Bolsonaro determina mordaça no Exército

Presidente proíbe a Força e o Ministério da Defesa de comentarem a participação do general Eduardo Pazuello em ato político no Rio de Janeiro. Instituição deve abrir uma apuração disciplinar contra o ex-ministro da Saúde, que terá amplo direito de defesa

» Renato Souza » Sarah Teófilo
postado em 24/05/2021 23:09 / atualizado em 24/05/2021 23:09
 (crédito: Alan Santos/PR)
(crédito: Alan Santos/PR)

O presidente Jair Bolsonaro proibiu o Exército e o Ministério da Defesa de se posicionarem em relação à ida do general da ativa e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello a um ato político no Rio de Janeiro. O chefe do Executivo ligou para o ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, ao saber que seria emitida uma nota sobre o assunto.


Após a determinação de Bolsonaro, o Exército suspendeu um comunicado que faria aos jornalistas, informando que seria aberta apuração disciplinar contra Pazuello. No domingo, o ex-ministro participou de um ato com o presidente, no Rio de Janeiro, subiu num carro de som e discursou para a multidão. No evento, manifestantes fizeram pedidos antidemocráticos, como o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF).


O procedimento aberto no Exército vai averiguar se o general violou o Estatuto Militar e o Código de Disciplina do Exército ao frequentar evento de natureza política sem autorização do comandante da Força, general Paulo Sérgio. A presença de Pazuello gerou desconforto nas Forças Armadas e alertas no Judiciário e no Congresso, pois não é comum que oficiais da ativa tomem essa atitude.


Pazuello terá 10 dias para apresentar defesa. A punição aplicada pode ir desde advertência até prisão, de acordo com decisão do general Paulo Sérgio. No entanto, fontes ligadas ao governo afirmam que Bolsonaro também indicou que não quer nenhuma punição ao militar.


O episódio cria uma nova crise entre o governo federal e as Forças Armadas. É a segunda vez neste ano, já que, em março, o presidente demitiu o ministro da Defesa e os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica, em um ato sem precedentes desde a redemocratização.

Pressão

Generais quatro estrelas chegaram a pedir a prisão de Pazuello, em reunião do Alto Comando realizada em Brasília. No entanto, Paulo Sérgio decidiu antes conversar com Braga Netto.


Uma das opções avaliadas pela cúpula da Força seria um pedido do próprio general para que fosse enviado à reserva. Com isso, poderia exercer atividade política sem violar as regras da instituição. Porém interlocutores de Pazuello dizem que ele se nega a fazer essa solicitação e quer ficar o resto do tempo que ainda pode no quadro, o que levaria cerca de mais um ano de carreira.


Há receio, nas Forças Armadas, de que se não forem aplicadas punições por participação de integrantes em manifestações políticas, fique aberto o caminho para que outros fujam da disciplina e realizem atos semelhantes, ou que seja quebrada a autonomia dos militares ante o governo.
O Ministério Público Militar também pode atuar no caso, assim como a Justiça Militar, caso seja chamada para decidir sobre a autoridade envolvida. Professor titular de história do Brasil da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Carlos Fico explicou que a punição é definida pelo comandante do Exército, que vai analisar o cenário do fato e a defesa do general e observar qual foi o grau de desobediência. No caso de prisão, é de no máximo 30 dias. Se houver uma advertência, é verbal e pode ser em caráter reservado.


Carlos Fico destacou que, com a grande presença de militares no governo, era previsível que eles sofreriam desgaste eventualmente. “Esses desgastes são significativos, porque estabelecem uma promiscuidade entre os militares e o governo. Era previsível que ia dar errado. O Exército criou para si esse problema ao se comprometer com o governo e agora não sabe como resolver”, avaliou. Conforme o professor, se o comandante não determinar uma punição, ficará desautorizado, e isso permitirá que qualquer militar da ativa participe de palanque político.

Meta eleitoral

Para o historiador Rodrigo Patto Sá Motta, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a situação gera um constrangimento ao Exército. Na avaliação dele, a ida de Pazuello ao ato pode ter sido calculado, visto que ele sabia que é vedado aos militares da ativa irem a atos políticos. O interesse seria eleitoral. “Ele já não tem carreira no Exército. No governo também não é mais viável. Está queimado. É constrangedor dar alguma função relevante a ele”, ressaltou.


