CPI DA COVID

CPI pretende avaliar os passeios de Bolsonaro pelo DF na pandemia

Intenção da comissão parlamentar é verificar se o comportamento do presidente contra as medidas de isolamento tem relação com o agravamento da pandemia do novo coronavírus. Chefe do Executivo circula e causa aglomerações desde o início da crise sanitária

Bruna Lima
Jorge Vasconcellos
Renato Souza
postado em 01/05/2021 06:00
Bolsonaro e Ramos já saíram para um passeio de moto pelas regiões do DF e tomaram café longe do Alvorada -  (crédito: GABRIELA BILO)
Bolsonaro e Ramos já saíram para um passeio de moto pelas regiões do DF e tomaram café longe do Alvorada - (crédito: GABRIELA BILO)

Na primeira fase de uma série de ações que vai investigar a atuação do presidente Jair Bolsonaro na pandemia do novo coronavírus, a CPI da Covid pretende mapear os passos do chefe do Executivo pelo Distrito Federal. Enquanto cientistas, médicos e entidades globais pediam restrição na circulação de pessoas e distanciamento social, o mandatário percorria a capital do país, provocava aglomerações e violava orientações sanitárias. As atitudes visavam confrontar governadores e prefeitos que adotaram medidas para contenção do vírus.

No início da pandemia, em março de 2020, enquanto o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, enfatizava a orientação de não sair de casa sem necessidade, Bolsonaro convocava a população a comparecer às ruas para defender o governo. Às vésperas da manifestação de 15 de março, que levou milhões às ruas nos estados e no DF, o presidente usou as redes sociais para estimular a participação dos apoiadores. No dia do ato, desceu a rampa do Planalto para, sem máscara, cumprimentar os eleitores e tirar selfies. Ele tinha acabado de voltar de uma viagem aos Estados Unidos, em que metade da comitiva terminou infectada pelo vírus, mas Bolsonaro, mesmo contactante, desrespeitou a orientação de isolamento.

Na contramão do que pregava o presidente, estados e municípios adotavam ações restritivas contra a covid-19, o que irritava o chefe do Planalto. “Há certos governadores que estão tomando medidas extremas, que não competem a eles, como fechar aeroportos, rodovias, shoppings e feiras”, disse, ao anunciar uma medida provisória para conter as iniciativas dos gestores. O caso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), que deu autonomia aos entes federativos para agir contra a doença, mas sem tirar a responsabilidade da União no enfrentamento do vírus.

Para marcar posição, Bolsonaro continuou saindo às ruas e mantendo contato direto com apoiadores. Só nos dois primeiros meses de combate à covid-19, quando a orientação já era por isolamento, ele fez mais de 60 aparições que culminaram em aglomerações. As cenas se repetiram em julho, auge da primeira onda da pandemia.

Em 26 de dezembro, quando o país enfrentava situação dramática, Bolsonaro passeava novamente pela capital do país. No Sudoeste, bairro nobre de Brasília, provocou aglomeração, circulou sem máscara e pegou crianças no colo. Duas semanas depois, começava o drama de Manaus, que enfrentou a crise da falta de oxigênio nos hospitais e postos de saúde, resultando na morte de dezenas de pessoas.

Não demorou para que o problema chegasse a outros estados, como São Paulo e Minas Gerais. Alvo de protestos e panelaços, Bolsonaro, mesmo assim, saiu às ruas sem máscara em 24 de janeiro. A aparição mais recente foi na semana passada, quando esteve em Ceilândia e visitou a feira da cidade, local de maior concentração de pessoas na região administrativa mais populosa do DF.

Responsabilidade

As saídas de Bolsonaro são alvo de requerimento aprovado pelos senadores da CPI. O pedido foi feito por Eduardo Girão (Podemos-CE), aliado do governo. Ele sugeriu que sejam requisitados registros dos deslocamentos do presidente pelo comércio do DF e Entorno desde 1º de março do ano passado. A ideia é verificar se o comportamento contra as medidas de isolamento, de fato, tem relação com o agravamento da pandemia.

