POLÍTICA

No Congresso, Centrão quer o presidente Bolsonaro fraco

Relação entre o grupo que reúne deputados e senadores e o Palácio do Planalto esfria e começa a dar os primeiros sinais de pragmatismo. Tendência é de que a fragilidade política do presidente por causa da atuação na pandemia aumente o custo do apoio

» Denise Rothenburg » Luiz Calcagno » Augusto Fernandes
postado em 10/05/2021 06:00
 (crédito: Jefferson Rudy/CB/D.A Press - 29/4/21)
(crédito: Jefferson Rudy/CB/D.A Press - 29/4/21)

Quando a CPI da Covid saiu do papel, um senador governista chegou preocupado ao gabinete do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Queria saber se poderia fazer algo para ajudar o presidente Jair Bolsonaro a sair da sinuca de bico da investigação, na qual o governo não tem maioria. “Minha Presidência é independente, não posso interferir”, foi a resposta de Pacheco. Esta semana, no gabinete do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), a conversa foi mais ou menos no mesmo tom, quando o deputado foi perguntado se havia meio de acelerar a votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do voto impresso: “Quem vai definir são os líderes”, respondeu Lira. Ou seja, lavou as mãos.

O comportamento dos presidentes das duas Casas, de não dar um empurrãozinho às pretensões do governo, não era esperado pelo Planalto no curto prazo. Afinal, Lira e Pacheco estão há menos de quatro meses no comando das casas legislativas, e com a ajuda do governo. No caso da Câmara, embora o presidente tenha o compromisso de não colocar pedidos de impeachment para tramitar, a lua de mel entre Bolsonaro e o Centrão acabou.

Sem uma união ideológica ou um projeto comum entre parlamentares e governo, restam os “negócios”: a liberação de emendas ao Orçamento — como o “orçamento secreto”, revelado ontem pelo jornal O Estado de S.Paulo, no qual R$ 3 bilhões em verbas foram repassados para contemplar ações patrocinadas por um grupo de parlamentares aliados sem a devida transparência — e cessão de cargos que possam resultar em prestígio para os congressistas nas bases eleitorais. E, se o presidente não recuperar popularidade, mais refém ele estará desse toma lá dá cá.

Nesse sentido, a CPI da Pandemia é, na avaliação de cientistas políticos, o instrumento capaz de enfraquecer Bolsonaro. O analista político Melillo Dinis, por exemplo, é taxativo ao afirmar que “deixar Bolsonaro sangrar até a beira do abismo é o projeto”. “O que é a beira do abismo? Duas hipóteses: a eleição, mais provável, ou, na piora da hecatombe, impeachment ou renúncia, que é pouco provável”, reflete.

Desgaste
As primeiras semanas de funcionamento da CPI mostraram que o presidente terá que se desdobrar para tentar reduzir o desgaste, o Centrão percebeu o aumento dessa dependência e prepara-se para cobrar mais caro pelo suporte. O gabinete da ministra da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, é berço das cobranças dos deputados, não só da liberação das emendas ao Orçamento de 2021, como dos restos a pagar de anos anteriores. E, a contar pelo “orçamento secreto”, as cobranças estão dando resultado.

A fórmula — emendas, cargos e solenidades país afora — ajuda a segurar apoios, mas não consolida um casamento de interesses que vão além deste ano. O desgaste entre Bolsonaro e o Centrão se deve a vários fatores, que vão desde o negacionismo no enfrentamento à pandemia de covid-19 à situação econômica atual do país. Foi o trato da pandemia e as provocações aos chineses, por exemplo, que afastaram o deputado Fausto Pinato (Progressistas-SP), um aliado de primeira hora do presidente e coordenador da Frente Parlamentar Brasil-China, mas que é muito ligado a Lira.

Outros deputados preparam-se para seguir o caminho do distanciamento. E, a continuar esse elevado número de mortes diárias pela covid-19, os aliados consideram que só há um meio de Bolsonaro tentar se recuperar e tirar fôlego da CPI: vacinar mais e mudar o tom ao tratar do novo coronavírus.

Na visão do estrategista político Orlando Thomé, a oposição esticará a CPI ao máximo, o que favorece o Centrão, que terá Bolsonaro cada vez mais dependente. “Quanto mais Bolsonaro se desgasta, mais o preço aumenta. Não estou falando de corrupção, mas de nomeações e indicações”, destaca. Ainda assim, ele crê que o presidente deve chegar à corrida eleitoral, em 2022, com 20% de apoio.

Na avaliação do deputado Fábio Trad (PSD-MS), a CPI é um fator de imprevisibilidade. Para ele, as mortes por covid-19 não serão esquecidas e a crise econômica seguirá desgastando o Executivo. “O Bolsonaro de hoje não é o de 2018. Perdeu o viço da novidade, o sentido de resgate heroico da moralidade na política. É um Bolsonaro menor, do Centrão, com filhos investigados. Mas ainda tem um percentual fixo de eleitores cativos, em torno de 15%”, observa.

O senador Álvaro Dias (Podemos-PR) destaca que o Centrão saberá a hora de abandonar o governo. “O Centrão estará de forma fisiológica com o presidente até o momento em que o barco começar a afundar”, afirma.