Ex-vice-líder do governo na Câmara, Coronel Armando, que é militar da reserva, afirmou que, de fato, o ideal no Exército é que não se misture atividade militar com a política. “Mas ele (Pazuello) tem de explicar isso ao Exército e para ninguém mais. Bolsonaro é um presidente sem partido. O ato mostra apoio ao presidente, mas não a partido”, defendeu.


No evento no Rio, com aglomeração, Pazuello não usou máscara. O ato provocou críticas de integrantes da CPI da Covid, no Senado, onde ele prestou depoimento por dois dias, na semana passada. Parlamentares querem convocá-lo novamente.

Mourão critica
O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, fez críticas ao comportamento do general Eduardo Pazuello, que participou de ato bolsonarista no Rio. Segundo Mourão, o ex-ministro “entendeu que cometeu um erro”. “Acho que o episódio será conduzido à luz do regulamento, isso tem sido muito claro em todos os pronunciamentos dos comandantes militares e do próprio ministro da Defesa”, frisou. “Eu já sei que o Pazuello entrou em contato com o comandante informando ali, colocando a cabeça dele no cutelo, entendendo que cometeu um erro”, acrescentou. Ao ser questionado sobre o chefe do Planalto, que promoveu o ato, o vice evitou fazer declarações. “Não comento atos do presidente Bolsonaro, porque eu considero antiético.”

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CPI eleva tom contra general

O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello dificilmente vai escapar do indiciamento na CPI da Covid. A situação do general se complicou ainda mais depois que ele participou, sem máscara e no meio de uma aglomeração, de ato político ao lado do presidente Jair Bolsonaro, no domingo, no Rio de Janeiro. O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), disse que o ex-ministro deve ser convocado para prestar novo depoimento ao colegiado e que, “se mentir de novo, poderá sair de lá algemado”.


A manifestação no Rio de Janeiro foi duramente criticada por senadores independentes e da oposição, que já estavam bastante irritados com o depoimento que Pazuello prestou à CPI na semana passada. Na ocasião, amparado por um habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ele procurou blindar Bolsonaro e prestou informações que foram desmentidas por documentos e outras provas em poder do colegiado.
Após o depoimento, os senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Humberto Costa (PT-PE) apresentaram requerimentos para que o ex-ministro da Saúde seja ouvido novamente pela CPI. Esse pedido deve ser votado amanhã pela comissão.


A participação do general na manifestação de domingo foi considerada por senadores uma afronta à CPI e um desrespeito às famílias das cerca de 450 mil pessoas que morreram em decorrência da covid-19 no país.

Prisão

Omar Aziz, até a semana passada, vinha resistindo às pressões de senadores para que determinasse a prisão de depoentes acusados de faltar com a verdade na CPI. Agora, irritado com a postura de Pazuello e confiante de que a CPI está consolidada, o senador passou a admitir a possibilidade da adoção dessa medida extrema.


“Não posso afirmar que vou prendê-lo (Pazuello), mas pode ter certeza de que, se ele mentir… Se ele tiver um habeas corpus, eu não poderei prendê-lo. Mande-o sem habeas corpus lá, ele não vai brincar mais com a CPI e com a população brasileira”, afirmou, ontem, ao portal UOL, acrescentando torcer para que o STF não conceda um novo habeas corpus para o ex-ministro. Aziz também disse concordar com o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que vê Pazuello como “um forte candidato a indiciamento” no colegiado.


O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), classificou o general como um “mentiroso assumido” e criticou o presidente da República. “A prioridade é barrar a pandemia, mas Bolsonaro rema para trás. A procissão no Rio em louvor ao vírus é declaração de guerra ao SUS (Sistema Único de Saúde). O governador terá de explicar a molecagem com dinheiro público. Pazuello pisoteia disciplina e hierarquia e ri a céu aberto. A CPI terá muito assunto”, enfatizou.

O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) destacou ao Correio que “o Senado Federal não pode se apequenar fechando os olhos para os crimes que Bolsonaro e seus ministros cometeram na negligência com a pandemia”. Segundo o parlamentar, “a digital deles está nas mais de 400 mil mortes por covid no país”.

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