DIRETOR DO BUTANTAN

Confira principais pontos do depoimento de Dimas Covas à CPI da Covid

Diretor do Butantan acusa Executivo de ter ignorado oferta de compra de 60 milhões de doses da CoronaVac que poderiam ter sido entregues até dezembro e fariam o país ser o primeiro do mundo a iniciar a imunização contra a doença. Ele também desmente Pazuello

Em depoimento à CPI da Covid, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, disse que a instituição ofereceu ao Ministério da Saúde, em 30 de julho e 18 de agosto de 2020, um lote de 60 milhões de doses da CoronaVac, vacina contra o novo coronavírus, com entrega até dezembro do ano passado. De acordo com ele, o governo não mostrou interesse. O depoente também contradisse o que foi relatado à comissão, na semana passada, pelo ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, de que o presidente Jair Bolsonaro não o desautorizou a comprar o imunizante, em outubro de 2020. Segundo Covas, naquela ocasião, as declarações públicas do chefe do Executivo contra a aquisição da vacina interromperam as tratativas entre as duas partes até janeiro deste ano, quando, finalmente, o contrato de fornecimento foi assinado. “O Brasil poderia ter sido o primeiro país a iniciar a vacinação, se não fossem esses percalços”, lamentou.


Covas destacou que todas as ofertas da CoronaVac foram feitas por meio de ofícios a Pazuello. A primeira delas, em 30 de julho de 2020, foi formalizada 22 dois dias depois de o instituto paulista fechar acordo com o laboratório chinês Sinovac para a produção da vacina. Ele disse, também, que houve ofertas posteriores (veja quadro).


Em outubro, porém, Bolsonaro enfatizou, em entrevistas e nas redes sociais, que não compraria a CoronaVac, chamada por ele de “vachina”. A declaração ocorreu um dia depois de Pazuello anunciar a assinatura de um protocolo de intenção para a aquisição de 46 milhões de doses do imunizante.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI, exibiu vídeo no qual o chefe do Planalto sustentava que não compraria a CoronaVac. Na gravação, o presidente manda o recado para o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), seu desafeto político. “Ninguém vai tomar tua vacina na marra, não, tá okay? Procura outro. Eu que sou governo, o dinheiro não é meu, é do povo, não vai comprar tua vacina também. Procura outro para pagar por sua vacina aí”, afirmou, no vídeo.


Em seguida, Calheiros perguntou a Covas se as declarações do presidente prejudicaram as conversações entre o Butantan e o Ministério da Saúde. Ele respondeu positivamente. “Isso mudou a perspectiva, no próprio ministério. Quer dizer: todas as negociações que ocorriam foram suspensas”, frisou.


O relator quis saber “quantas vacinas foram retiradas dos braços dos brasileiros em função dessa demora”. Segundo Covas, em se tratando das ofertas feitas em 30 de julho e 18 de agosto do ano passado, 60 milhões de doses da CoronaVac poderiam estar sendo aplicadas desde o último trimestre de 2020. “Essa idas e vindas foram dificultando o cronograma (de entrega do imunizante)”, afirmou o diretor do Butantan.


Covas desmentiu a declaração de Pazuello de que não foi desautorizado por Bolsonaro na compra da CoronaVac. “O fato é que houve uma mudança. Nós estávamos trabalhando com todos os setores do ministério para, inclusive, encaminhar uma medida provisória para dar sustentação orçamentária aos nossos pleitos”, contou. “E, após 20 de outubro, isso foi, absolutamente, interrompido. Não houve progresso nas tratativas”, ressaltou.


Ele lamentou o fato de o contrato com o governo federal só ter sido firmado em 7 de janeiro último. “A questão da vacina não foi resolvida pelo país no ano passado. Houve, sem dúvida nenhuma, um atraso em relação às iniciativas de outros países. E aí é fácil de entender. No mercado global de vacinas, a quantidade é pequena e a demanda, enorme. Então, naquele momento, cada dia em que se esperava uma definição, obviamente havia maior dificuldade para ter vacinas”, explicou. “Infelizmente, nós temos a segunda posição em número de óbitos. Poderia ter sido amenizada, poderia, sim.”


Questionado sobre os impactos dos ataques de integrantes do governo à China, Covas respondeu que a hostilidade está por trás do atraso na remessa de insumos para que o Brasil possa produzir vacinas. “Cada declaração que ocorre aqui no Brasil repercute na imprensa da China. As pessoas da China têm um grande orgulho da contribuição que o país dá ao mundo neste momento. E, obviamente, isso reflete nas dificuldades burocráticas, que eram, normalmente, resolvidas em 15 dias e, hoje, a gente leva mais de um mês para resolver”, relatou. “Nós, que estamos na ponta, sentimos isso. A Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) também sentiu essa dificuldade. Negar isso não é possível.” 

