Luciano Huck jogou a toalha. Após meses de suspense, muita conversa com gente interessante e rasgados elogios de diversas personalidades, o apresentador deixou a política para os profissionais e resolveu dedicar mais tempo ao ofício que o consagrou. A fim de manter alguma coerência com a postura crítica que tem adotado sobre os problemas nacionais, ele disse que se afastou da luta partidária, mas continuará a fazer política. Perfeito. Mas, em termos práticos, aqueles que buscavam um possível candidato com ideias modernas sobre Estado, mercado e sociedade precisarão sair à procura de outro modelo. Para muita gente, Huck representava a esperança de encontrar um outsider, alguém que não fizesse parte do “sistema” e fosse capaz de trabalhar em favor das imensas necessidades do Brasil. Vã ilusão. O sistema é bruto, e a eleição de 2022 caminha para se tornar um embate entre adversários de couro grosso, calejados pela batalha partidária. Já estão posicionados na arena dois pesos-pesados, ambos com ao menos um mandato presidencial no currículo e três décadas de atuação no jogo nem sempre republicano da capital federal.
De um lado, Jair Bolsonaro prepara o terreno para se defender do julgamento da opinião pública sobre a desastrosa atuação do governo federal contra a pandemia. Em uma atitude que desafia o bom senso, ele mantém o negacionismo ativo ao questionar a eficácia das vacinas, promover aglomerações e dispensar o uso de máscaras. Trata-se de uma estratégia para alimentar a politização da crise sanitária, em paralelo à realidade dos fatos que se impõem com a morte de 500 mil brasileiros. É exatamente no confronto político, na troca virulenta de ofensas e ataques a adversários que Bolsonaro se sente mais à vontade. Foi a maneira encontrada pelo chefe do Executivo de sobreviver ao crivo dos eleitores abalados pela pandemia, enquanto procura oferecer medidas que trarão frutos políticos em 2022, como a ampliação do Bolsa Família e uma possível retomada econômica após os tombos de 2020 e 2021. Bolsonaro trata a crise sanitária como uma querela política, na expectativa de que o eleitor, no ano que vem, estará mais inclinado a depositar as esperanças em um futuro melhor do que em punir o maior responsável pela inoperância do governo federal ante uma calamidade nacional.
Do outro lado da arena, há Luiz Inácio Lula da Silva. Habilmente, o ex-presidente não vê necessidade de se expor aos leões em momento tão conturbado. Ademais, é preciso reconstruir a imagem do Partido dos Trabalhadores, tarefa dificílima considerando-se o antipetismo ainda presente na sociedade. Não está claro, talvez nem mesmo para o PT, qual será o lugar da legenda em 2022. A derrota nas urnas em 2018, o impeachment de Dilma Rousseff e a desmoralização provocada pela Lava-Jato permanecem traumas profundos na legenda e constituem feridas que serão constantemente reabertas no debate eleitoral. Pesa a favor de Lula, ao menos, o reconhecimento de que o ex-presidente tem apreço pelas regras do jogo democrático. Não é pouca coisa, considerando-se a presente quadra. Lembremos: o Supremo Tribunal Federal investiga a ação de grupos que soltam bombas à porta da egrégia Corte de Justiça e pedem o fechamento do Congresso; o chefe do Executivo afirma que “meu Exército” garante a estabilidade institucional e prevê “convulsão social” se não houver voto impresso. Lula permanece como alternativa, e a polarização ainda se faz intensa em 2021, por uma razão óbvia. É imensa a parcela da população que não vê a hora de dar um basta ao bolsonarismo. Lula, goste-se ou não, aparenta ser o único capaz de realizar esse feito. Não há espaço para mais gente.
Infelizmente, a democracia brasileira tem mostrado dificuldade em abrir caminhos para a pluralidade. Prevalece o pensamento do “nós contra eles”, como se o vitorioso das urnas só tivesse de dar satisfação aos sectários, e não ao conjunto da sociedade. É precisamente essa visão limitada e mesquinha da política que dificulta a formação de uma candidatura capaz de resistir ao ambiente inflamado no qual estagnou a vida nacional. Os defensores de uma terceira via precisarão correr contra o tempo se quiserem encontrar lugar na disputa presidencial de 2022. O caldeirão está quente demais até para Luciano Huck.
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