INVESTIGAÇÃO

CPI aprova devassa em dados de Pazuello, Araújo e mais 17 pessoas

CPI da Covid aprova a quebra de sigilo telefônico e de mensagens de Eduardo Pazuello, Ernesto Araújo e integrantes do gabinete paralelo. Comissão também vai avaliar pessoas e empresas que tinham interesse financeiro na indicação de medicamentos ineficazes contra a doença

Sarah Teófilo
Bruna Lima
postado em 11/06/2021 06:00
Os ex-ministros Eduardo Pazuello e Ernesto Araújo estão na mira dos senadores da comissão, principalmente por causa da demora na compra de vacinas contra a covid-19 -  (crédito: Edilson Rodrigues)
Os ex-ministros Eduardo Pazuello e Ernesto Araújo estão na mira dos senadores da comissão, principalmente por causa da demora na compra de vacinas contra a covid-19 - (crédito: Edilson Rodrigues)

A CPI da Covid aprovou, ontem, a quebra de sigilo telefônico e telemático de 19 pessoas, entre elas do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e do ex-ministro de Relações Exteriores Ernesto Araújo. A iniciativa atinge, ainda, personagens que os senadores suspeitam de integrar o chamado gabinete paralelo, como o assessor internacional da Presidência da República, Filipe Martins, o empresário Carlos Wizard e o virologista Paolo Zanotto.

As questões fazem parte da nova estratégia do G7, grupo de senadores de oposição ou independentes do governo que são titulares na CPI. A ideia é começar a “seguir o dinheiro”, agora que já se tem muitos elementos apontando a existência do chamado “gabinete paralelo”, que supostamente abastecia o presidente Jair Bolsonaro com informações refutadas pela comunidade científica, como uso de medicamentos ineficazes contra a covid-19.

A intenção dos parlamentares é observar se havia interesse financeiro na indicação dos medicamentos e quem pode ter se beneficiado. Por isso, são alvo dos requerimentos de quebras de sigilo bancário empresas publicitárias e de comunicação, além de associações e movimentos que fizeram defesa da cloroquina.

É o caso do Movimento Médicos pela Vida (ou Associação Dignidade Médica de Pernambuco), em que integrantes aparecem num vídeo, divulgado nas redes sociais do presidente — resgatado na última semana —, durante audiência com Bolsonaro. No encontro, reforça-se o uso da cloroquina no combate à covid-19 e prega-se cautela com vacinas. O vídeo seria mais um indício da existência do assessoramento paralelo.

Outro atingido é o ex-assessor especial do Ministério da Saúde, o advogado criminalista Zoser Hardman, que atuou com Pazuello desde que assumiu a pasta como interino até a exoneração do general, neste ano. Segundo parlamentares, Hardman, conhecido por ter atuado na defesa de milicianos no Rio de Janeiro, participou das negociações com a Pfizer para aquisição de vacinas. O nome dele aparece em trocas de e-mail, segundo o senador Alessandro Vieira (sem partido-SE).

Além disso, ele também atuou nas negociações com a Janssen e com o Instituto Butantan, algo que foi confirmado pelo ex-secretário-executivo do ministério Elcio Franco, em depoimento à CPI. Os senadores querem entender o motivo pelo qual um advogado criminalista se envolveu nas negociações de contratos das vacinas no lugar de um representante da Advocacia-Geral da União (AGU).

De acordo com o senador Rogério Carvalho (PT-SE), quebras de sigilo vão permitir à CPI obter mais informações sobre o gabinete paralelo formado em torno do presidente e que “transformou a cloroquina num meio de controle sanitário”. “Os sigilos caminham na direção de saber de que maneira o governo trabalhou e caminhou para montar uma rede de funcionamento para atender o seu interesse”, frisou.

Confusão

A questão provocou discussão ontem. O senador Marcos Rogério (DEM-RO), da tropa de choque do governo, tentou evitar a votação. Ele argumentou que “a eventual quebra do sigilo tem de atender ao princípio da razoabilidade, uma vez que se trata de uma exceção do rompimento de um direito fundamental do cidadão”. “Requerimentos de quebra de sigilo de quem não foi sequer ouvido nesta CPI, de quem nem sequer é investigado, contra quem não pesa qualquer acusação de recebimento de vantagem indevida... Não é o caso de se flexibilizar um direito constitucional sagrado a todo cidadão brasileiro”, ressaltou.

Alessandro Vieira e Fabiano Contarato (Rede-ES) rebateram Marcos Rogério. “Nós estamos aqui tratando de interesse público. Temos de lembrar que a CPI equivale a uma comissão judicial. Basta que o requerimento seja fundamentado, passível a quebra do sigilo”, disse Contarato.

Vieira, por sua vez, ressaltou que “cada pedido está devidamente fundamentado e individualizado”. “Não existe nenhum pedido de quebra genérica, nada que se conecte, mesmo que remotamente, às restrições já impostas pela Suprema Corte”, sustentou. O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), destacou que “se houver qualquer excesso, as partes interessadas têm o direito de recorrer ao Judiciário”.

