O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Ubiratan Cazetta, criticou a proposta de reforma do Código de Processo Penal (CPP), em tramitação na Câmara. “Esse projeto não moderniza, não traz resposta, não melhora a investigação nem a posição do Estado, não garante os direitos da vítima. E, ao não fazer nada disso, qual é a vantagem da reforma? Essa é a principal pergunta que o Ministério Público tem em relação a ele”, afirmou, em entrevista a Denise Rothenburg no programa CB.Poder, parceria entre o Correio e a TV Brasília.
O projeto, relatado pelo deputado João Campos (Republicanos-GO), é alvo de instituições porque, além de retirar a autonomia do Ministério Público para realizar investigações, prevê a criação de medidas que tornariam menos eficientes as apurações. Além disso, conforme Cazetta, o momento não é oportuno para retomar o projeto, porque, em plena crise sanitária, não permite uma ampla discussão sobre a proposta. “No meio de uma pandemia, no meio de tantas discussões, você tentar ressuscitar um projeto que estava parado é muito perigoso, porque o espaço de debate diminui”, frisou. Veja os principais trechos da entrevista de Cazetta, que assumiu o cargo na quinta-feira da semana passada.
Como a ANPR acompanha o projeto de reforma do Código de Processo Penal, que mexe, também, com o Ministério Público?
Todas as associações ligadas ao Ministério Público estão preocupadas. Há uma discussão sobre conveniência e oportunidade. No meio de uma pandemia, no meio de tantas discussões, você tentar ressuscitar um projeto que estava parado é muito perigoso, porque o espaço de debate diminui. Esse projeto não moderniza, não traz resposta, não melhora a investigação nem a posição do Estado, não garante os direitos da vítima. E, ao não fazer nada disso, qual é a vantagem da reforma? Essa é a principal pergunta que o MP tem em relação a ele.”
O relator João Campos tinha apresentado um parecer em 2018, agora veio com um outro relatório. Quais são os principais pontos nevrálgicos desse projeto que precisam ser reformulados ou que vão atrapalhar as apurações?
O parecer apresentado em 2018 tinha melhorado um pouquinho em relação a isso, mas, o de agora, é muito ruim. Ele ressuscita uma discussão que nós tivemos em 2013, que era se o Ministério Público pode ou não investigar. Em 2013, houve uma PEC (proposta de emenda à Constituição) e ela foi derrotada. O Supremo (Supremo Tribunal Federal), em 2015, deixou claro que o MP pode, sim, investigar. Agora, o que se tenta estabelecer é que ele só vai investigar quando houver prova da ineficiência da polícia. Nós citamos vários exemplos recentes: o caso do Jacarezinho, o Ministério Público do Rio de Janeiro já está acompanhando; o do garoto Henry Borel, no Rio de Janeiro, a atuação do MP imediata foi essencial para identificar os dados. No Tribunal do Júri, por exemplo, você agiliza, em tese, a primeira fase — as pessoas podem ser levadas ao júri sem uma investigação mais profunda, mas, ao mesmo tempo, no julgamento em si, você coloca o jurado em uma situação muito frágil, porque, se a decisão tem que ser unânime, eu não tenho mais sigilo dos votos.
Vai ficar todo mundo exposto?
Você tem de garantir que o julgamento seja justo, que o processo penal seja um resultado real sobre um fato. O novo Código de Processo Penal não traz nada disso. Nós continuamos com os mesmos defeitos, pioramos algumas coisas.
Quais são os principais defeitos?
Um dos principais defeitos é que nós não temos uma investigação eficaz. Dos homicídios cometidos no Brasil, apenas 8% chegam a um resultado. De cada 100 mortes, só oito eu sei quem matou, porque matou, e leva ao processo.
De 100, somente oito?
O problema está na investigação. O novo Código de Processo Penal não traz nada de novo em relação a isso, aliás, traz coisas piores. Estabelece um prazo, por exemplo, de dois anos, ou seja, no final de dois anos, se não tiver uma conclusão, tem de acabar a investigação, independentemente do tipo de crime, da complexidade do crime. O Brasil já foi condenado nove vezes na Corte Interamericana de Direitos Humanos porque não respeita a vítima, não dá para a vítima um espaço no processo penal de acompanhar, de fazer com que o processo ande.
O senhor acha que esse novo projeto vem sob encomenda da turma que o Ministério Público conseguiu enquadrar na época da Lava-Jato?
Este momento é muito ruim para o Ministério Público, porque estamos pagando pelos nossos acertos e erros também, mas há um conjunto de mudanças legislativas que realmente traduzem uma vontade de aproveitar este momento. Estamos falando de mudanças na lei de improbidade administrativa, não para favorecer a punição e, sim, para tornar mais fácil fugir da condenação. Estamos falando numa alteração no Conselho Nacional do Ministério Público, deixando mais fragilizada, também, a atuação dos membros do Ministério Público pela mudança em sua composição.