 

Os relatos do diretor 

Veja as principais questões abordadas no depoimento de Dimas Covas: 

Investimento no estudo clínico
» A previsão era gastar em torno de R$ 100 milhões no estudo clínico da CoronaVac, iniciado em julho de 2020. “Solicitamos apoio do Ministério (da Saúde), no sentido de que permitisse a gente suportar esses gastos e também apoio para reformar uma fábrica”. O pedido foi por R$ 80 milhões. “Todas essas iniciativas não tiveram resposta positiva.”

Ofertas ficaram em resposta
» O Butantan enviou a primeira oferta ao governo federal em 30 de julho, para 60 milhões de doses até dezembro. A proposta foi repetida em agosto. Em outubro, houve outra, de 100 milhões de doses até maio. “Poderíamos ter começado antes, seguramente, se houvesse uma agilidade maior de todos esses atores, se tivéssemos trabalhado em conjunto, o que seria absolutamente normal.”

A interferência de Bolsonaro
» O ex-ministro Eduardo Pazuello tratava a CoronaVac como “a vacina do Brasil”. Em 20 de outubro, reuniu-se com o então titular da Saúde e com governadores e parlamentares. “Saímos de lá muito satisfeitos com a evolução dessas tratativas. E aí, no outro dia de manhã, as conversações não prosseguiram, porque houve uma manifestação do presidente da República, naquele momento, dizendo que a vacina não seria, de fato, incorporada.” Depois disso, as negociações foram interrompidas. Só retornaram em janeiro, quando o contrato foi assinado.

Dificuldades para desenvolver vacina
» Sem um contrato com o Ministério da Saúde, “único cliente” do Butantan, o instituto caminhava em uma onda de “incerteza em termos financeiros”. “Isso não foi motivo para nós interrompermos o desenvolvimento da vacina, mas já com algumas dificuldades”. Para subsidiar, uma hipótese era a venda direta para os estados. “Na realidade, 17 estados fizeram termos de intenção de aquisição de vacinas” para o caso de não haver incorporação do imunizante no PNI.

Brasil poderia ser primeiro a vacinar
» A vacinação contra a covid-19 começou, no mundo, em 8 de dezembro de 2020, mês em que foram aplicadas cerca de 4 milhões de doses. “E nós tínhamos, no Butantan, 5,5 milhões de doses prontas e mais 4 milhões em processamento (…). E eu, muitas vezes, declarei que o Brasil poderia ser o primeiro país do mundo a começar a vacinação, não fossem os percalços que nós tínhamos de enfrentar durante esse período, tanto do ponto de vista do contrato como do ponto de vista regulatório.”

Recrutamento de voluntários
» Pelos ataques à vacina, em outubro, o Butantan encontrou dificuldade em recrutar voluntários para o estudo. “As pessoas não se voluntariavam na medida em que faziam antes (em razão) de todos esses ataques que foram desferidos.” A percepção pública mudou depois da introdução do imunizante. “Hoje, as vacinas são consideradas importantíssimas por mais de 80% da população. E isso, lá no ano passado, não era assim.”

Ataques à China criam entraves
» A analogia é de que o Brasil é o vizinho “malcomportado” e que, por isso, não é convidado para a festa de fim de ano do condomínio. “Cada declaração que ocorre, aqui no Brasil, repercute na imprensa da China. As pessoas da China têm grande orgulho da contribuição que o país dá ao mundo neste momento. Então, obviamente, isso se reflete nas dificuldades burocráticas, que eram normalmente resolvidas em 15 dias e, hoje, demoram mais de mês para serem resolvidas.”

Embaixador chinês alerta
» Em reunião com os ministros Paulo Guedes (Economia), Marcelo Queiroga (Saúde) e Carlos França (Relações Exteriores), o embaixador da China no Brasil, Wanming Yang, “deixou muito claro naquele momento: posições antagônicas que desmerecem a China causam inconformismo do lado chinês”.

Sem apoio ButanVac
» Não há qualquer apoio ao Instituto Butantan para que proceda o desenvolvimento, a aprovação e a fabricação da ButanVac. “O ministério tem conhecimento do projeto. Eu apresentei — eu, pessoalmente — ao ministro Queiroga, ele visitou as instalações, mas não há nenhuma tratativa, no momento, nesse sentido”. Não houve, por sua vez, pedido formal de apoio financeiro. 

 

Ofertas à União 

Confira os oferecimentos de vacinas contra covid-19 feitos pelo Butantan ao governo federal, mas que
não foram aceitas*: 

» 30 de julho
60 milhões de doses a serem entregues até dezembro de 2020

» 18 de agosto
Mesma oferta: 60 milhões de doses a serem entregues até dezembro de 2020 

» 7 de outubro
100 milhões de doses:
45 milhões até dezembro de 2020
15 milhões até fevereiro de 2021
40 milhões até maio de 2021 


ACORDOS FECHADOS
7 de janeiro
Contrato assinado para 46 milhões de doses 

15 de fevereiro
Contrato assinado para 54 milhões de doses 

 

*Em dezembro de 2020, o Butantan tinha 5,5 milhões de doses prontas importadas da China e 4 milhões de doses em produção.