Lista de alvos

Veja quem são as pessoas que tiveram aprovada a quebra de sigilo telefônico e telemático

Ministério da Saúde

» Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde
Apontado como um dos responsáveis pelo atraso na compra de vacinas e por ter demorado a reagir diante da crise de oxigênio em Manaus
» Zoser Hardman, ex-assessor especial do Ministério da Saúde
Apontado como um dos interlocutores nas negociações com a Pfizer
» Hélio Angotti Neto, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde do Ministério da Saúde
» Francieli Fontana Fantinato, coordenadora do Programa Nacional de Imunização (PNI)
» Flávio Werneck, ex-assessor de Relações Internacionais do Ministério da Saúde
» Elcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde e assessor especial da Casa Civil
» Camile Giaretta Sachetti, ex-diretora do Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde
» Arnaldo Correia de Medeiros, secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde

Gabinete paralelo

» Filipe Martins, assessor internacional da Presidência da República
Apontado como suspeito de integrar o gabinete paralelo
» Carlos Wizard, empresário
Atuou por um mês assessorando Pazuello, de forma pro bono, sendo apontado como suspeito de integrar o gabinete paralelo
» Paolo Zanotto, virologista
Apontado como suspeito de integrar o gabinete paralelo. Aparece em vídeo de audiência com Bolsonaro propondo a criação de um “shadow cabinet” (gabinete das sombras)

Estudo paralelo

» Alexandre Figueiredo Costa e Silva Marques, auditor do Tribunal de Contas da União (TCU)
Autor de um estudo paralelo no qual afirma que metade das mortes creditadas à covid-19 não ocorreu por causa da doença.

Crise de oxigênio

» Marcellus Campêlo, ex-secretário de Saúde do Amazonas
Exercia o cargo durante o período da crise de oxigênio em Manaus
» Francisco Ferreira Filho, coordenador do Comitê da Crise do Amazonas

Cloroquina

» Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde
Divulgadora do uso de hidroxicloroquina e outros medicamentos ineficazes contra covid-19
» Luciano Dias Azevedo, tenente-médico
Apontado como autor da minuta de um decreto que autorizava o uso de cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina no SUS para pacientes com covid-19. A ideia era facilitar o acesso ao medicamento

Laboratórios

» Túlio Silveira, representante da Precisa Medicamentos, parceira da Bharat Biotech, desenvolvedora da vacina indiana Covaxin
» Francisco Emerson Maximiano, sócio da Precisa Medicamentos

Vacinas

» Ernesto Araújo, ex-ministro das Relações Exteriores
Apontado como negligente para conseguir vacinas e insumos para o Brasil

Aprovada a transferência do sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático

» Empresa PPR – Profissionais de Publicidade Reunidos
» Calya/Y2 Propaganda e Marketing
» Artplan Comunicação
Aprovada transferência do sigilo de dados fiscais e bancários
» Associação Dignidade Médica de Pernambuco, que é o Movimento Médicos pela Vida

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CPI vai insistir para ouvir governadores

A advocacia do Senado vai recorrer da decisão da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), que permitiu ao governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), não comparecer ao depoimento marcado para ontem na CPI da Covid. “Respeitamos a decisão da ministra, mas vamos recorrer. Acredito que o governador perdeu uma oportunidade ímpar de esclarecer ao Brasil e, principalmente, ao povo amazonense, o que aconteceu no estado. Não é uma coisa rotineira: faltou oxigênio, pessoas perderam vidas”, justificou o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), sobre a crise do insumo nos hospitais de Manaus, em janeiro deste ano, que provocou a morte de dezenas de pacientes com covid-19.

Alguns senadores entendem que a decisão abre um precedente para que os demais governadores chamados — foram nove no total — fiquem desobrigados de prestar esclarecimentos ao colegiado sobre a destinação de verbas enviadas pela União para o combate à pandemia.

Na decisão, tomada na noite de quarta-feira, Rosa Weber justificou que a convocação de um governador é inconstitucional. A ministra destacou que a presença obrigatória do gestor violaria a “separação de poderes” e que princípios constitucionais apontam para a “não intervenção federal nos estados e no DF”. O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), faz coro com a magistrada: “É uma decisão coerente, e eu a apoio”. Na avaliação dele, governadores devem ser investigados pelas respectivas assembleias legislativas.

Convocar gestores para depor no colegiado é a estratégia de senadores governistas para desviar do governo federal o foco das apurações. “O Supremo deveria deixar todo mundo vir aqui, governador, prefeito, todas as pessoas que a CPI entender que deve chamar. Eu acho que essa decisão não contribuiu e que os outros governadores vão tentar isso. Abriu a porteira”, declarou o parlamentar governista Jorginho Mello (PL-SC).

Defesa

Em sua defesa, Wilson Lima frisou que a convocação de governadores não deve servir de instrumento a uma CPI. “Temos um princípio que é importante ser respeitado, que é a independência dos poderes”, frisou. No entanto, ele disse que não compareceu à sessão devido a “episódios que têm acontecido no estado do Amazonas em que eu preciso estar junto à população, coordenar essas ações na área de segurança”, numa referência às ondas de ataque que ocorrem desde o fim de semana no estado (leia mais na página 6).
Advogado do governador, Nabor Bulhões afirmou que “a convocação teve caráter político e a finalidade de expor e execrar o governador”. “Isso não é compatível com a relevante função de uma CPI”, informou ao Correio.

Também ontem, a CPI decidiu pedir a condução coercitiva do empresário Carlos Wizard, apontado como um dos idealizadores do chamado gabinete paralelo. Ele foi convocado, mas não tem respondido à comissão. (BL e ST)

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