É um pacote de maldades? Estão aproveitando a pandemia, a CPI, para passar de “baciada”, como diria o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, uma frase que ficou famosa em uma reunião em que ele disse: “Vamos aproveitar este período de pandemia para passar de baciada alguns projetos.” É isso que está acontecendo?
Também, não posso dizer ‘ah, só isso’, porque o projeto de Código de Processo Penal morreu em 2018, ficou parado ali. Renasce em um momento muito ruim. Como é que a gente consegue fazer ouvir a população brasileira nesse processo, na época da pandemia? Como é que os parlamentares conversam entre si no momento em que você não pode nem sequer entrar na Câmara dos Deputados?
*Estagiário sob supervisão de Cida Barbosa
Como a ANPR acompanha o projeto de reforma do Código de Processo Penal, que mexe, também, com o Ministério Público?
Todas as associações ligadas ao Ministério Público estão preocupadas. Há uma discussão sobre conveniência e oportunidade. No meio de uma pandemia, no meio de tantas discussões, você tentar ressuscitar um projeto que estava parado é muito perigoso, porque o espaço de debate diminui. Esse projeto não moderniza, não traz resposta, não melhora a investigação nem a posição do Estado, não garante os direitos da vítima. E, ao não fazer nada disso, qual é a vantagem da reforma? Essa é a principal pergunta que o MP tem em relação a ele.”
O relator João Campos tinha apresentado um parecer em 2018, agora veio com um outro relatório. Quais são os principais pontos nevrálgicos desse projeto que precisam ser reformulados ou que vão atrapalhar as apurações?
O parecer apresentado em 2018 tinha melhorado um pouquinho em relação a isso, mas, o de agora, é muito ruim. Ele ressuscita uma discussão que nós tivemos em 2013, que era se o Ministério Público pode ou não investigar. Em 2013, houve uma PEC (proposta de emenda à Constituição) e ela foi derrotada. O Supremo (Supremo Tribunal Federal), em 2015, deixou claro que o MP pode, sim, investigar. Agora, o que se tenta estabelecer é que ele só vai investigar quando houver prova da ineficiência da polícia. Nós citamos vários exemplos recentes: o caso do Jacarezinho, o Ministério Público do Rio de Janeiro já está acompanhando; o do garoto Henry Borel, no Rio de Janeiro, a atuação do MP imediata foi essencial para identificar os dados. No Tribunal do Júri, por exemplo, você agiliza, em tese, a primeira fase — as pessoas podem ser levadas ao júri sem uma investigação mais profunda, mas, ao mesmo tempo, no julgamento em si, você coloca o jurado em uma situação muito frágil, porque, se a decisão tem que ser unânime, eu não tenho mais sigilo dos votos.
Vai ficar todo mundo exposto?
Você tem de garantir que o julgamento seja justo, que o processo penal seja um resultado real sobre um fato. O novo Código de Processo Penal não traz nada disso. Nós continuamos com os mesmos defeitos, pioramos algumas coisas.
Quais são os principais defeitos?
Um dos principais defeitos é que nós não temos uma investigação eficaz. Dos homicídios cometidos no Brasil, apenas 8% chegam a um resultado. De cada 100 mortes, só oito eu sei quem matou, porque matou, e leva ao processo.
De 100, somente oito?
O problema está na investigação. O novo Código de Processo Penal não traz nada de novo em relação a isso, aliás, traz coisas piores. Estabelece um prazo, por exemplo, de dois anos, ou seja, no final de dois anos, se não tiver uma conclusão, tem de acabar a investigação, independentemente do tipo de crime, da complexidade do crime. O Brasil já foi condenado nove vezes na Corte Interamericana de Direitos Humanos porque não respeita a vítima, não dá para a vítima um espaço no processo penal de acompanhar, de fazer com que o processo ande.
O senhor acha que esse novo projeto vem sob encomenda da turma que o Ministério Público conseguiu enquadrar na época da Lava-Jato?
Este momento é muito ruim para o Ministério Público, porque estamos pagando pelos nossos acertos e erros também, mas há um conjunto de mudanças legislativas que realmente traduzem uma vontade de aproveitar este momento. Estamos falando de mudanças na lei de improbidade administrativa, não para favorecer a punição e, sim, para tornar mais fácil fugir da condenação. Estamos falando numa alteração no Conselho Nacional do Ministério Público, deixando mais fragilizada, também, a atuação dos membros do Ministério Público pela mudança em sua composição.
É um pacote de maldades? Estão aproveitando a pandemia, a CPI, para passar de “baciada”, como diria o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, uma frase que ficou famosa em uma reunião em que ele disse: “Vamos aproveitar este período de pandemia para passar de baciada alguns projetos.” É isso que está acontecendo?
Também, não posso dizer ‘ah, só isso’, porque o projeto de Código de Processo Penal morreu em 2018, ficou parado ali. Renasce em um momento muito ruim. Como é que a gente consegue fazer ouvir a população brasileira nesse processo, na época da pandemia? Como é que os parlamentares conversam entre si no momento em que você não pode nem sequer entrar na Câmara dos Deputados?
*Estagiário sob supervisão de Cida Barbosa
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