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Entidades reagem a vetos de Bolsonaro na nova lei de licitações

Entidades ligadas a veículos de comunicação contestam motivos apresentados pelo presidente para barrar divulgação, em mídias impressas, das informações sobre licitações públicas. Elas pedem ao Congresso que derrube a proibição

Augusto Fernandes
Guilherme Peixoto
postado em 03/05/2021 06:00
 (crédito: Waldemir Barreto/ agência Senado)
(crédito: Waldemir Barreto/ agência Senado)

O Congresso deve analisar, a partir de amanhã, uma série de vetos instituídos pelo presidente Jair Bolsonaro a propostas aprovadas pelos parlamentares. Alguns deles fazem parte da nova lei de licitações e contratos administrativos. Ao sancionar parcialmente a matéria, no início de março, o mandatário se colocou contra dois dispositivos que determinam que União, estados e municípios precisam publicar em veículos da imprensa oficial e comercial os extratos de edital de licitação das suas contratações.

Com os vetos, todas as informações sobre o assunto serão concentradas em um site público ainda não existente, o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP). “A determinação de publicação em jornal de grande circulação contraria o interesse público por ser uma medida desnecessária e antieconômica, tendo em vista que a divulgação em ‘sítio eletrônico oficial’ atende ao princípio constitucional da publicidade”, justificou Bolsonaro, ao apresentar as suas razões para os vetos. Ainda segundo o presidente, com a criação do PNCP, ficará garantido o princípio da publicidade dos atos relativos às contratações públicas.

Entidades ligadas à imprensa contestam os motivos apresentados pelo mandatário para barrar a divulgação em jornais impressos das informações relacionadas a licitações públicas e apelam ao Congresso para que os vetos sejam derrubados. “Além de violarem o dever de transparência, os vetos podem representar o fechamento de grande parte dos jornais municipais e regionais, gerando desemprego em toda uma cadeia de serviço”, ponderou o presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Paulo Jeronimo.

Diretor-executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Ricardo Pedreira acrescentou que, independentemente da criação do PNCP, os governos precisam dar publicidade às suas contratações em todos os meios de comunicação possíveis. Além disso, ele teme que o site que concentrará todas as informações relacionadas a licitações públicas dos três níveis da Federação e dos Três Poderes da República fique sobrecarregado e vulnerável à ação de hackers.

“Não publicar os editais de licitação pública nos jornais é uma iniciativa de obscurantismo, de tornar opaco esse ambiente de uso público. Isso é a última coisa que se quer. Divulgar na mídia impressa é uma questão de evitar fraudes, de garantir que todo mundo tenha conhecimento sobre os atos do governo, sobretudo o cidadão da cidade pequena. Esperamos que os parlamentares defendam essa transparência e se coloquem do lado do que já haviam aprovado”, comentou Pedreira.

“O poder público vai deixar de dar lisura ao processo de contratação. Ele precisa fazer com que a informação chegue ao maior número de pessoas que vivem em uma cidade ou em um estado”, reforçou o presidente da Associação de Jornais do Interior do Brasil (Adjori), José Roberto Deschamps. “A ausência dessa publicação vai comprometer a transparência do ato governamental e pode dar margem para interpretação de mau uso do dinheiro público.”

Parlamento
No Congresso, uma das vozes contrárias ao veto de Bolsonaro à publicação de editais em jornais de grande circulação é o senador Antonio Anastasia (PSD-MG), relator do projeto que deu origem à nova versão da Lei de Licitações. Em seu parecer, ele manteve a necessidade da presença dos documentos em veículos impressos. O parlamentar assegurou a posição mesmo após a rejeição imposta pelo chefe do Planalto. “Continuarei a defender essa proposta porque acredito na sua relevância para maior transparência dos processos licitatórios, tão importante, especialmente nos dias de hoje”, disse.

Outros representantes de Minas Gerais em Brasília garantiram votar contrariamente ao veto. O deputado Mário Heringer (PDT) afirmou não ter se surpreendido com a medida presidencial e disse crer que o ato foi pensado para provocar veículos de comunicação. “Bolsonaro tem uma perseguição a órgãos de imprensa e informação, principalmente aos sérios, pois gosta muito de fake news. Para mim, é pura retaliação e mais do mesmo do estilo dele: ‘Não vou deixar que a sociedade gaste dinheiro em jornais’. Ele é um sujeito vingativo. A cabeça dele funciona desse jeito”, criticou.

O deputado Júlio Delgado (PSB) tem opinião semelhante. Ele acredita que disponibilizar documentos públicos em veículos impressos aumenta a clareza. “Tudo aquilo que amplia a transparência tem de ser mantido. O fato de um edital estar em site oficial, divulgando, por hoje haver muito mais gente consultando sites que, efetivamente, jornais impressos, não impede que tenhamos qualquer coisa publicada nos jornais impressos”, pontuou.

