Importação

EUA denunciaram exportação ilegal de madeira pelo Brasil, mas foram ignorados

Os alertas internacionais, porém, foram confrontados pelo Ibama, que atuou para tentar convencer os americanos que o procedimento de autorização tinha mudado e que não havia nenhuma ilegalidade

Agência Estado
postado em 19/05/2021 15:56
 (crédito: Divulgação/Ministério da Defesa)
(crédito: Divulgação/Ministério da Defesa)
Os Estados Unidos relataram vários casos de envio ilegal de madeira brasileira para os portos americanos entre o fim de 2019 e início de 2020. As informações foram encaminhadas ao Ibama, órgão responsável pela emissão de autorizações e controle do material que sai do Brasil. Os alertas internacionais, porém, foram confrontados pelo Ibama, que atuou para tentar convencer os americanos que o procedimento de autorização tinha mudado e que não havia nenhuma ilegalidade, sob a justificativa de que os documentos exigidos já não eram mais necessários.
Um desses casos foi detalhado à Polícia Federal pelo adido americano, Bryan Landry. Em ofício encaminhado pela Embaixada dos Estados Unidos à PF, Landry relatou as irregularidades encontradas no caso de importação feita pela empresa Tradelink Madeiras Ltda, que tem sua base no município de Ananindeua, no Pará, com destino à sua representação Tradelink Wood Products Inc, sediada em Carolina do Norte (EUA).
Bryan Landry conta que, em 10 de janeiro de 2020, o Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos (FWS), órgão de controle ambiental americano e que atua como o Ibama no Brasil, deteve para inspeção três contêineres de madeira exportados do Brasil. O material seguiria para o Porto de Savannah, na Geórgia. Durante a fiscalização, os americanos notaram que o material não detinha a documentação prevista que era dada pelo Ibama. Por isso, pediu confirmação ao órgão brasileiro.
Uma semana depois, o FWS recebeu uma carta do Ibama em Belém, com dados sobre o material detido e outros quatro contêineres, os quais somavam 153 mil metros cúbicos (m³) de madeira de Ipê e Jatobá. A resposta comprovava que as cargas não tinham sido analisadas pelo setor competente, que informações falsas foram inseridas no sistema oficial de controle e que a empresa exportava a madeira sem a manifestação ou autorização prévia pelo Ibama.
O caso chegou a ser objeto de uma infração de violação pelo Ibama em 24 de janeiro, violando as próprias leis brasileiras, além da Lei Lacey, dos EUA, que trata do assunto. O importado Tradelink USA também foi notificado da detenção do material.
No dia 5 de fevereiro de 2020, o órgão americano recebeu diversas "certidões" do Ibama em Belém, na tentativa de liberar o material. "Apesar da determinação anterior de ilegalidade e notificação de violação por funcionários do mesmo escritório do Ibama, as cartas de 'Certidão' legitimavam os envios e defendiam sua libertação da detenção nos Estados Unidos", relatou Bryan Landry.
Após troca de informações com a base da Tradelink nos Estados Unidos, a companhia admitiu que acreditava que os embarques de madeira detidos eram originários de várias serrarias de diferentes regiões do Brasil, e não de uma serraria só, como declarado.
Finalmente, no dia 21 de fevereiro, o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, entrou em cena. Em uma reunião com Bryan Landry e representantes da Embaixada dos EUA em Brasília, Bim falou sobre interpretações de várias instruções normativas do Ibama sobre o assunto e prometeu uma decisão nos próximos dias. Quatro dias depois, o FWS recebeu uma cópia do "despacho interpretativo" de Bim, a qual concluía que a autorização de exportação não era mais necessária, mas apenas o Documento de Origem Florestal (DOF).
Bryan Landry disse que continua trabalhando com o Ibama para esclarecer as comunicações conflitantes mencionadas e determinar a legalidade das remessas detidas nos Estados Unidos. No entanto, apesar de todas as informações fornecidas pela Tradelink e Ibama, os embarques permanecem retidos, "em aparente violação de várias Instruções Normativas do IBAMA (lei brasileira), enquanto a verdadeira origem e legalidade da madeira permanecem em questão".
