DEPOIMENTO

Em depoimento, ex-secretário do MS culpa a Pfizer por atraso de vacina

Élcio Franco diz que "cláusulas draconianas" da empresa atrasaram a aquisição de imunizante. Diretor da farmacêutica, porém, já negou excessos

Luiz Calcagno
Sarah Teófilo
Bruna Lima
postado em 10/06/2021 06:00
Élcio Franco também negou a existência de um gabinete paralelo para auxiliar Bolsonaro na pandemia -  (crédito: Edilson Rodrigues)
Élcio Franco também negou a existência de um gabinete paralelo para auxiliar Bolsonaro na pandemia - (crédito: Edilson Rodrigues)

Em depoimento à CPI da Covid, o ex-secretário executivo do Ministério da Saúde Élcio Franco creditou a cláusulas “draconianas” a demorar em firmar contrato com a Pfizer para a compra de vacinas, que seriam entregues ao Brasil ainda em dezembro de 2020. “Em um primeiro momento, ela (a farmacêutica) não garantia o sucesso no desenvolvimento da vacina e exigia a assinatura do contrato 30 dias após, ou seja, era um memorando de entendimentos vinculante, que nos obrigaria a pagar adiantado, sem a garantia sequer do sucesso no desenvolvimento da vacina”, afirmou.

O ex-secretário chegou a dizer que a países pobres, a Pfizer propôs cláusulas que não constavam em contrato como o firmado pelos Estados Unidos. “Parece-nos que ela queria se isentar da responsabilidade sobre o efeito colateral grave. Nem ela confiava no que estava oferecendo para a gente”, argumentou. No entanto, também em depoimento à comissão, o CEO da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, enfatizou que as cláusulas estabelecidas ao Brasil pela farmacêutica foram as mesmas aceitas por 110 países.

Franco também alegou que a demora em firmar o contrato ocorreu por causa de um ataque hacker à pasta. “O ministério, assim como o Superior Tribunal de Justiça e o governo do Distrito Federal, sofreu um ataque de vírus. Minha caixa de e-mails ficou inoperante, e de todo o ministério”, destacou. Segundo ele, a falha ocorreu entre 5 e 12 de novembro e frustrou a resposta de uma das propostas da farmacêutica.

A declaração foi uma resposta ao relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL). O parlamentar citou que a Pfizer forneceu informações revelando “que o governo federal não respondeu formalmente às propostas formuladas pela empresa a partir de agosto de 2020 para o fornecimento de vacina ao Brasil”.
O ex-secretário admitiu, no entanto, que o suposto problema técnico não foi o único responsável pela falta de respostas. Segundo o coronel, a farmacêutica “era muito redundante” ao emitir “por cinco vezes, um e-mail com o mesmo teor, quatro vezes no mesmo dia”. O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) rebateu: “Sabe por que a Pfizer mandava quatro, cinco e-mails? Porque não tinha respostas. Foram 81 e-mails, e o Estado brasileiro negando vacina nos braços dos brasileiros”, criticou.

Gabinete paralelo

A existência de um gabinete paralelo de assessoramento ao presidente Jair Bolsonaro no enfrentamento à covid-19, uma das frentes de investigação da CPI, foi negada por Franco. “Que eu tenha conhecimento, esse grupo não teve ação sobre a gestão do ministério ou das suas secretarias finalísticas”, disse, ao ser questionado por Calheiros. “Eu não sei o que o gabinete, esse gabinete que o senhor chama de paralelo, tratava. Isso não chegava ao ministério”, ressaltou.

Na última semana, veio à tona um vídeo, gravado em setembro do ano passado, mostrando Bolsonaro numa audiência no Planalto com o grupo Médicos pela Vida e na presença de outras figuras, como o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), tido como um dos integrantes do gabinete paralelo.
Em determinado momento, Terra é chamado de “padrinho” por um dos presentes. Ele também foi chamado pelo chefe do Planalto de “assessor”.