Heringer e Delgado, contudo, têm visões distintas quanto à possibilidade de derrubada do veto. Para o pedetista, é possível articular formas de barrar a decisão de Bolsonaro. “Temos condição, se as pessoas quiserem, de fazer bom enfrentamento para que isso não se repita.” O socialista, entretanto, fez menção à ampla base governista no Parlamento. “Vou trabalhar para que seja derrubado, mas a gente sabe que o presidente tem uma base forte na Casa. Meu voto será para derrubar o veto. Em Minas ou em qualquer lugar, a transparência está acima de tudo”, ressaltou. A reportagem apurou a existência de congressistas governistas que, sob reservas, fizeram críticas ao veto.

“Bolsonaro tem uma perseguição a órgãos de imprensa e informação, principalmente os sérios, pois gosta muito de fake news. Para mim, é pura retaliação”

Mário Heringer, deputado

 

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Avaliações estão pendentes

Além da avaliação do veto que impacta jornais impressos, deputados e senadores precisarão decidir sobre outros que estão há mais de 30 dias pendentes de análise pelo Legislativo, como o que concede auxílio emergencial a mulher provedora de família monoparental, cujo projeto foi rejeitado por Bolsonaro em julho do ano passado.

Outros oito vetos já ultrapassaram o prazo regimental para serem deliberados. Em situações normais, a pauta de votações do Congresso estaria travada até que deputados e senadores decidissem sobre a manutenção ou derrubada dos vetos. Apesar disso, a agenda das duas Casas segue funcionando normalmente, pois, devido à pandemia, os parlamentares não estão se reunindo em sessão conjunta para a análise dos vetos, mas em sessões remotas separadas, com as votações ocorrendo primeiro na Câmara e depois, no Senado. Segundo a Secretaria-Geral da Mesa do Senado, essas reuniões não se caracterizam como conjuntas e, por isso, não têm a pauta trancada por vetos com prazo de votação vencido.

Mesmo assim, os congressistas querem superar as propostas que estão em atraso para poder analisar com mais calma os dispositivos vetados por Bolsonaro ao Orçamento de 2021. O mandatário não sancionou 853 trechos da peça orçamentária. Houve cortes de R$ 11,9 bilhões em emendas parlamentares e de R$ 7,9 bilhões em despesas discricionárias para o cumprimento da regra do teto de gastos.

Entre os vetos mais antigos que carecem de análise por deputados e senadores há alguns relacionados à aquisição de imunizantes contra a covid-19. Um deles estabelece prazo de cinco dias para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) conceder autorização temporária de uso emergencial para importação e distribuição de vacinas no Brasil.

Outra matéria vetada por Bolsonaro é a que concede autorização para estados e municípios adquirirem doses de imunizantes contra o novo coronavírus em caráter suplementar, com recursos da União, se o governo federal descumprir o que estabeleceu no Plano Nacional de Imunização (PNI).

O mandatário ainda vetou por completo um projeto que dispõe sobre garantia de acesso à internet, com fins educacionais, a alunos e a professores da educação básica pública. Entre as justificativas, ele disse que barrou a proposta por “não apresentar a estimativa do respectivo impacto orçamentário e financeiro” e por “aumentar a alta rigidez do Orçamento, o que dificulta o cumprimento da meta fiscal e da Regra de Ouro”. (AF e GP)

Compasso de espera
Veja os projetos vetados por Bolsonaro e que já venceram o prazo de 30 dias
1. Auxílio emergencial à mulher provedora de família monoparental (total)
2. Programa de Acompanhamento e Transparência Fiscal e Plano de Promoção do Equilíbrio Fiscal (parcial)
3. Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais
4. Outorgas no setor elétrico (parcial)
5. Autorização ao Poder Executivo federal para aderir ao Covax Facility e estabelece diretrizes para a imunização da população (parcial)
6. Regras sobre a responsabilidade civil relativa a eventos adversos pós-vacinação contra a covid-19 e sobre a aquisição e distribuição de vacinas por pessoas jurídicas de direito privado (parcial)
7. Acesso à internet na educação básica (total)
8. Regras e instrumentos para o Governo Digital (parcial)
9. Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (parcial)

Covas se licencia do cargo

O prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), decidiu, ontem, se licenciar do cargo por 30 dias. Ele enfrenta um câncer no sistema digestivo, que se espalhou por fígado e ossos. Com o afastamento, o vice-prefeito, Ricardo Nunes (MDB), assume a função.

Covas estava internado até a semana passada, devido a um acúmulo de líquidos ao redor do pulmão e no abdômen, decorrente da inflamação causada pelo tumor no fígado.

Em nota, ele comentou a decisão. “Assumi um compromisso com a cidade e sua população e tenho sido o mais transparente possível com a situação da minha saúde e com as etapas do meu tratamento”, frisou. “Diante dos novos focos da doença, meu corpo está exigindo que eu dedique mais tempo ao tratamento, que entra em fase mais rigorosa. Com toda a força e foco que preciso colocar na minha saúde, fica incompatível o exercício responsável de minhas funções como prefeito de São Paulo”, justificou.


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