CORONAVÍRUS

Ex-secretário do Amazonas contradiz Pazuello na CPI da Covid

Em depoimento à CPI da Covid, ex-chefe da Secretaria de Saúde do Amazonas Marcellus Campêlo diz ter alertado o então ministro, em 7 de janeiro, sobre a crise de oxigênio em Manaus. General alegou à comissão que soube do problema apenas três dias depois

Luiz Calcagno
Sarah Teófilo
postado em 16/06/2021 06:00
Na oitiva que durou sete horas, o ex-secretário de Saúde do Amazonas Marcellus Campêlo também implicou a Capitã Cloroquina -  (crédito: Edilson Rodrigues/Agencia Senado)
Na oitiva que durou sete horas, o ex-secretário de Saúde do Amazonas Marcellus Campêlo também implicou a Capitã Cloroquina - (crédito: Edilson Rodrigues/Agencia Senado)

Nas sete horas em que depôs na CPI da Covid, o ex-secretário de Saúde do Amazonas Marcellus Campêlo foi alvo de pressão por todos os lados. A oposição usou a oitiva para buscar contradições do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, enquanto a base governista tentou ressaltar a responsabilidade do governo do estado na crise de oxigênio ocorrida em janeiro, em Manaus, que provocou a morte de dezenas de pacientes com covid-19.

A tropa de choque do presidente Jair Bolsonaro praticamente não interrompeu os questionamentos dos senadores de esquerda ou independentes. Um dos pontos largamente explorados foi a cronologia do esgotamento de oxigênio nos hospitais e como o Executivo federal agiu no colapso.

Campêlo disse aos parlamentares que, em 7 de janeiro, o governo amazonense alertou o Ministério da Saúde sobre o risco da falta de oxigênio. O Executivo estadual fez a comunicação por meio de um documento da White Martins, fabricante do insumo, mas que não teve resposta da pasta. À CPI, Pazuello sustentou que tomou ciência da situação apenas em 10 janeiro. O general só mudou o discurso quando foi confrontado com um ofício que datava de 7 de janeiro.

“Sobre o oxigênio, especificamente, fiz uma ligação ao ministro Pazuello, no dia 7 de janeiro, explicando a necessidade de apoio logístico para trazer oxigênio de Belém para Manaus, a pedido da White Martins. A partir daí, nós fizemos contato com o Comando Militar da Amazônia, por orientação do ministro, para fazer esse trabalho logístico. Mandamos ofício ao Comando Militar da Amazônia. A partir de 9 de janeiro, enviamos um ofício... Enviamos diariamente ofício ao Ministério da Saúde, pedindo apoio em relação a essa questão da logística de oxigênio. Não tenho conhecimento se houve resposta, acredito que não.”

O depoente também implicou a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, que esteve em Manaus durante a crise. Ele relatou que, mesmo sabendo da iminência do colapso, a Capitã Cloroquina, como é conhecida, não tocou no assunto. Concentrou-se apenas em lançar o aplicativo TrateCov, que recomendava cloroquina para pacientes com covid-19. “Vimos uma ênfase da doutora Mayra Pinheiro em relação ao tratamento precoce e relatando um novo sistema que poderia ser utilizado e que seria apresentado oportunamente. Chamava-se TrateCov”, afirmou.

Em um dos momentos tensos do depoimento, Campêlo sustentou que a “intermitência” no fornecimento de oxigênio no Amazonas ocorreu apenas em 14 e 15 de janeiro. Os parlamentares mostraram uma série de vídeos comprovando que a crise durou vários dias. A declaração irritou senadores. “Não aguento mais: o Pazuello veio aqui e mentiu; o Elcio (Franco, ex-secretário executivo do Ministério da Saúde) veio aqui e mentiu; agora, vem o secretário mentir também. Enquanto isso, os nossos irmãos amazonenses morrendo por falta de oxigênio”, disparou Eduardo Braga (MDB-AM).

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD), que também é senador pelo Amazonas, foi outro que rebateu Campêlo, dizendo que “as imagens eram diárias”. “Eram nos hospitais, eram nas ambulâncias, eram no Samu chegando e faltando oxigênio; eram as pessoas dentro do hospital com um balão na mão ali, tentando sobreviver. Não foram só os dois dias”, ressaltou.

Campêlo justificou que “na rede de saúde, nos tanques de oxigênio” foi registrada a “intermitência de fornecimento nos dias 14 e 15”. “Uma coisa é faltar na rede de saúde, no hospital, outra coisa é o paciente, que está tratando em casa porque não tem vaga no hospital, tentar comprar o cilindro, e ele não existir no mercado”, frisou. Dessa vez, foi rebatido pelo vice-presidente Randolfe Rodrigues (Rede-AP). “Mas ninguém ia comprar se não estivesse colapsada a rede”, frisou o parlamentar.

A tese mais forte da CPI é de que Manaus foi usada pelos governos federal e estadual como experimento de imunidade de rebanho e uso da cloroquina. Na avaliação de Calheiros, “o depoimento de hoje (ontem) reforça a omissão e o descaso do governo federal com a crise no Amazonas. Enquanto faltava oxigênio, o Ministério da Saúde distribuía cloroquina”.

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Contradições entre depoentes

Veja o que disseram Marcellus Campêlo, Eduardo Pazuello e Mayra Pinheiro sobre a crise do oxigênio em Manaus

Marcellus Campêlo
“Em 4 de janeiro, recebemos a secretária Mayra Pinheiro na primeira reunião pela manhã. A sua assessoria convocou a presença de representante do Conselho de Medicina, do Conselho de Enfermagem, de sindicatos, de autoridades da área médica, de especialistas etc. Estivemos com o governador, participando dessa reunião, e vimos uma ênfase da dra. Mayra Pinheiro em relação ao tratamento precoce e (...) relatando um novo sistema que poderia ser utilizado e que seria apresentado oportunamente. Chamava-se TrateCov.”

