O governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), foi alvo de uma ação da Polícia Federal ontem. A operação, batizada de Sangria, apura eventuais irregularidades na contratação de um hospital de campanha em Manaus para atender pacientes infectados com covid-19. Agentes cumpriram mandados de busca e apreensão na casa do político, que também teve derrubados os seus sigilos bancário e fiscal. Além disso, a corporação prendeu o secretário de Saúde do estado, Marcellus Campêlo, suspeito de participar do esquema.
Segundo as investigações da PF, há indícios de que funcionários do alto escalão da Secretaria de Saúde do Amazonas realizaram contratação fraudulenta para favorecer um grupo de empresários locais. As irregularidades envolvem os contratos do hospital de campanha nas áreas de conservação e limpeza, lavanderia hospitalar e diagnóstico por imagem. Durante a ação policial, o empresário Nilton Costa Lins Júnior, que administra o hospital, recebeu os agentes da corporação a tiros (leia na matéria abaixo). Ele também foi preso.
Ao todo, a PF cumpriu 19 mandados de busca e apreensão e seis de prisão temporária. Ainda houve o sequestro de bens e valores que somavam cerca de R$ 23 milhões. A operação foi realizada em Manaus e Porto Alegre mediante a autorização do ministro Francisco Falcão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Ao permitir a ação policial, o magistrado ponderou que “há indícios no sentido de que o processo de dispensa de licitação tenha sido montado e datado de forma retroativa para dar ares de legalidade” à escolha do hospital administrado por Nilton Costa Lins Júnior.
Falcão ainda destacou que o governador amazonense sempre acompanhou pessoalmente as questões relacionadas à execução do contrato. “A atuação dos agentes públicos, dentre eles o principal gestor da unidade da Federação, afronta os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Os crimes estão ligados ao exercício funcional, praticado pelo desempenho de cargos e com abuso deles, causando enorme prejuízo à sociedade amazonense”, destacou o ministro do STJ. Ele apontou fraude em licitação, associação criminosa, desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro como os possíveis delitos cometidos por Wilson Lima.
Em 2020, o governador já havia sido alvo de uma operação da PF por suspeitas de desvios na compra de respiradores, com dispensa de licitação. Na época, a secretária de Saúde do estado, Simone Papaiz, foi presa temporariamente. Segundo a corporação, os aparelhos foram adquiridos em uma loja de vinhos. Os indícios de crime por parte do político foram reforçados com a nova ação policial de ontem, destacou Falcão.
“O que é mais impressionante, a atuação criminosa não cessou mesmo após a intensa e frequente atuação dos órgãos de persecução criminal no combate aos delitos praticados durante a pandemia de covid-19, no ano de 2020”, ressaltou o ministro. “O esquema criminoso perdura ainda no ano de 2021, demonstrando a contemporaneidade dos fatos apurados.”
Defesa
Por meio de nota, o governo amazonense informou que é de total interesse do estado que os fatos relacionados às investigações em curso sejam esclarecidos. O comunicado diz que, desde o início da pandemia, a gestão de Wilson Lima “está voltada a preservar a saúde do povo do Amazonas e a salvar vidas, tendo determinado aos gestores estaduais que empreguem todos os esforços possíveis com esse objetivo, sempre pautando as ações públicas pelos princípios da legalidade e da transparência”.
“Dessa forma, todos os investimentos feitos pelo estado no enfrentamento da pandemia têm obedecido aos trâmites legais de contratação de bens e serviços, sendo acompanhados de perto, inclusive, pelos órgãos de controle e também com prestação de contas sobre os gastos rigorosamente detalhados no Portal da Transparência”, destaca a nota.
O informe também ressaltou que “o governador se mantém à disposição das autoridades competentes para esclarecimentos sobre as ações de seu governo e reitera que está convicto de que não cometeu qualquer ilegalidade e que confia na Justiça”.
