Eleito sob a bandeira do combate à corrupção, o presidente Jair Bolsonaro defendeu, ontem, o Projeto de Lei nº 10.887/2018, aprovado na Câmara, que modifica a Lei de Improbidade Administrativa. O PL é considerado por críticos como um retrocesso no enfrentamento a crimes. “Quase sempre, quase regra, prefeitos saem com vários processos de improbidade administrativa. O que visa o projeto é dar uma flexibilizada nisso aí, não é escancarar a porta para a corrupção”, sustentou o chefe do Planalto, em live nas redes sociais, ontem, ao lado do deputado federal Vitor Hugo (PSL-GO).
Bolsonaro disse esperar que o Senado — para onde seguirá o projeto — aperfeiçoe o texto e que volte à Câmara “para a gente sancionar e dar um alívio nessa burocracia pesadíssima que os prefeitos têm que exercer”. Ao parlamentar, ele perguntou: “Quem votou contra, por acaso, é aquele pessoal de esquerda?” Vitor Hugo respondeu: “Uma parte”.
De acordo com Bolsonaro, o PL impedirá que prefeitos sejam prejudicados pelo “comportamento lamentável” de integrantes do Ministério Público. “Mesmo na dúvida, os caras mandam o processo para frente e deixam o prefeito se virar”, criticou.
O ponto mais criticado do PL prevê que os administradores só poderão incorrer em crime de improbidade administrativa se for comprovado o dolo, ou seja, a intenção de cometer irregularidade. Porém a proposta estabelece em oito anos o prazo para prescrição dos fatos considerados ilegais e fixa em 180 dias o tempo de conclusão dos inquéritos que apurem os atos. Esse prazo pode ser prorrogado por 180 dias uma única vez.
Segundo o parecer do deputado Carlos Zarattini (PT-SP), nepotismo — o ato de indicar ou favorecer parentes no preenchimento de cargos públicos — continua configurando improbidade administrativa. Porém, com o novo texto, será possível escapar de ser enquadrado na lei caso se prove que o parente tem capacidade técnica para exercer a função para a qual foi nomeado.
Essas mudanças, somadas a outros pontos do PL, configuram um afrouxamento da lei, de acordo com especialistas e associações que militam contra a corrupção. O projeto foi votado às pressas, com requerimento de urgência aprovado na terça-feira e votação em turno único no plenário da Câmara no dia seguinte.
Para Roberto Livianu — procurador de Justiça em São Paulo e idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção —, faltou oportunidade de plena discussão da proposta após a apresentação do parecer de Zarattini.
“Houve debate apenas sobre o projeto original do deputado Roberto Lucena. Esse que foi aprovado (na quarta-feira) não foi debatido. Passou no rolo compressor, sem ouvir a sociedade. Tampouco foi examinado na Comissão de Constituição e Justiça”, comentou, em referência ao projeto original, de 2018, cujo autor é o deputado Roberto de Lucena (Pode-SP). Desde então, as propostas tramitavam em uma comissão especial da Câmara, onde foram discutidas por juristas e advogados.
Segundo Livianu, o novo projeto de lei contraria itens da Constituição Federal. “O artigo 37, parágrafo 5º, já vem sendo reiteradamente interpretado e reinterpretado pelo Supremo Tribunal Federal, com entendimento de que ações de ressarcimento de danos ao Erário são imprescritíveis”, destacou. “Tem uma decisão de 2019, do STF, relatada pelo ministro Alexandre Morais, o qual reiterou esse entendimento. O que prescreve é o direito de aplicar penas.”
“Falácia”
Livianu discordou do argumento de que a atual lei de improbidade administrativa cerceia a boa gestão pública, como afirmou o relator e reiteraram os defensores do projeto. “É uma falácia. Trata-se de uma versão que foi criada para demonizar a lei. Não passa disso. O gestor que é correto, honesto, que presta as contas, cumpre a lei, não teme. Pouco importa a rigidez. Tem medo aquele que faz algo obscuro.”
Na avaliação de Eduardo Brandão, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), o projeto diminui a transparência na condução da coisa pública e traz insegurança. “Alguém que foi afastado do cargo de prefeito pode ter outro cargo, de acordo com o texto. Se a pessoa cometeu uma irregularidade como prefeito, como vai ser governador?”, questionou. “Outros pontos são problemáticos, também, como a questão do dano ao Erário. Propina, por exemplo, não seria dano ao Erário.”
Ele defendeu que “a lei tem de avançar. “O mundo mudou, e o Parlamento tem de acompanhar. Mas a discussão foi muito afobada. Vai contra a transparência, contra o combate à corrupção”, disse, ao criticar, também, a flexibilização das regras sobre nepotismo. “Não vai ter como aferir a capacidade técnica. A questão da impessoalidade do setor público vai se perder toda.”
* Estagiário sob supervisão de Cida Barbosa
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MP do TCU mira atos antidemocráticos
O Ministério Público que atua junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que compartilhe informações do inquérito instaurado para apurar a organização, o financiamento e a divulgação de atos antidemocráticos.
O requerimento é assinado pelo procurador Lucas Rocha Furtado. O objetivo, segundo o ofício enviado ao STF, é apurar se as manifestações foram custeadas com recursos públicos.
No curso das investigações, a Polícia Federal chegou a trabalhar com a hipótese de direcionamento de verbas de publicidade do governo para financiar páginas na internet dedicadas a promover manifestações contra a democracia por meio da Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência (Secom). Na mesma linha de apuração, a PF levantou a possibilidade de bolsonaristas terem sido contratados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos para “distribuir fundos” a manifestações que estimulavam intervenção militar e fechamento de instituições. A pasta empregou o engenheiro eletricista Renan da Silva Sena, que contratou faixas pedindo “intervenção militar com Bolsonaro no poder”, a extremista Sara Giromini e a comunicadora Sandra Terena, esposa do blogueiro Oswaldo Eustáquio.
O pedido será analisado pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no Supremo. Se for autorizado, o compartilhamento do material tem potencial de gerar uma nova frente de investigação em um momento em que o inquérito original pode ser arquivado. Isso porque a Procuradoria-Geral da República (PGR), que pediu a abertura das apurações no ano passado, considerou não haver indícios claros de envolvimento de pessoas com foro nos crimes investigados.
Mais cedo, o vice-procurador-geral da República Humberto Jacques de Medeiros voltou a sugerir que a investigação em relação a parlamentares bolsonaristas seja arquivada e que o restante do caso siga para a primeira instância. A manifestação foi enviada após Moraes determinar que a PGR esclarecesse, “de maneira direta e específica”, o alcance do primeiro pedido de arquivamento.
O documento escancara a insatisfação com o trabalho da Polícia Federal. O vice-procurador diz que as linhas de investigação originalmente traçadas pela PGR foram reformuladas e lista uma série de lacunas que, na avaliação dele, impedem a continuidade do inquérito.