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China repudia politização

Insinuação de que novo coronavírus seria elemento de uma guerra biológica que vem sendo travada pelo país asiático volta a criar mal-estar com Pequim. Presidente do Instituto Butantan alerta que, por isso, pode faltar IFA para produzir mais imunizantes

» Renato Souza
postado em 06/05/2021 23:42
 (crédito: Nelson Almeida/AFP)
(crédito: Nelson Almeida/AFP)

As críticas do presidente Jair Bolsonaro, que insinuou que a China poderia ter criado o novo coronavírus em laboratório como arma de uma guerra biológica — que visaria impactar a economia mundial e favorecer apenas a daquele país —, geraram reações de autoridades de Pequim e podem travar o envio de insumos para produção de vacinas contra a covid-19 no Brasil. O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, reduziu a expectativa de produção de novos imunizantes nas próximas semanas em razão do recrudescimento da tensão diplomática provocada pelo governo brasileiro. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês, Wang Wenbin, reagiu dizendo que “se opõe a qualquer tentativa de politizar ou estigmatizar o vírus”.


A indisposição gerada pelas declarações de Bolsonaro veio num momento em que metade das capitais brasileiras registram falta de doses da CoronaVac, produzida pelo Butantan, para aplicar a injeção de reforço nos grupos prioritários. Ao ser questionado sobre as declarações do presidente, Wang disse que o vírus é “um inimigo comum da Humanidade” e evitou citar o nome de Bolsonaro.


“A tarefa urgente de agora é todos os países se juntarem em uma cooperação antiepidemia e em um esforço para uma vitória antecipada e completa sobre a pandemia. Nós nos opomos firmemente a qualquer tentativa de politizar e estigmatizar o vírus”, destacou.


O presidente classificou o novo coronavírus como um vetor de uma suposta guerra biológica para que a China obtivesse vantagens diante do enfraquecimento da economia das demais nações do planeta. “É um vírus novo, ninguém sabe se nasceu em laboratório ou nasceu porque um ser humano ingeriu um animal inadequado. Mas está aí. Os militares sabem o que é guerra química, bacteriológica e radiológica. Será que não estamos enfrentando uma nova guerra? Qual o país que mais cresceu seu PIB? Não vou dizer para vocês”, disse Bolsonaro, referindo-se à China.
Má repercussão

Dimas Covas afirmou que as declarações repercutiram mal em Pequim e que resultaram em lentidão no envio do Insumo Farmacêutico Ativo (IFA), além de autorizações da exportação de menor quantidade do material para a produção de doses. Ele destacou, ainda, que o país pode ficar sem doses da CoronaVac a partir do dia 15.


“Existe dificuldade. Há uma burocracia mais lenta e há autorizações reduzidas de volumes (do IFA). Essas declarações têm impacto e ficamos à mercê. Não vamos ter, de fato, condições de entregar. Pode faltar? Pode faltar. E temos que debitar isso, principalmente do governo federal, que tem remado contra”, acusou. A expectativa é de que o primeiro lote com 46 milhões da CoronaVac seja entregue até o próximo dia 12, e outras 54 milhões de doses até 30 de agosto.


Procurada pelo Correio para comentar as declarações de Bolsonaro, a Embaixada da China informou que “já fez a gestão do assunto junto à parte brasileira”. Sobre o eventual atraso do envio de IFA e redução na quantidade do insumo ao Brasil, a representação diplomática não se manifestou.

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Ironia racista com apoiador

O presidente Jair Bolsonaro teceu comentários de cunho racista sobre o estilo de cabelo de um dos apoiadores que o esperavam, ontem, na saída do Palácio da Alvorada. O rapaz com um penteado do tipo “black power” aguardava para tirar uma foto com o chefe do Poder Executivo. No começo do vídeo, publicado em um canal simpático ao presidente, Bolsonaro se dirige a ele como “cabeludo”, fala sobre “piolho” e questiona se tem cloroquina guardada ali.


