Coluna

Nas entrelinhas: Entre o delírio e a realidade

Na CPI da Covid, negacionistas insistem na defesa da hidroxicloroquina, remédio inútil para deter os males do novo coronavírus

Carlos Alexandre de Souza
postado em 29/05/2021 10:52 / atualizado em 29/05/2021 10:53
 (crédito: Jefferson Rudy/Agência Senado)
(crédito: Jefferson Rudy/Agência Senado)

Ficção e realidade dividem a narrativa do Brasil neste maio de 2021. Na CPI da Covid, negacionistas insistem na defesa da hidroxicloroquina, remédio inútil para deter os males do novo coronavírus, mas estimulante poderoso para bolsonaristas disseminarem a ideia de que o governo age no enfrentamento da pandemia. A farsa da cloroquina ficou evidente no depoimento da doutora Mayra Pinheiro, que recomenda a prescrição de um medicamento contra protozoário (no caso, o patógeno da malária) para tratar pacientes acometidos por um vírus. Não bastasse essa inadequação, Pinheiro teve a audácia de dizer que o Brasil não precisa seguir as recomendações da Organização Mundial da Saúde. Esqueceu-se a secretária do Ministério da Saúde de que o Brasil não foi, não é e não será referência de bom exemplo no combate à covid-19. Os fatos se renovam à luz do dia: o país está à beira de uma terceira onda da doença, em um patamar de casos altíssimo e com a rede de atendimento do SUS sobrecarregada. Continuamos com uma média de 1,8 mil mortes diárias por covid. Em cinco meses, a pandemia matou mais do que todo o ano de 2020. Chegou por aqui uma cepa indiana, cujo grau de transmissibilidade põe os cientistas em alerta, e o Brasil segue sem qualquer controle sanitário coordenado em locais estratégicos, como aeroportos e terminais rodoviários. Infelizmente, as ações positivas implementadas com a participação do governo federal — ontem, o Brasil aplicou 1,2 milhão de doses de vacina — são pequenas se comparadas aos problemas agravados por um negacionismo que se mantém incrustado na Esplanada e no Planalto.


Outro negacionista convicto, Eduardo Pazuello manteve fora dos holofotes da CPI sua conduta avessa ao momento grave pelo qual atravessa o país. Já se passaram oito dias desde que o general da ativa, sem máscara e despreocupado com distanciamento social e outras precauções, participou de ato político em favor de Jair Bolsonaro no Rio de Janeiro. Em mais uma manobra tergiversante, o adepto do bordão “é simples assim: um manda, e outro obedece” tenta convencer de que a caravana bolsonarista, ornamentada de camisetas da Seleção e bandeiras verde-amarelas, não estava a promover um comício em favor do presidente. Em um jogo combinado, Pazuello e o Palácio do Planalto buscam persuadir os brasileiros com o argumento pueril de que “não foi nada disso”. Não foi um comício. Não foi um militar da ativa em um ato político. Não foi mais uma aglomeração de pessoas sem máscara. Pazuello foi lá como cidadão, não como militar; trata-se de uma manifestação em defesa da liberdade. A mesma liberdade que, segundo a ação risível apresentada pela Advocacia-Geral da União contra governadores de três estados, estaria ameaçada em razão das ações restritivas implementadas para combater a pandemia. Assim funciona a lógica bolsonarista: proferir, compulsivamente, mentiras, desculpas esfarrapadas e ideias estapafúrdias, com o intuito de alimentar a máquina de delírios ligada a todo vapor nas redes sociais. A desinformação, muitas vezes somada a ofensas e intimidações, se tornou a arma política de quem não tem o que dizer sobre o momento que vivemos.


Enquanto acólitos bolsonaristas tentam criar um mundo paralelo, o Brasil real se apresenta. O desemprego atinge 15 milhões de trabalhadores, sem contar os milhões de subutilizados e outros que simplesmente desistiram de procurar por trabalho. A inflação se mantém constante há meses, corroendo a renda daqueles que ainda têm poder de compra e rebaixando à miséria e à fome um contingente cada vez maior de famílias. A semana termina com uma iminente crise energética, seguida — como sempre ocorre nesses casos — de aumento da conta de luz. Essa é a realidade que os adeptos do bolsonarismo não gostam de comentar. É mais fácil negar a gravidade dos fatos, partir para a agressão, “lacrar” nas redes sociais, apelar para bizarrices como o ‘pênis’ da Fiocruz do que se expor ao debate público, enfrentar a verdade, trabalhar pelo Brasil. Em algum momento, o país precisará escolher se continuará a agir de maneira irresponsável, com “muita cachaça e pouca oração” na acepção papal, ou se pretende corrigir equívocos que custaram, entre outros danos profundos, a vida de centenas de milhares de brasileiros.

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