Perguntado se esteve com a médica Nise Yamaguchi, defensora do uso da hidroxicloroquina contra covid-19 e apontada como integrante do grupo, Franco disse que teve contato com ela uma ou duas vezes no Ministério da Saúde e que a orientou a tratar do assunto no Ministério da Ciência e Tecnologia.

O que disse o ex-secretário

Transferência tecnológica

» Disse que o contrato com a Oxford era mais vantajoso, pois, mesmo que houvesse insucesso, a Fiocruz teria novas tecnologias para seguir com os estudos. “Poderia haver insucesso? Sim, mas, durante esse desenvolvimento tecnológico, a Fiocruz ampliou a sua estrutura de produção de vacinas, adquiriu equipamentos e assimilou uma nova tecnologia de vetor viral não replicante para a produção”, destacou. “Essa nova tecnologia poderia continuar sendo estudada até que se conseguisse desenvolver a vacina. E também ela permite a adequação da vacina a novas variantes.”

Negociações com Butantan
» Insistiu que, embora Bolsonaro tenha mandado suspender as negociações com o Butantan, em outubro de 2020, pela CoronaVac, as tratativas continuaram. “Essas negociações não foram canceladas. Se mantiveram (...) Não houve cancelamento, e houve uma divulgação pública de que as vacinas seriam adquiridas desde que comprovada a segurança da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)”. Mas o diretor do instituto, Dimas Covas, afirmou, à CPI, que houve, sim, interrupção das conversas por dois meses.

Exigências da Pfizer
» Criticou as exigências da Pfizer para negociar o imunizante com o Brasil. “Nós propusemos, pelo Ministério da Saúde, uma minuta de medida provisória que atenderia às demandas da Pfizer e da Janssen e houve uma falta de consenso entre as consultorias jurídicas dos ministérios que estavam participando da discussão sobre de quem deveria partir a iniciativa, uma vez que deveria ser convertida em lei. Dessa forma, esses artigos ou parágrafos foram retirados da medida provisória.”

Produção de cloroquina
» Afirmou que o governo não comprou cloroquina para tratamento do novo coronavírus. “Durante a nossa gestão, não ocorreu a aquisição de cloroquina para o ano de 2020 voltada ao combate à covid-19. Porém, identificamos que, para atender ao programa antimalária do primeiro semestre deste ano, em 30 de abril de 2020, foi assinado um termo aditivo ao TED com a Fiocruz, no valor de R$ 50 mil, visando à aquisição desse fármaco para entrega posterior. Enfatizo que é para o programa antimalária”, destacou. Documentos enviados pelo Ministério da Defesa à CPI, porém, mostram que o Exército produziu 12 vezes mais cloroquina em 2020 do que nos anos anteriores.

Gabinete das sombras
» Sustentou desconhecer a existência de um gabinete paralelo que municiava Bolsonaro com informações negacionistas no combate à pandemia. “Que eu tenha conhecimento, esse grupo não teve ação sobre a gestão do ministério ou das suas secretarias finalísticas. (...) Eu não sei o que o gabinete, esse gabinete paralelo tratava. Isso não chegava ao ministério.”

Crise do oxigênio
» Apresentou uma data diferente da declarada pelo ex-ministro Eduardo Pazuello sobre quando o governo foi alertado a respeito da crise do oxigênio em Manaus. O general disse ter tomado conhecimento em 10 de janeiro, e depoente citou que ocorreu três dias antes. “Com relação ao oxigênio, dentro da nossa operação de reforço, todas as nossas demandas foram atendidas com 24 horas da oportunidade da demanda. Então, inicialmente, o ministro da Saúde recebeu uma ligação, na noite de 7 de janeiro, do secretário Estadual de Saúde, em que solicitava um apoio logístico no transporte de cilindros de Belém para Manaus. E ele foi providenciado com o apoio da Força Aérea Brasileira, Ministério da Defesa. O ministro solicitou o apoio do Ministério da Defesa e do Comando Conjunto do Amazonas. Esses cilindros chegaram no dia 8.”

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