois de o mesmo jornal publicar outro editorial apontando que o presidente Jair Bolsonaro estaria "está mais isolado do que nunca".

Sob o título "O pesadelo de coronavírus do Brasil: Bolsonaro está mais isolado do que nunca", o texto destacava que "a mudança aprofundou a crise política sobre a oposição teimosa de Bolsonaro aos bloqueios e as ameaças do ex-capitão do Exército de usar os militares contra as autoridades locais que tentaram impô-lo".

A visão publicada na segunda (05/04) pelo Financial Times sobre postura das Forças Armadas não vai de encontro à interpretação de alguns analistas brasileiros, contudo.

Apesar de três generais e um ministro terem deixado seus postos, estima-se que 6 mil militares tenham cargos em diferentes áreas do governo Bolsonaro, como a vice-presidência, cadeiras em ministérios e chefia de empresas estatais.

O próprio editorial do jornal inglês diz que as Forças Armadas foram cortejadas por Bolsonaro "com centenas de cargos no governo, bem como aumentos generosos nos gastos militares".

Durante dez meses, ou na maior parte da pandemia, o general da ativa Eduardo Pazuello esteve à frente do Ministério da Saúde em uma gestão que foi duramente criticada no Brasil. Pazuello estimulou o uso de medicamentos sem eficácia comprovada e está sendo investigado por omissão durante a escassez de oxigênio hospitalar em Manaus em janeiro deste ano.

Quando deixou a pasta, o Brasil contava 270 mil mortos por covid-19.

"A troca nas Forças Armadas demonstra um distanciamento desses generais com o governo, mas não é uma crise. O apoio e participação dos militares continuam, eles escolheram fazer parte desse jogo, escolheram participar do governo e deram um aval a Bolsonaro. Vivemos um momento muito preocupante em relação à democracia", disse na semana passada à BBC News Brasil o professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Juliano Cortinhas.

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Então comandante do Exército, Pujol disse que pandemia 'talvez seja a missão mais importante de nossa geração'

Por outro lado, a saída dos comandantes das Forças Armadas do governo Bolsonaro mostra ao menos uma discordância pontual. O ex-comandante do Exército Edson Pujol, por exemplo, era crítico à postura do presidente em relação à pandemia.

No ano passado, quando o presidente tentou cumprimentar o general com um aperto de mão, Pujol ofereceu o cotovelo (cumprimento adotado por muitas pessoas na pandemia para evitar a contaminação por covid-19).

Pujol também havia afirmado no ano passado que o papel dos militares não é se envolver em política.

"Não queremos fazer parte da política, muito menos deixar ela entrar nos quartéis", disse Pujol em um evento online.

'Auto-golpe' e tese de fraude

"Muito ainda pode dar errado", diz o editorial do Financial Times, destacando como Bolsonaro, "abertamente fã da ditadura brasileira de 1964 a 1985, apareceu no ano passado em manifestações pedindo o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal".

"Isso despertou temores de que ele pudesse estar flertando com a ideia de suspender a democracia e governar por decreto com o apoio das Forças Armadas, como Alberto Fujimori fez no Peru em seu 'autogolpe' de 1992."

O jornal também menciona as eleições brasileiras de 2022, em que Bolsonaro possivelmente concorrerá com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e faz um alerta: "se derrotado, Bolsonaro pode tentar uma reivindicação Trumpiana de uma 'eleição roubada' e reunir seus partidários, incluindo tropas e policiais, para um ataque como o feito no Capitólio americano em Brasília".

Para o jornal britânico, Bolsonaro "demonstrou repetidamente pouca consideração pela democracia e pela vida de seus conterrâneos".

"À medida que sua popularidade diminui e suas perspectivas de reeleição diminuem, aumenta o risco de ele apostar em um desafio aberto à democracia."

"Em um ambiente tão febril", o compromisso dos comandantes militares, do Congresso e do Judiciário em defender a democracia brasileira neste "é um sinal vital e positivo", finaliza o jornal.


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