O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi acusado pela Polícia Federal de integrar um esquema criminoso que facilitou a exportação ilegal de madeira para a Europa e os Estados Unidos. Uma investigação feita pela corporação constatou que, a pedido de madeireiras no Pará, ele, o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Eduardo Bim, e outros 10 servidores públicos mudaram normas legais que contribuíram para o contrabando de produtos florestais.
A PF cumpriu 35 mandados de busca e apreensão, ontem pela manhã, por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Salles foi um dos alvos da Operação Akuanduba, em alusão a uma divindade da mitologia dos índios Araras, que habitam o Pará. As condutas de Salles e dos demais investigados podem tipificar corrupção passiva, facilitação de contrabando, prevaricação, advocacia administrativa, corrupção ativa, contrabando, crimes contra a administração ambiental, lavagem de dinheiro, e integrar organização criminosa e obstrução de justiça.
Um dos principais indícios da participação do ministro no esquema foi o endosso dado ao pedido de duas empresas exportadoras de madeira para que o Ibama revogasse uma instrução normativa, de 2011 e da própria autarquia, que só autorizava a exportação de produtos e subprodutos madeireiros de origem nativa de florestas naturais ou plantadas mediante autorização do instituto no local da exportação. A PF relata que o pedido das madeireiras foi feito em uma reunião com Salles, Bim, parlamentares e outros integrantes do Meio Ambiente e do Ibama, em 6 de fevereiro do ano passado. Contrariando um parecer técnico da autarquia para que a instrução normativa não fosse cancelada, Salles deu aval para que Bim publicasse um novo despacho liberando a exportação de madeira nativa sem fiscalização.
Passar a boiada
A investigação lembra as declarações de Salles, na reunião ministerial de 20 de abril de 2020 — quando falou que o governo deveria aproveitar a atenção da imprensa voltada à pandemia para “passar a boiada” e mudar regras de proteção ambiental — para justificar a atuação do ministro nas exportações ilícitas de madeira. De acordo com as apurações, o ato assinado por Bim teve caráter retroativo, o que acabou “legalizando milhares de cargas expedidas ilegalmente entre os anos de 2019 e 2020”.
Salles e os demais investigados tiveram os sigilos bancário e fiscal quebrados por determinação de Alexandre de Moraes. No inquérito, a PF aponta a existência de diversas comunicações ao Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf) “de operações suspeitas” envolvendo o ministro do Meio Ambiente.
Moraes ressalta que foi identificada uma “movimentação extremamente atípica”, de R$ 14,2 milhões, envolvendo o escritório de advocacia do qual o ministro é sócio, no período de janeiro de 2012 a junho de 2020. (Augusto Fernandes, Israel Medeiros, Sarah Teófilo, Vera Batista, João Vitor Tavarez* e Pedro Ícaro* — estagiários sob a supervisão de Fabio Grecchi*)
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Histórico de irregularidades
Alvos da Operação Akuanduba, os sócios de uma das empresas envolvidas, a Tradelink Madeiras, David Pereira Serfaty e o inglês Leon Robert Weich, administram uma empresa que já se envolveu em problemas com a Justiça — venda de madeira ilegal, falsificação de informações ambientais e exploração de trabalho escravo são alguns delas. As autuações à empresa, apontada como beneficiada por decisões do Ibama e do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, ultrapassam R$ 7 milhões, segundo a Polícia Federal.
De acordo com a investigação, a Tradelink exportou madeira ilegal, sem autorização prévia do Ibama pelo menos em sete ocasiões: cinco contêineres destinados aos Estados Unidos, um para a Dinamarca e um para a Bélgica. Em 17 de janeiro, as autoridades norte-americanas foram avisadas da procedência da carga e o material apreendido. Dias depois, a empresa foi autuada pelas autoridades ambientais brasileiras.
Em fevereiro, representantes da empresa se reuniram com o superintendente do Ibama no Pará e com Salles, e apresentaram documentos em que afirmava que “os pedidos de licença de exportação foram protocolados no Ibama, mas que os processos não tinham sido concluídos a tempo”. O superintendente do órgão no estado, Walter Mendes Magalhães Júnior, atestou que a empresa teria feito os pedidos. Uma semana depois, em 14 de fevereiro, o adido do governo americano, a partir de informações públicas e obtidas com os compradores da madeira, nos EUA, constatou as inconsistências na documentação da Tradelink.
No mesmo mês, no dia 21, o adido da embaixada dos EUA reuniu-se com o presidente do Ibama, Eduardo Bim, e expôs os problemas relacionados à carga apreendida. De acordo com a investigação, Bim assinou um despacho para “dispensar a necessidade de autorização específica para exportação dos produtos e subprodutos florestais de origem nativa em geral, em descompasso com o estabelecido” pela legislação.
No Congresso, o deputado Marcelo Freixo (PSol-RJ), líder da minoria na Câmara, apresentou uma ação na Justiça Federal do Distrito Federal pedindo o afastamento de Salles. Outros parlamentares de oposição falam em abrir uma CPI.
Ação foi "exagerada"
Ao tomar conhecimento da operação, o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles foi à sede da Polícia Federal, em Brasília, acompanhado de um assessor armado, para tentar conseguir mais informações do inquérito. No entanto, não obteve sucesso e foi avisado de que a corporação não poderia fornecer mais detalhes porque a apuração corre sob sigilo.
Na sequência, ele se reuniu com Jair Bolsonaro e com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, de cuja pasta a Polícia Federal faz parte. Os dois ministros tentaram detalhar ao presidente os efeitos da investigação e Salles recebeu afagos do presidente, que disse ainda confiar no trabalho dele.
Mais tarde, em entrevista, o ministro repudiou a ação da PF, que segundo ele foi “exagerada e desnecessária”. Salles ainda garantiu que as ações criminosas que lhe vêm sendo atribuídas “jamais aconteceram”.
“Vou fazer aqui uma manifestação de surpresa com essa operação que eu entendo exagerada, desnecessária. Até porque, todos, não só o ministro, como todos os demais que foram citados e foram incluídos nessa investigação estiveram sempre a disposição para esclarecer quaisquer questões”, explicou o ministro.
Ele reiterou que “não há substância em nenhuma das acusações” que constam na investigação. “Me parece que esse é um assunto que vai ser esclarecido com muita rapidez, porque, efetivamente, tanto como eu já disse, o ministério, quanto o Ibama, agem de acordo com a lei e de acordo com as melhores regras”, afirmou.