QUEDA DE BRAÇO

Cresce a tensão entre G7 e governistas na CPI da Covid

Com muitos embates acalorados, senadores independentes impõem sucessivas derrotas a aliados do Planalto, que veem naufragar a estratégia de trazer governadores. Quebra de sigilo de depoentes, autorizada pelo STF, complica situação do governo

Sarah Teófilo
Bruna Lima
postado em 14/06/2021 06:00 / atualizado em 14/06/2021 08:56

Passada a primeira metade do prazo de 90 dias da CPI da Covid-19, as convocações e os requerimentos de informações entraram em nova fase. Os pedidos agora são resolvidos no voto, e os sete senadores de oposião ou independentes do governo que formam o “G7” têm avançado na definição dor rumos da CPI. Do lado governista, a situação se complica. A estratégia de trazer governadores para a CPI, a fim de mostrar “o outro lado” da pandemia, naufragou após o Supremo Tribunal Federal (STF) dispensar Wilson Lima (PSC) de explicar a situação do estado do Amazonas. Por outro lado, a decisão da mesa de não mais convidar especialistas que defendem tratamento precoce e uso de medicamentos como cloroquina mostra que determinadas páginas da covid-19 no Brasil já ficaram para trás na CPI.

Em meio aos trabalhos, há um previsível desgaste entre senadores do G7 e os parlamentares da base. O presidente Omar Aziz (PSD-AM) já perdeu a paciência mais de uma vez com o senador Marcos Rogério (DEM-RO), integrante da linha de frente do governo, e com Eduardo Girão (Podemos-CE), que se intitula independente, apesar de defender as demandas do governo federal durante a CPI. Um dos exemplos é a afirmação por parte de senadores governistas, em especial Marcos Rogério, de que um requerimento para ser votado precisaria entrar na pauta da comissão com 48 horas de antecedência.

Na votação por novas convocações na quarta-feira (9), a deliberação para ouvir o auditor do Tribunal de Contas da União (TCU) Alexandre Figueiredo — responsável por elaborar um relatório que argumenta que o Brasil tem, na realidade, metade das mortes por covid-19 — acirrou os ânimos e deixou claro que a base não tem força para pautar ou derrubar acordos firmados entre o G7. Marcos Rogério alegou que não haveria razão de “quebrar a regra por quebrar”, mas foi voto vencido.

Antes da votação da pauta, na última semana, a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) leu um trecho do regimento, mostrando que a regra não precisa ser seguida em caso de situação de urgência. “É bom lembrar que nós estamos em um período excepcional, portanto, num período de pandemia. E o mesmo Regimento, no art. 108, §1º, é claro quando fala a exceção: 'salvo em caso de urgência'. Então, nós estamos aqui cobertos pelo Regimento da Casa, dentro da normativa interna e, considerando uma CPI, que é uma Comissão Parlamentar de Inquérito, temporária, temos apenas 90 dias”, contextualizou.

O senador Rogério Carvalho afirma que a insistência dos aliados do Planalto no confronto com o G7, com sucessivas derrotas ao viés governista, apenas causa irritação. “As coisas vão ficando tão agressivas e tão desrespeitosas que chega uma hora que não tem jeito”, afirmou. Relator da CPI, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) considera que a comissão chegou a um momento “em que não há muito espaço para compatibilizar”. “Como é que se compatibiliza um grupo que quer avançar nas investigações com outro que está claramente contrário, que está numa posição de blindagem para o governo? São interesses antagônicos. Quando há interesses antagônicos, a democracia existe é para isso, para a vontade da maioria ser aferida”, disse.

Governadores

No caso da convocação dos governadores, por exemplo, houve uma reunião secreta para estabelecer um acordo entre base e oposição, já que não havia unanimidade entre o G7. O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o relator Renan Calheiros (MDB-AL) e o oposicionista Humberto Costa (PT-PE) foram contra, de forma que Randolfe chegou a sugerir a convocação de Jair Bolsonaro. “Se abrirmos um precedente que o seja para todos”, alegou, defendendo que a medida era inconstitucional e um “afronta total à separação dos poderes”.

A questão nesse caso, entretanto, ia além de atender a base — há um interesse por parte de outros senadores em investigar os governos estaduais. O próprio presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), quer apurar a conduta do governador, pois o estado viveu uma situação dramática de falta de oxigênio. No Amazonas, Aziz também é oposição ao governo, que terá eleições em outubro do ano que vem. Em 2018, Aziz perdeu as eleições a governador para Wilson Lima (PSC).

Com o habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), abrem-se precedentes para que demais gestores locais também não prestem depoimento, o que faz a defesa dos governistas ao Planalto definhar. A CPI, no entanto, entrou com recurso. “Espero que se reverta com esse recurso ao STF. Essa decisão, espero, que não abra precedentes. É um desejo legítimo do povo brasileiro saber o que houve com esses milhões de reais”, disse Eduardo Girão.

Sigilo quebrado

Como os requerimentos foram aprovados pela CPI em 10 de junho, o prazo para que sejam declinados termina na terça-feira (15), conforme o Código de Processo Penal. Por enquanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) negou quatro recursos, mantendo as quebras determinadas pelo Senado

Eduardo Pazuello
Ex-ministro da Saúde
Para o Supremo, Pazuello é "personagem essencial para o deslinde de todos os fatos que são objeto de investigação" da CPI. Justifica que o ex-ministro atuou na negociação de vacinas e "nas indefensáveis escusas para a sua não aquisição", além de estar na gestão da pasta quando notas técnicas protocolando o uso cloroquina para tratar covid-19 foi estendido.

