Titular da CPI da Covid, o senador Otto Alencar (PSD-BA) afirmou ao Correio, que os depoimentos já tomados em um mês do colegiado e a montanha de documentos em poder do grupo reforçam as evidências de que o governo tem uma “grande responsabilidade” nas mais de 450 mil mortes provocadas pela covid-19 no país. Ele frisou, inclusive, que o presidente Jair Bolsonaro será responsabilizado, de alguma forma, por receitar medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19, incentivar a imunidade de rebanho e virar as costas para várias ofertas de vacinas ao Brasil. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Qual é o balanço que o senhor faz do primeiro mês de investigações?
Nós achávamos que, criando a CPI, se mudaria o modus operandi do Ministério da Saúde. Então, quando se chegou a 28 assinaturas — inclusive, demorou para o presidente (do Senado, Rodrigo Pacheco, do DEM-MG) instalar a CPI —, logo Bolsonaro demitiu Pazuello e colocou um médico (Marcelo Queiroga) no lugar, porque Pazuello é um general que não entende nada de epidemiologia, medicina sanitária. Covid, muito menos. As perguntas mais simples que eu fiz ele não respondeu (no depoimento à comissão). Perguntei coisas óbvias, que qualquer estudante de medicina saberia responder, do primeiro ou do segundo ano. Então, Bolsonaro colocou um médico no Ministério da Saúde. Mas ele deve ter dito para o ministro: “Olha, você faz a sua parte, eu faço a minha. Você pede para fazer isolamento físico, e eu não faço isolamento físico, eu vou aglomerar. (...) Você não vai defender hidroxicloroquina, mas eu vou”. Só que o Bolsonaro entendeu que não pode mais falar o nome hidroxicloroquina, agora ele só fala “o remédio”, porque a ação dele com a hidroxicloroquina matou muita gente no Brasil, inclusive, aqui, na Bahia.
Considera que Bolsonaro tem de ser responsabilizado por essas mortes?
Sim, porque hidroxicloroquina ser receitada pelo presidente da República para um paciente que é cardíaco, ela mata. É crime. Quem tem arritmia cardíaca, doença do coração, não pode tomar hidroxicloroquina. Um presidente da República, que teve cinquenta e tantos milhões de votos, ainda é líder. Quando ele diz que toma hidroxicloroquina, você acha que muitos não vão tomar? Aqui, na Bahia, um colega meu, médico, morreu porque tomou hidroxicloroquina. Ele não sabia que tinha arritmia. Há vários outros casos Brasil afora. O pessoal vai ter de dotar a União para pagar muita indenização, por causa da receita irresponsável do presidente da República. Então, ele poderá ser responsabilizado pela ação, por ter receitado o remédio, e por omissão, por não ter comprado vacina.
O senhor, hoje, tem certeza de que o governo optou por facilitar a transmissão do novo coronavírus para, quando a maioria da população estivesse infectada, houvesse uma imunidade coletiva, de rebanho?
Sem dúvida. Inclusive, o deputado Osmar Terra (MDB-RS), membro do “gabinete paralelo”, falou várias vezes isso. Aí a doutora Mayra Pinheiro (secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde), a Capitã Cloroquina”, nós (da CPI), durante o depoimento dela, exibimos um vídeo dela dizendo que ia acontecer a imunidade de rebanho. Depois, ela mentiu, dizendo que era apenas para crianças. (...) No vídeo, ela fez uma confissão de culpa sobre a imunidade de rebanho, que matou muita gente no Amazonas, que matou muita gente Brasil afora.
Acredita que, por causa dessa estratégia do governo, haverá ainda muitas mortes por covid-19 no país?
Se vier a terceira onda, Deus queira que não. Estou orando a Deus para não acontecer. Se vier a terceira, vai ser uma carnificina no Brasil. Nós vamos perder uma das nossas capitais, grandes capitais. Eu costumo dizer, nas minhas orações, que Deus tem de entrar na causa, Jesus tem de entrar na causa, porque o presidente da República é um negacionista. Estava lá dizendo, no Amazonas, que os índios se curaram da covid tomando um chá. É um negacionista, é um louco, totalmente destemperado.
Avalia que as pressões da CPI vão provocar uma mudança de rumo nas ações do governo na pandemia?
Eu sou independente, mas confesso aqui que há tempo para corrigir os erros, sempre há tempo para corrigir os erros. O erro do presidente é permanecer no erro. Ele podia tomar vacina, estimular a vacina. Reconhecer o erro é virtude; permanecer no erro é burrice. Eu uso sempre uma frase do pensador francês Voltaire. Ele disse: “Os homens erram, os grandes homens assumem seus erros, corrigem os seus erros”. Mas ele (presidente) não tem grandeza para corrigir os seus erros. Ele quer continuar, com o nariz empinado, na vaidade, na truculência, como ele costuma dizer: “Eu não errei nada, eu acertei tudo”. Mas, em um ponto, ele reconheceu. Por isso ele não fala mais em hidroxicloroquina, porque ele tem parte na contabilidade de mortes. Se você tiver arritmia cardíaca e tomar esse remédio, você morre. Deixa eu explicar aqui: a hidroxicloroquina aumenta o espaço entre um batimento cardíaco e o outro. Se a pessoa tiver arritmia, esse espaço triplica. Bate uma vez e não volta mais. Se você não tiver um cardioversor para dar um choque no peito, o coração não volta mais. Recomendar um medicamento desse (contra a covid-19) é crime.
Que tipos de crime o senhor imputaria a Bolsonaro?
O presidente vai ser responsabilizado, de alguma forma, por crime de ação e omissão. Nós vamos mandar o relatório para a Procuradoria-Geral da República. São o procurador-geral da República e a Câmara dos Deputados que tomam essas decisões.
A CPI aprovou novo depoimento de Pazuello. Que explicações ele precisa dar nessa oitiva?
Ele vai ser chamado, primeiro, a explicar como é que, sendo ex-ministro da Saúde, chega para a oitiva da CPI de máscara, defende máscara e, depois, vai lá para a reunião com Bolsonaro, no Rio de Janeiro, fazendo aquele papelão. Nós o chamamos de “Zé Gotinha do Bolsonaro”.
Está provado que o governo não priorizou vacinas?
O presidente tem 14 declarações contra vacina. É réu confesso. Ele não quis comprar a da Pfizer, no ano passado. Desqualificou a CoronaVac. Disse que não ia comprar a “vachina”, a “vacina do Doria” (governador de São Paulo, do PSDB, desafeto dele).
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