“A viagem da dra. Mayra se deu mais com ênfase na atenção primária, ou seja, as reuniões mais eram para trabalhar com as prefeituras, e a Prefeitura de Manaus, àquela época, estava com uma nova gestão. A gestão tinha acabado de assumir, com muitas dificuldades, inclusive faltava medicamento para suas UBS. Muitas estavam fechadas.”

“Sobre o oxigênio, especificamente, fiz uma ligação ao ministro Pazuello, no dia 7 de janeiro, explicando a necessidade de apoio logístico para trazer oxigênio de Belém para Manaus, a pedido da White Martins. A partir daí, nós fizemos contato com o Comando Militar da Amazônia, por orientação do ministro, para fazer esse trabalho logístico. Mandamos ofício ao Comando Militar da Amazônia. A partir de 9 de janeiro, enviamos um ofício... Enviamos diariamente ofício ao Ministério da Saúde, pedindo apoio em relação a essa questão da logística de oxigênio.”

Eduardo Pazuello
“Eu tomei conhecimento de riscos em Manaus no dia 10 de janeiro, à noite, numa reunião com o governador e o secretário de Saúde, quando eles me passaram as suas preocupações, porque estavam com um problema logístico sério com a empresa White Martins.”

“Em 8 de janeiro, nós já tínhamos iniciado o transporte aéreo de oxigênio para Manaus, então, para atender essas demandas logísticas: no dia 8, 10, 11, 12, 13, 14, todos os dias. Transporte de oxigênio por avião, por balsas... Isso em janeiro. Então, no dia 14, nós já estávamos transportando oxigênio há bastante tempo.”

Mayra Pinheiro
Questionada pelo relator, Renan Calheiros (MDB-AL), se soube do problema do desabastecimento de oxigênio medicinal em Manaus pelo próprio ministro da Saúde, em 8 de janeiro, respondeu que “sim”.

“Estive em Manaus até o dia 5, eu voltei; o ministro (então, Pazuello) teve conhecimento do desabastecimento de oxigênio em Manaus, creio, no dia 8, e ele me perguntou: ‘Mayra, por que você não relatou nenhum problema de escassez de oxigênio?’. Porque não me foi informado. Eu confirmei a informação com o secretário estadual de Saúde, perguntando: ‘Secretário, por que, durante o período da minha prospecção, não me foi informado?’. Ele disse: ‘Porque nem nós sabíamos’. Inclusive, ofereci voluntariamente meu telefone à Polícia Federal, foi feita a degravação da conversa com o secretário, o que prova essa informação.”

 

Decreto revogado por pressão

 (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press - 11/2/20)
crédito: Ed Alves/CB/D.A Press - 11/2/20

Em depoimento à CPI Covid, o ex-secretário de saúde do Amazonas Marcellus Campêlo afirmou que a pressão popular provocou a decisão de revogar o decreto que estabelecia medidas restritivas para conter a disseminação do novo coronavírus no Amazonas, publicada pelo governo Wilson Lima (PSC). As medidas foram revogadas em dezembro do ano passado, segundo Campêlo, sem aval da Secretaria de Saúde do estado.

Na oitiva, o ex-secretário já tinha falado sobre a dificuldade de reforçar as medidas de restrição no estado, da falta de adesão às ações e sobre os movimentos realizados contra o decreto. “Manifestações, inclusive com violência, com barricadas, com a interrupção do direito de ir e vir da população”, afirmou, comentando várias autoridades federais e figuras públicas que foram às redes criticar o decreto, no fim do ano passado, o que poderia “influenciar a ação de outras pessoas”.

O presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), atribui a resistência contra a implementação de medidas não farmacológicas ao comportamento do presidente Jair Bolsonaro e de sua base de apoio. “Pessoas ligadas ao presidente, infelizmente, o filho dele e deputados federais atacando o lockdown na cidade de Manaus. O governador, equivocadamente, errando, recua no lockdown, pressionado pelas redes sociais. Pressionado por manifestações, e tal, recuou. No recuo, aí, há uma grande contaminação”, declarou Aziz.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) apontou manifestações do presidente da República e de parlamentares da base de apoio do governo, que comemoraram a revogação do decreto. Uma delas foi da deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF). Dias antes da crise de oxigênio, a parlamentar escreveu no Twitter: “A pressão do povo funcionou também em Manaus. O governador do Amazonas, Wilson Lima, voltou atrás em seu decreto de lockdown”, festejou.

Alvo da Operação Sangria

O ex-secretário de Saúde do Amazonas Marcellus Campêlo negou à CPI da Covid as acusações de que teria feito contratações fraudulentas para favorecer empresários locais enquanto trabalhava no governo estadual. Ele foi alvo da quarta fase da Operação Sangria, da Polícia Federal, que apura o desvio de dinheiro do combate à pandemia, e chegou a ser preso. Segundo o ex-secretário, nenhuma das acusações contra ele procedem. O ex-gestor insistiu que sua exoneração não foi uma solicitação do governador do estado, Wilson Lima. “Eu pedi para deixar o cargo depois do cumprimento do mandado de prisão, porque acredito que, por questões éticas, você tem que deixar um cargo para permitir que as investigações prossigam”, ressaltou.

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