“Tem muita lata de leite condensado aqui dentro, também. Guardei para o senhor, tem presente aqui”, rebateu o homem, em aparente tom de brincadeira. Minutos depois, ao se reaproximar, o presidente virou o pescoço para trás, olhou para os seguranças com expressão jocosa e disse que estava vendo uma barata no cabelo do apoiador. “Tô vendo uma barata aqui”, riu em meio a outras gargalhadas.


Durante a conversa com os bolsonaristas, ele disse ainda que negocia a ida para dois partidos políticos. E repetiu que sua filiação ao Aliança pelo Brasil, sigla que pretendia tirar do papel a tempo das eleições, está inviabilizada. “O Aliança, no meu entender, dificilmente vai se formar este ano. Estou acertando (com um partido), na reta final”.


A possibilidade é de que o chefe do Executivo escolha entre o Brasil 35, antigo Partido da Mulher Brasileira, ou ainda o PRTB, legenda que abriga o vice-presidente Hamilton Mourão. No último dia 19, Bolsonaro disse que escolheria o partido até o fim de abril porque já estava “atrasado”. O Aliança pelo Brasil ainda está longe de atender aos requisitos para ser registrado junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — são necessárias 492 mil assinaturas para que seja criado.


Além disso, ele rebateu a declaração do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, durante a CPI da Covid, na última terça-feira, de que o país poderia ter começado a vacinação em novembro. O Bolsonaro disse que a afirmação “não se sustenta”, pois a primeira vacina a ser aplicada no mundo ocorreu na Inglaterra, em dezembro.
“O que ele disse lá de grave na CPI foi que o Brasil poderia ter começado a vacinar em novembro, certo? Só que a primeira vacina no mundo foi no Reino Unido, em dezembro, e nós começamos a vacinar em janeiro. Então, não se sustenta”, rebateu. A imunização no país iniciou-se em 17 de janeiro.

Reunião incômoda

O encontro entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que havia sido agendado pela assessoria do parlamentar para ontem, não aconteceu. A ideia do petista na reunião era pedir ao parlamentar que o Congresso priorizasse a análise de projetos que sugerem o retorno das parcelas do auxílio emergencial a R$ 600.


Mesmo que a conversa entre os dois não tenha ocorrido, a notícia de que os dois poderiam se encontrar repercutiu mal no Palácio do Planalto. Assessores de Jair Bolsonaro consideraram que Pacheco poderia colocar em risco o bom relacionamento que tem com o mandatário caso falasse com um rival direto do presidente para as eleições de 2022.
O fato de os dois terem cogitado um encontro para tratar sobre o auxílio emergencial também desagradou o Executivo, pois o governo federal tem se colocado contra a ideia de restabelecer o valor original do benefício. Além disso, a equipe de Bolsonaro temia que Lula tirasse proveito político caso Pacheco concordasse com uma eventual sugestão do petista para que os R$ 600 fossem retomados.


Apesar de o encontro entre os dois não ter acontecido, aliados de Lula acreditam que um diálogo entre Lula e Pacheco é inevitável, e que os dois certamente estarão frente a frente nos próximos meses. O ex-presidente passou a semana em Brasília dialogando com políticos em uma tentativa de se antecipar à corrida eleitoral do ano que vem. Ele pretende repetir o roteiro mais vezes ao longo do ano.


“Uma característica que Lula sempre teve, tanto como presidente quanto como candidato, foi o de ser uma pessoa do diálogo. Nunca deixou de falar com quem quer que seja. E a passagem dele por Brasília retoma para a política brasileira um espaço de diálogo democrático. Ele está tentando recolocar a existência de uma esfera de diálogo político, sem agredir ou contestar ninguém”, destacou a deputada Maria do Rosário (PT-RS), vice-líder do partido na Câmara.


Por mais que tenha se frustrado com a agenda com Pacheco, Lula teve um dia repleto de encontros — entre eles com o ex-presidente José Sarney, que há uma semana se reuniu com Bolsonaro. O assunto tratado entre os dois não foi divulgado.


O petista fez, ainda, visitas a algumas representações diplomáticas. Conversou com os embaixadores da Argentina, Daniel Scioli; da África do Sul, Vusi Mavimbela; da Grécia, Ioannis Pediotis; de Cuba, Rolando Antonio Gómez Gonzáles; e da Venezuela, Irene Rondón.

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