A submissão do comandante do Exército ao presidente da República em matéria de economia interna da Força, e sua recusa em aplicar uma penalidade simbólica a um general da ativa que participou ostensivamente de manifestação política-eleitoral, é um evento muito importante e de consequências que ainda não podemos prever. A conduta do general foi inequívoca, e inequívocas são as disposições do código disciplinar, não havendo, portanto, qualquer dúvida sobre as razões deste julgamento. O comandante do Exército tomou uma atitude política.
Desde a proclamação da República, as intervenções militares na política brasileira tem sido mais a regra do que a exceção. Nesse ponto, compartilhamos o mesmo destino de quase todos os países latino-americanos, para não dizer da maioria dos países subdesenvolvidos. Quaisquer que sejam os motivos para essas intervenções, o fato é que elas nunca resolveram os verdadeiros problemas do país. Sempre enfraqueceram a democracia e corromperam o poder civil.
Seria injusto afirmar que os militares no Brasil decidiram sempre sozinhos quando e como intervir. Na maioria das vezes, foram instigados por políticos civis com dificuldades de chegar ao poder por meio do voto democrático. Nesse sentido, a ação militar quase sempre tem origem na política civil. Olhando em retrospecto, constato que, ao longo de toda a minha vida, os militares ou estiveram no poder ou foram uma sombra sempre presente para interferir no livre funcionamento da vida democrática. O quadro somente se modificou após a Constituição de 1988, que nos garantiu mais de 30 anos de hegemonia incontestada do poder civil.
O grau de interferência militar na vida política tem alta correlação com o nível de prosperidade e de civilização dos países. Nos Estados Unidos, nos meses finais do governo Trump, o mais alto chefe militar na hierarquia esteve presente passivamente num ato político do presidente nos jardins da Casa Branca. Imediatamente, ele emitiu uma nota desculpando-se com a nação e afirmando com todas as letras que não deveria estar ali.
Tenho temor de que, em muitos aspectos, o Brasil está próximo de reviver situações do passado que julgávamos sepultadas para sempre. Essa fuga em direção ao passado vem assombrando muitas nações ultimamente e são um sintoma universal de um mal-estar com a evolução cultural e a civilização, com o qual não podemos nos associar. O Brasil tem vocação para ser contemporâneo do futuro e não merece semelhante destino, pois a nostalgia é um dos piores sentimentos que podem alimentar a ação política. Apesar dos últimos malogros e das ameaças que rondam o horizonte, o Brasil ainda é um país com possibilidades quase infinitas. Basta apenas não ter medo da mudança e do progresso com todas as suas faces.
No presente, estamos vivendo um dos piores momentos de nossa história. Desde 2014, a economia não cresce e aumentam o desemprego e a pobreza. Se as previsões se confirmarem, somente em 2023 voltaremos ao nível de renda de 2011, enquanto o resto do mundo seguiu crescendo. Este quadro só pode ser enfrentado e vencido por meio da política democrática. A divisão da sociedade e a polarização política só servem aos maus brasileiros, que olham o Estado como fonte de poder e de riqueza pessoal.
O governo se afasta cada vez mais do que temos de melhor em nossa história e em nossa sociedade. Ao militarizar as áreas mais civis do governo, como o Ministério da Saúde, a Casa Civil, a Petrobras e tantos outros setores, além de buscar envolver as Forças Armadas no seu dispositivo político, o atual governo parece estar a caminho de um divórcio litigioso com a nação.
Até a pouco tempo, os comandantes militares e o ministro da Defesa demarcaram com firmeza o espaço entre o governo, a política e as instituições militares. Foram todos demitidos sem explicação. O que vem pela frente tornou-se agora claro para quem quer enxergar. Se o poder civil permanecer calado e submisso, como tem estado, a democracia brasileira pode não sobreviver. E com ela, todos os nossos sonhos.
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