Na avaliação de Walter Cintra, gestor de saúde pública e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), a conclusão é óbvia. “As ações diretas e indiretas de Bolsonaro são responsáveis pela morte de centenas de milhares de brasileiros”, opinou. Além do comportamento que provocou “dúvida na população, prejudicando a aderência às medidas de proteção”, Cintra mencionou a defesa de medicamentos sem eficácia comprovada e a politização da vacina.

“Bolsonaro agiu diretamente para promover compra e distribuição de medicamentos que não só não tratam a covid, como também causam reações adversas e, inclusive, morte de pacientes”, destacou.
Acácio Miranda da Silva, mestre em direito penal internacional pela Universidade de Granada, na Espanha, afirmou que a conduta de Bolsonaro pode tanto ser tipificada penalmente quanto como crime de responsabilidade. “É possível correlacionar com o crime que está previsto no artigo 268 do Código Penal de propagar vermes ou doenças patogênicas: sair sem máscara, gerar aglomeração”, frisou. “Mas, se tratando do presidente da República, também é possível pensar em eventual crime de responsabilidade.”

Quatro perguntas para:

Marcos Rogério, vice-líder do governo no Senado e titular da CPI da Covid

Representante da tropa de choque do Planalto na CPI da Covid e vice-líder do governo na Casa, o senador Marcos Rogério (DEM-RO) ficou contrariado com a primeira lista de convocados a depor no colegiado. Em entrevista ao Correio, o parlamentar reclama do fato de terem sido aprovados, na reunião de quinta-feira (29/4), apenas requerimentos que pediam depoimentos de pessoas ligadas ao Executivo, entre as quais o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e o atual ocupante no cargo, Marcelo Queiroga. Para o parlamentar, apesar de a base governista ser minoria na CPI, suas reivindicações também precisam ser ouvidas.

Qual é a sua avaliação sobre os equerimentos aprovados no plano de trabalho da CPI?
Apenas pessoas ligadas ao governo serão convocadas para a primeira rodada de depoimentos. Essa constatação já indica a seletividade da investigação. Na reunião em que votamos os requerimentos, fiz um apelo ao presidente, e vou insistir nele na próxima semana, de que a gente aprove outros requerimentos para termos uma dinâmica de trabalho considerando as vozes dos dois lados. Que haja um trabalho equilibrado, no qual os dois lados sejam ouvidos, e não apenas aqueles que são contra o governo. Trata-se de uma conspiração orquestrada contra o governo.

O que fazer agora que o Supremo rejeitou o pedido para excluir o relator, Renan Calheiros, da CPI?
A falta de isenção do relator já ficou demonstrada nas primeiras reuniões. É lamentável que o STF seja tão contraditório quanto ao que cabe ou não intervenção judicial. Mas o fato não vai mudar minha atuação. Eu vou continuar atuando de forma diligente e muito observadora. Agora, é trabalhar para que a investigação seja plural e não focada apenas no que quer o relator da CPI. Calheiros diz que seria o relator dos fatos, mas me parece que ele quer escolher os fatos a serem investigados. Isso, nós não vamos aceitar.

Na sua opinião, há um movimento para atingir o governo federal?
O que me parece é que há um direcionamento muito claro, focado no presidente Bolsonaro. Eu sou a favor da investigação, mas que seja ampla, focada na busca de conhecer os fatos, a realidade e mostrar à sociedade a verdade acerca desses fatos. Isso não está apenas na esfera do governo federal, tem de buscar o que aconteceu também no campo do dinheiro que saiu do governo federal, mas que não chegou aos estados e municípios.

Para o senhor, que temas devem ter prioridade nas investigações da CPI?
Tudo o que estiver relacionado ao combate à pandemia de Brasília a todos estados. Que lógica tem investigar uma pandemia, uma doença causada por um vírus desconhecido, que é um desafio para a ciência e para todo o mundo, focado em uma pessoa, num governante, no caso, o presidente da República? O Brasil sabe que isso não é sério, que não é o caminho correto. O resto é paixão política e antecipação de disputa eleitoral. Acho que o melhor caminho é fazer uma investigação apartada da disputa eleitoral.

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