Ernesto Araújo
Ex-ministro das Relações Exteriores
Ao negar o pedido de quebra de sigilo, o ministro Alexandre de Moraes escreveu: "Os direitos e garantias individuais não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade política, civil ou penal por atos criminosos".

3) Mayra Pinheiro
Secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde. Divulgadora do uso de hidroxicloroquina e outros medicamentos ineficazes contra covid-19
Segundo o STF, não há "argumentação relevante que possa ensejar a suspensão cautelar do ato", por não demonstrar sem abusivo ou ilegal

4) Francieli Fontana Fantinato
Coordenadora do Programa Nacional de Imunização (PNI)
- O Supremo entendeu que a quebra de sigilo está entre as atribuições legais da CPI e o requerimento teria sido formulado de maneira fundamentada.

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  • CPI da Covid: à medida que os trabalhos avançam, aliados do Planalto se veem cada vez mais sem argumentos para defender ações do governo
    CPI da Covid: à medida que os trabalhos avançam, aliados do Planalto se veem cada vez mais sem argumentos para defender ações do governo Foto: Evaristo Sá/AFP - 8/6/21
  • Evaristo Sá/AFP - 8/6/21
CPI da Covid: à medida que os trabalhos avançam, aliados do Planalto se veem cada vez mais sem argumentos para defender ações do governo
    Evaristo Sá/AFP - 8/6/21 CPI da Covid: à medida que os trabalhos avançam, aliados do Planalto se veem cada vez mais sem argumentos para defender ações do governo Foto: Jefferson Rudy

"Nós queremos seguir o dinheiro faz tempo"

O embate entre o G7 e os governistas na CPI da Covid, intensos na votação de requerimentos, ganha novos contornos quando se leva em conta questões como a quebra de sigilo de depoentes. Os pedidos aprovados pela CPI miram investigar a formação do suposto gabinete paralelo e saber se pessoas e instituições ganharam financeiramente com a participação. Estão na mira da CPI desde associações médicas e empresas de publicidade e comunicação a figuras centrais do governo federal, como o ex-ministro da Saúde, o ex-chanceler Ernesto Araújo e a secretária do Ministério da Saúde Mayra Pinheiro.

Os três entraram com recurso no STF, mas as quebras foram autorizadas. Os ministros do Supremo entenderam que os pedidos estão dentro do escopo da CPI e garantem continuidade dos trabalhos. “Os direitos e garantias individuais não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade política, civil ou penal por atos criminosos, sob pena de desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito”, escreveu Alexandre de Moraes no despacho que indeferiu o pedido de Ernesto.

Para Randolfe, recorrer ao STF é um direito, mas opina que “quem não colabora com essa comissão parlamentar de inquérito, deixa em nós o sentimento de que tem algo a esconder”, disse, acrescentando que são, inclusive, essas figuras que “já devem deixar a condição de testemunhas e ser alçados à condição de investigados, pela natureza e circunstância do que a CPI até agora apurou”, opinou.

As quebras de sigilo, em detrimento da convocação de governadores e especialistas que corroborem para a defesa do governo, irritam a base. “Nós queremos seguir o dinheiro faz tempo. De governadores e prefeitos e de quem desviou o dinheiro. Só isso, mais nada”, afirmou o senador Jorginho Mello (PL-SC) . Ele refuta a tendência da CPI em manter sob suspeita empresas produtoras de cloroquina e ivermectina. “Isso aí já enjoou, pelo amor de Deus”.

O senador Girão, que se define independente, mas frequentemente sai em defesa do governo, relembra que até os prefeitos ficaram de fora. “Não se fala mais nisso. Só chamam quem querem. Até cientistas a favor do tratamento precoce ficam de fora e deveríamos ouvir os estudos que ambos têm para apresentar”. Para Girão, a CPI tem como objetivo claro o projeto de poder por parte de senadores. “A CPI não só sai prejudicada como derrete na credibilidade junto à sociedade”.

Relatório final

Na avaliação do cientista político André Pereira César, da Hold Assessoria Legislativa, não há mais espaço para se abrir uma vertente de investigação dos governos locais, já que a primeira etapa da CPI, com foco nas políticas públicas baseadas em remédios sem eficácia para tratar covid-19 e omissão federal na aquisição de vacinas, já está traçada. “Se a CPI acabasse hoje, teria condição de fazer relatório consistente para apontar culpa e dolo nesses pontos”, acredita o analista.

“A questão é: o relatório final terá peso suficiente para abalar o processo sucessório?”, questiona César, que ventila a necessidade de prorrogação da CPI, a depender do material previsto para chegar nos próximos dias.

Para o analista sobre riscos políticos Mário Braga, da Control Risks para o Brasil, apesar de a comissão ter ampliado o calendário e incluído sessões também às sextas-feiras ao longo do mês de junho, é possível que haja uma extensão para além do prazo inicial de 90 dias. “O relator havia ventilado a possibilidade de apresentar um relatório interino, então não se pode descartar a possibilidade de conclusões parciais dos trabalhos em julho e uma extensão por mais 90 dias. Esse cenário se tornará mais provável se houver um recrudescimento da pandemia ao longo das próximas semanas e se a CPI se deparar com novas frentes de investigação”.

Para o presidente da CPI, não há dúvidas: “Queremos terminar a CPI em 90 dias. Não queremos prorrogar a CPI”, afirmou Omar Aziz.

 

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