O Porto de Savannah é um centro de comércio nos Estados Unidos. A detenção e apreensão prolongadas de madeira, disse ele, custam caro ao governo dos EUA e ao comércio internacional legítimo. "O FWS tem preocupações com relação a possíveis ações inadequadas ou comportamento corrupto por representantes da Tradelink e/ou funcionários públicos responsáveis pelos processos legais e sustentáveis que governam a extração e exportação de produtos de madeira da região amazônica", afirmou o adido.
O órgão americano abriu uma investigação relativa à Tradelink EUA, suas práticas de compras, histórico de importação do Brasil e possível envolvimento em práticas corruptas, fraudes e outros crimes.
Mais casos
Este não é o único episódio incluído no inquérito. A Embaixada dos Estados Unidos também encaminhou informações sobre a apreensão de contêiner de produtos florestais provenientes do Pará, enviados pela empresa "Wizi Indústria Comércio e Exportação de Madeiras". Em 8 de dezembro de 2019, a empresa americana "East Teak Fine Hardwoods" importou aproximadamente 19.743 quilos de decks de madeira de Ipê do Brasil, para o porto de "Savannah", na Geórgia, sem nenhum documento brasileiro de exportação ou autorização. O valor da carga foi estimado em US$ 41.697, o equivalente a cerca de R$ 220 mil, em valores atuais.
Maior comprador
No ano passado, em reação às críticas contra o desmatamento, o presidente Jair Bolsonaro chegou a afirmar que iria "revelar" quais são os países "receptadores" de madeira ilegal da Amazônia. Depois, voltou atrás e desistiu da ideia.
A importação da madeira que sai das florestas do Brasil está concentrada em 20 países, mas os americanos são os maiores compradores de madeira do Brasil. Dados compilados pela área técnica do Ibama obtidos pelo Estadão mostram que, entre 2007 e 2019, os Estados Unidos lideram o consumo da madeira nacional, tendo adquirido 944 mil metros cúbicos (m³) de produtos do Brasil. O segundo maior comprador foi a França, com 384 mil m³, seguida por China (308 mil m³), Holanda (256 m³) e Bélgica (252 mil m³). No total, o mercado legal de madeira exportou cerca de R$ 3 bilhões nos últimos cinco anos. São aproximadamente R$ 600 milhões anuais.
Esses dados do Ibama referem-se às exportações oficiais, ou seja, trata-se de madeiras que deixaram o Brasil de forma legalizada. Isso não significa, porém, que a origem de toda essa madeira é legal. Essa situação acontece por causa da forte informalidade e criminalidade que domina o mercado madeireiro no Brasil.
Na prática, um país que importa madeira do Brasil pode até achar que está adquirindo um produto 100% legal, quando, na realidade, sua origem pode ser fruto de um esquema fraudulento, que costuma inviabilizar o preço do mercado entre aqueles poucos madeireiros que desejam atuar de forma 100% legal.
Os dados do Ibama mostram que, de toda a produção nacional de madeira registrada entre 2012 e 2017, cerca de 90,81% foi consumida no Brasil após beneficiamento. Apenas 9,19% dos produtos beneficiados tiveram como destino o comércio exterior. Os dez maiores compradores internacionais de madeira do Brasil consumiram 73,47% de todos os produtos madeireiros exportados pelo País no período de 2012 a 2017.
Entre as espécies mais cobiçadas pelos estrangeiros, o principal alvo é o ipê, com 91,97% do total exportado, seguido pela cerejeira-da-Amazônia, jacarandá-violeta e mogno. Um compilado de informações de exportação coletadas de 2007 a 2020 mostra uma forte concentração nas exportações entre as empresas que atuam no setor. Apesar de 895 empresas terem vendido o material neste período, as 50 maiores foram responsáveis por quase 50% de todas as transações históricas.
 

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