O deputado governista Aluísio Mendes (PSC-MA) manda um recado direto ao Planalto: cobra que Bolsonaro mude para ganhar fôlego no tabuleiro político. “Há um temor enorme entre os partidos do nosso bloco com a falta de uma política mais assertiva no combate a essa pandemia, principalmente na aquisição de vacinas e na recomendação de medidas que possam frear esse número crescente de mortes. Além disso, há pouca interlocução do governo com o parlamento”, alerta.

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Fiel da balança desde a constituinte

O termo Centrão surgiu na Constituinte de 1988 e se referia a um grupo de congressistas que formou uma maioria capaz de desequilibrar a balança das decisões no Congresso. Reunia, sobretudo, parlamentares reconhecidos como “fisiológicos” de vários partidos. No governo Sarney, o então deputado federal Roberto Cardozo Alves, o “Robertão”, usou uma frase da Oração de São Francisco de Assis para definir o DNA do grupo: “É dando que se recebe”. Ao longo de mais de 30 anos, vários partidos integraram o Centrão, que hoje reúne as seguintes legendas: Progressistas (40 deputados), PL (39), Republicanos (31), Solidariedade (14) e PTB (12), e conta com setores do PSD (36), do MDB (34) e do DEM (28). Costumam se alinhar ao grupo o Pros (10), o PSC (9), o Avante (sete) e o Patriota (seis deputados). A principal representação do Centrão está na Câmara.

PSD embaralha o tabuleiro

 (crédito: Ricardo Stuckert/Divulgação)
crédito: Ricardo Stuckert/Divulgação

O PSD está trabalhando a todo vapor com vistas às eleições gerais de 2022 e luta para se desvencilhar do presidente Jair Bolsonaro. A saída do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, do DEM em direção ao partido, indica, segundo especialistas, que a sigla está de olho no aumento de capital político no Rio de Janeiro. A mudança de casa de Paes foi confirmada pela assessoria do prefeito ao Correio, no último sábado, mas esta não deve ser a última aquisição do partido.

Isso porque o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, já anunciou que seguirá Eduardo Paes onde ele for, e isso inclui o PSD. O ex-presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (RJ), deve ser mais um a deixar o DEM — que vive um processo de esvaziamento — rumo à legenda do ex-ministro Gilberto Kassab. O parlamentar, no entanto, prefere não falar a respeito enquanto a troca não for oficializada. Na mesma leva de esvaziamento dos democratas, quem também pode desembarcar nas hostes pessedistas é o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG).

O partido já pensa seriamente em lançar um candidato à Presidência, e Pacheco é visto como um nome a ser lançado na disputa. Seria uma opção mais viável do que, por exemplo, o governador gaúcho Eduardo Leite — que também poderia trocar o PSDB pelo PSD. Isso porque, caso perca a eleição, o senador não ficaria sem mandato — o atual vai até 2027. Além disso, é de Minas Gerais, segundo maior colégio eleitoral do país.

Sinal amarelo
O encontro entre Kassab com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no último dia 5, acendeu o sinal amarelo no Palácio do Planalto, que tem filiados ao partido no seu primeiro escalão — é o caso do ministro das Comunicações, Fábio Faria. Sobre o contato entre o presidente do PSD e o petista, o senador Angelo Coronel (PSD-BA) diz que “está tudo em aberto” e confirma que o partido poderá, sim, lançar um candidato à Presidência em 2022.

“Com a chegada de novos quadros, a tendência é participar no próximo pleito presidencial compondo a (chapa) majoritária. O partido tem trabalhado para também lançar candidatos a governador e senador em todos os estados. Não existe alinhamento e nem afastamento formal (do governo federal). Tem parlamentares que apoiam o governo e tem quem faz oposição, além dos independentes”, afirmou.

Já o deputado federal Fábio Trad (PSD-MS) considera positivo o diálogo com Lula. “É um líder nacional, que tem muitos prefeitos, deputados federais e estaduais, uma das maiores bancadas do Senado. Eu me preocuparia se o presidente do partido não conversasse com ele”, salientou.

Uma possível candidatura do PSD ao Planalto em 2022 pode ser, de acordo com especialistas, uma estratégia extremamente benéfica para o PT — as duas legendas, aliás, estiveram juntas no governo Dilma. Isso porque, ao se apresentar como uma opção de centro e se afastar de Bolsonaro, pode tirar votos de Ciro Gomes (PDT) no primeiro turno e apoiar Lula no segundo. “Acho que faz todo sentido o PSD jogar, se tiver um candidato a presidente, e, no segundo, apoiar Lula. Acho que Lula deve receber muitos apoios num eventual segundo turno, porque tende a ser mais forte do que o Bolsonaro”, analisa Márcio Coimbra, cientista político e coordenador de pós-graduação no Mackenzie Brasília.

Para Eduardo Grin, cientista político da Fundação Getulio Vargas, a estratégia de Kassab era algo esperado devido ao histórico do partido. “Quando foi fundado, em 2011, Kassab disse que não era um partido de oposição, nem direita nem esquerda. Um partido assim fica aberto a qualquer acordo, e o Kassab sempre sabe para onde os ventos vão soprar”, afirma.

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