OBITUÁRIO

Mozart Vianna, o discreto conselheiro

Ex-secretário-geral da Mesa da Câmara era admirado pela gentileza, precisão e profundidade do conhecimento que tinha do complexo processo legislativo

Augusto Fernandes Luiz Calcagno
postado em 08/06/2021 00:03
 (crédito: Carlos Moura/CB/D.A Press - 14/9/05)
(crédito: Carlos Moura/CB/D.A Press - 14/9/05)

Mineiro natural de Corinto, destinado a ser padre, ficou dos 10 aos 18 anos em um seminário franciscano. Mas tornou-se o conselheiro favorito dos presidentes da Câmara dos Deputados e um símbolo de dedicação ao serviço da Casa. Este era Mozart Vianna, ex-secretário-geral da Mesa da Câmara, que morreu ontem, aos 69 anos. “Doutor Mozart”, como era carinhosamente chamado nos corredores do Congresso, dedicou 40 anos da sua vida ao serviço público.

Mozart começou a trabalhar na Câmara como datilógrafo, em 1975, após ser aprovado em concurso público. Nove anos depois, assumiu o cargo de secretário da Comissão de Redação. Com a instalação da Assembleia Nacional Constituinte, em 1987, ingressou na Secretaria-Geral da Mesa, onde começou coordenando uma equipe de 150 funcionários — que trabalhou desde a preparação do regimento interno até a redação final do Projeto de Constituição.

Graduado em letras pelo Uniceub, em 1976, assumiu o posto de secretário-geral da Mesa da Câmara, em 1991. Apesar de ter se aposentado como servidor público em 2000, continuou à frente da SGM até 2011, quando fez uma pausa. Depois de dois anos, voltou a exercer o cargo, até se aposentar de vez, em 2015. Assessorou 11 presidentes da Câmara: Ibsen Pinheiro, Inocêncio de Oliveira, Luís Eduardo Magalhães, Michel Temer (por três vezes), Aécio Neves, Efraim Morais, João Paulo Cunha, Severino Cavalcanti, Aldo Rebelo, Arlindo Chinaglia e Henrique Eduardo Alves.

O amplo conhecimento das normas do parlamento, além da imparcialidade, foi fundamental para que Mozart permanecesse 24 anos como secretário-geral da Mesa, auxiliando os presidentes dentro e fora do plenário. Não à toa, ganhou o título de “pai do regimento interno”, algo de que se orgulhava. Em uma entrevista à Câmara, em 2017, Mozart destacou que “em um ambiente político, um erro pode gerar um problema. Requer-se muita atenção”.

Sobre o Congresso, sempre tão criticado pela sociedade, Mozart assim o definiu. “Com todos os seus problemas, sem um Congresso funcionando livremente, não temos democracia. A democracia sem o Congresso Nacional funcionando, ou funcionando sob censura, não é democracia, não existe”.

Parlamentares publicaram notas de pesar, como o ex-presidente Michel Temer. “Como secretário-geral da Câmara, doutor Mozart prestou relevantes serviços a mim, ao Congresso e ao Brasil”. O senador José Serra (PSDB-SP) destacou o profissionalismo. “Mais uma dura perda. Servidor público exemplar, reconhecido e respeitado por todos, o pai do regimento naquela Casa”.

O deputado Carlos Zarattini (PT-SP) destacou a competência de Mozart. “Sua competência e dedicação serão sempre fontes de inspiração. Mozart deixa um grande legado”, afirmou. A deputada Bia Kicis (PSL-DF) lastimou: “Mozart era querido e respeitado por todos em todos os lugares por onde passou”, destacou. O ex-deputado Henrique Eduardo Alves registrou: “perdi um amigo de uma vida toda. Quando assumi, pedi que voltasse. Voltou comigo. Na sua humildade, foi um grande protagonista da vida nacional. Gratidão”.

Do ex-deputado Roberto Freire: “Um servidor público de respeito. Com ele convivi na Câmara por décadas de trabalho sério e respeitado. Um homem gentil”, anotou. O deputado Bismarck Viana (PDT-CE) salientou a generosidade de Mozart e que “muito me inspirou desde quando percebi a importância do parlamento como instrumento de mudanças para nossa sociedade”.


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O Pelé do regimento

Mozart Vianna ou, simplesmente, “Doutor Mozart”, participou de praticamente todas as decisões importantes da Câmara nos mais de 20 anos em que atuou como secretário-geral da Mesa de 12 presidentes. Sua morte, ontem, deixou todos atônitos e fez muitos pararem para pensar no legado que ele deixou com seu trabalho na Casa. Muito do que se tem de processo legislativo se deve à competência e simplicidade com que atuou no cargo de aconselhamento dos presidentes e resolução de conflitos. É dele, por exemplo, a formatação das medidas provisórias trancarem a pauta da Câmara, deixando passar na frente delas propostas de emenda constitucional e leis complementares.

Disciplinado, lia todos os jornais ou resumos das notícias sobre as votações da Câmara e debates políticos, como instrumento de trabalho, para tentar se antecipar ao que poderia gerar problema no plenário. Assim, adiantava análises regimentais do que poderia gerar conflito na hora de votação. Considerava a tarefa diária de estar “antenado” um dos segredos de seu trabalho. Às vezes, até os telefonemas que nós, jornalistas, trocávamos com ele com uma pergunta ou outra, ele se saía com esta: “Sabia que você perguntaria isso e já preparei a resposta”. Se era assim com a imprensa, imagine você, leitor, com as excelências.

Mozart não deixava de retornar uma ligação e tinha uma qualidade que vale ouro no relacionamento político, confiança, e de sempre dizer, com toda elegância e jeito, o que pensava: se o interlocutor não gostasse, paciência. Era funcionário concursado e seus pareceres apresentavam sempre a melhor solução para o Parlamento, e não apenas o desejo do presidente de plantão a cada biênio. Foi assim, por exemplo, quando Severino Cavalcanti, sob o risco de ser cassado, ouviu de Mozart o veredicto: “Se o senhor for para o plenário, o senhor corre o sério risco de ter o mandato cassado. O senhor não tem muita chance, não”. Severino, então, renunciou. Aliás, foi Severino quem mandou colocar uma cadeira ao lado do presidente, no plenário, para que o secretário-geral da Mesa pudesse trabalhar sentado. Até 2005, ano em que Severino assumiu, o trabalho era de pé, ao lado do presidente, durante toda a sessão. Talvez essa cadeira tenha sido o maior legado de Severino, afastado da Presidência da Câmara, em setembro daquele mesmo ano, sob suspeita de receber “mensalinho” de um prestador de serviços da Casa.

Quanto ao legado de Mozart, todos aqueles que ocupam e que ocuparão a Secretaria-Geral da Mesa Diretora da Câmara estudam hoje com afinco. Especialmente, tem de estar sempre “antenado” e tentar se antecipar aos problemas que, invariavelmente, surgem nas votações. Afinal, ninguém permanece tanto tempo num cargo importante se não for disciplinado, estudioso, leal e tocar com maestria o conjunto de servidores daquela área, o sistema nervoso do plenário.

Assim como o futebol brasileiro tem em Pelé o maior craque, a Secretaria-Geral da Mesa da Câmara tem Mozart Vianna. Sua dedicação sempre será digna de todas as homenagens.

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