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CPI antecipa depoimento
O presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM), alterou a agenda de depoimentos, antecipando a oitiva do governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), para a próxima semana, dia 10. Na data, seria ouvido Marcos Arnoud, conhecido como Markinhos Show, ex-assessor especial do Ministério da Saúde, que deixou a pasta após a saída do general Eduardo Pazuello.
Wilson Lima prestaria depoimento em 29 de junho mas, no início da sessão do colegiado, ontem, o senador da base governista Marcos Rogério (DEM-RO) pediu para que a oitiva fosse antecipada, em razão da operação deflagrada, ontem, pela Polícia Federal contra o governador. “Faço um apelo a Vossa Excelência: que comunique o governador do estado do Amazonas e o convoque para estar aqui na próxima semana, na terça ou na quarta-feira”, afirmou Marcos Rogério. Para reforçar o pedido, o parlamentar lembrou que Aziz alterou, na terça-feira, a data de alguns depoimentos. O presidente da CPI, então, acatou a solicitação de Marcos Rogério e anunciou a mudança da agenda.
Mais cedo, o presidente Jair Bolsonaro fez críticas a Omar Aziz e ao relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL). “A CPI dos patifões, o presidente e o relator, que já falaram que não vão apurar desvios de recursos”, declarou. “Quem conhece quem é Omar Aziz, quem é Renan Calheiros, não precisa falar mais nada”, acrescentou ele para apoiadores.
Em resposta, Renan Calheiros disse: “Vindo da parte do presidente da República contra mim, qualquer declaração, eu a recebo desde logo como elogio”. Já Omar Aziz declarou: “Não se preocupe, que nós estamos fazendo o nosso trabalho. Faça o seu, se preocupe com o seu”.
Agentes recebidos a tiros
Empresário alvo da quarta fase da Operação Sangria em Manaus, Nilton Costa Lins Junior recebeu a Polícia Federal (PF) a tiros na manhã de ontem, durante cumprimento de mandados em sua residência no bairro Flores, em Manaus. O proprietário do Hospital Nilton Lins, usado como hospital de campanha pelo governo do Amazonas para receber pacientes com covid-19, foi alvo de busca e apreensão e de uma ordem de prisão temporária.
Ninguém ficou ferido, e o mandado de detenção contra o empresário foi cumprido. Ele é da família das gêmeas Gabrielle e Isabelle Kirk Lins, investigadas por suspeita de furar a fila da vacinação contra a covid-19 no Amazonas.
Sobre o incidente, o advogado da família de Nilton Lins argumentou que foi um tiro para cima, como sinal de advertência, disparado porque a família foi alvo de um assalto em outubro do ano passado. Na época, bandidos fizeram a família refém, e o empresário pensou que se tratava de novo assalto a sua casa.
O caso foi comentado pela subprocuradora da República Lindôra Maria Araújo, em sessão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) realizada ontem. Entre os processos em pauta na Corte Especial do STJ estava uma das duas denúncias apresentadas contra o governador do Amazonas, Wilson Lima, por irregularidades na compra de respiradores para tratar pacientes infectados pelo novo coronavírus, mas o caso foi retirado de pauta.
“Teve um incidente bastante sério, em razão de ter sido um mandado de busca do ministro Francisco Falcão, que é o relator, e a Polícia Federal foi recebida a tiros pelo filho do Nilton Lins. Foi uma situação bastante constrangedora e perigosa”, enfatizou Lindôra. “É a primeira vez que vejo, em 30 anos, alguém receber a tiros uma operação de busca e apreensão. Achei por bem comunicar à Corte. Foi uma situação muito sui generis, nunca tinha visto acontecer”, acrescentou.
O presidente do STJ, ministro Humberto Martins, disse lamentar a situação e afirmou que “providências serão tomadas de forma rígida, porque as questões que envolvem matéria penal devem ser resolvidas no campo dos recursos necessários, estabelecidos pela lei e pela Constituição”. “Nós estamos na época do regime democrático de direito”, registrou.