CORONAVÍRUS

Confira ponto a ponto do depoimento de Mandetta à CPI da Covid

Em depoimento à CPI da Covid, Mandetta diz que presidente se orientava por conselhos de grupos que iam contra recomendações do Ministério da Saúde e que alertou o mandatário sobre a gravidade da pandemia. Ele também critica Guedes: "Desonesto intelectualmente"

Luiz Calcagno
Bruna Lima
Renato Souza
postado em 05/05/2021 06:00
 (crédito: Edilson Rodrigues/ Agência Senado)
(crédito: Edilson Rodrigues/ Agência Senado)

Em mais de sete horas de depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta detalhou procedimentos que adotou contra a pandemia e acusou o governo de investir em práticas anticientíficas no enfrentamento da crise sanitária. O ex-titular da pasta revelou a existência de uma “assessoria paralela” de aconselhamento do presidente Jair Bolsonaro e disse que o filho 02 do chefe do Planalto, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), costumava participar de reuniões ministeriais no Palácio do Planalto.

“Testemunhei várias vezes reunião de ministros em que o filho do presidente, que é vereador do Rio de Janeiro, estava sentado atrás dele tomando notas. Eles tinham reuniões dentro da Presidência”, frisou. Num desses encontros, conforme Mandetta, havia um ofício recomendando que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) alterasse a bula da cloroquina para especificar que o medicamento tratava a covid-19.

“Ele (Bolsonaro) tinha um assessoramento paralelo. Havia sobre a mesa um papel não timbrado de um decreto presidencial para que fosse sugerido, naquela reunião, mudar a bula da cloroquina na Anvisa, para que na bula tivesse a indicação do medicamento para o coronavírus. O presidente da Anvisa (Antonio Barra Torres) disse que não”, contou. O ex-ministro afirmou, ainda, que o chefe do Planalto se encontrava com pessoas que não integravam o governo, entre eles, médicos que faziam recomendações sobre enfrentamento à doença.

Questionado se Bolsonaro foi alertado, direta e objetivamente, em reuniões presenciais e por meio de documentos por escrito que a conduta adotada pelo mandatário, de minimizar o efeito do vírus, poderia levar o Brasil a uma catástrofe, Mandetta respondeu: “Todos os ministros participavam, às terças-feiras, de reuniões específicas sobre isso. Além de eu ter entregue uma carta em mãos ao presidente”, disse. No documento, que foi levado pelo depoente aos parlamentares, está o pedido expresso para uma mudança de postura por parte de Bolsonaro, que fosse alinhada com as orientações científicas sobre a doença, “uma vez que a adoção de medidas em sentido contrário poderá gerar colapso do sistema de saúde e gravíssimas consequências à saúde da população”.

De acordo com Mandetta, tal dubiedade de recomendações confundiu a população, dificultando a condução da pandemia. Enquanto o Ministério da Saúde queria instituir uma campanha publicitária recomendando o uso de máscaras e o distanciamento social e alertando sobre a gravidade do vírus, Bolsonaro propunha uma propaganda que emitisse a ideia de que o Brasil ia vencer o vírus. “Uma mensagem mais ufanista (…). O que me restava era usar a tradição oral, verbal, para fazer chegar à ponta a mensagem limpa para que (os municípios) pudessem construir a linha de defesa”, completou o ex-ministro.

Economia

Além de críticas a Bolsonaro, Mandetta disparou contra o ministro da Economia, Paulo Guedes, classificado por ele como “desonesto intelectualmente, uma coisa pequena, um homem pequeno para estar onde está”. Para o ex-titular da Saúde, Guedes e Bolsonaro fizeram escolhas que levaram ao aprofundamento da pandemia. Na avaliação dele, os dois optaram por priorizar a economia no combate à covid-19, mesmo com informações sobre o número provável de mortos e sobre o momento em que ocorreria uma segunda onda. Mandetta disse, ainda, que Guedes pode ter induzido ao erro até mesmo empresários e operadores do mercado.

O ex-ministro disse que Guedes não respondia seus telefonemas nem recados e parecia descolado da realidade no que diz respeito à gravidade do coronavírus. “O distanciamento da equipe econômica era real. Não posso negar. Eu dialogava com o segundo escalão sobre algumas questões, mas, entre ministros, telefonemas, recados para conversar com ministros não eram respondidos”, relatou.

“Em algumas reuniões no ambiente de gabinete de ministros, havia uma visão muito menor da gravidade. Eu dizia que a crise ia longe, e o ministro falava que o Brasil cresceria 2,5%, mas que, com a covid, cairia para 2%. Eu disse que não estavam compreendendo o tamanho da confusão”, recordou.

Para Mandetta, Bolsonaro e Guedes pareciam apostar em um efeito de rebanho que acabaria em setembro ou outubro de 2020, e isso teria induzido o governo a aceitar o auxílio emergencial de R$ 600, acreditando que, em quatro meses, não seria mais necessário um socorro aos vulneráveis. Leia abaixo os principais tópicos abordados na comissão e as respostas do ex-ministro.

“Festival de mentiras”

Pelas redes sociais, Carlos Bolsonaro rebateu Mandetta, classificando como inverídicas as declarações do ex-ministro. “Festival de mentiras. Circo boçal de narrativas. Se a lei valesse de verdade, um sujeito que se preza mentir descaradamente onde a lei diz que não deveria, sair preso desse local era o esperado em um país sério. Mas vivemos no Brasil, onde tudo acontece ao contrário”, escreveu.

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