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Mesmo com desgastes, Exército mostra mão amiga e livra Pazuello de punição

Comando da Força anuncia que não punirá o general e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello pela participação em ato político no Rio de Janeiro ao lado do presidente Jair Bolsonaro. Decisão provoca enxurrada de críticas e desgaste com oficiais de alta patente

O Exército anunciou, por meio de nota, que não punirá o general da ativa e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello pela participação em um ato político ao lado do presidente Jair Bolsonaro. O comunicado, que atribui a decisão ao comandante da Força, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, afirma que “não restou caracterizada a prática de transgressão disciplinar”. O desfecho do caso, que representa uma vitória para o chefe do Planalto, provocou uma avalanche de críticas e preocupações com um eventual avanço da politização entre os militares.

“Acerca da participação do general de divisão Eduardo Pazuello em evento realizado na cidade do Rio de Janeiro, no dia 23 de maio de 2021, o Centro de Comunicação Social do Exército informa que o comandante do Exército analisou e acolheu os argumentos apresentados por escrito e sustentados oralmente pelo referido oficial-general”, diz a nota. “Dessa forma, não restou caracterizada a prática de transgressão disciplinar por parte do general Pazuello. Em consequência, arquivou-se o procedimento administrativo que havia sido instaurado”, acrescenta.

O Regulamento Disciplinar do Exército e o Estatuto das Forças Armadas proíbem a participação de militares da ativa em manifestações políticas. O processo contra Pazuello foi aberto depois que ele compareceu do ato em apoio a Bolsonaro com a participação de vários motociclistas. Além da presença de um general da ativa, a manifestação atraiu críticas porque causou aglomeração e pelo fato de tanto Pazuello quanto o presidente estarem sem máscaras.

Na defesa apresentada no âmbito do processo disciplinar aberto pelo Exército, Pazuello argumentou que o passeio de moto no Rio não era um ato político-partidário e que o Brasil não está em período eleitoral. Além de frisar que Bolsonaro não é filiado a partido político, o general disse ter a convicção de que não infringiu nenhuma norma do Regulamento Disciplinar do Exército.

A punição disciplinar a Pazuello, caso fosse decretada, poderia variar de advertência a prisão. A decisão final do Exército sobre o caso ocorre depois de Bolsonaro pedir que a corporação não punisse o general. Em uma das ocasiões, durante viagem ao Equador, em 24 de maio, o chefe do governo afirmou que o ex-ministro da Saúde não deveria ser punido porque ele “é um homem de bem”. Disse também que o oficial subiu ao palanque em apoio a um projeto que ele acredita ser o melhor para o Brasil. “Foi um gesto natural”, declarou, na ocasião.

Já em 27 de maio, em viagem ao Amazonas, Bolsonaro pediu pessoalmente ao general Paulo Sérgio de Oliveira que não punisse o ex-ministro. Como presidente da República, ele é o comandante em chefe das Forças Armadas, ou seja, superior hierárquico de Oliveira.

A absolvição de Pazuello no processo disciplinar contraria o desejo da maioria dos 15 membros do Alto-Comando do Exército, um colegiado de generais quatro estrelas encabeçado pelo comandante da Força. A maioria do grupo, preocupada com uma eventual politização da tropa, era favorável à punição do ex-ministro da Saúde.

Depoimento

A decisão do Exército é mais uma boa notícia para Pazuello, que, nesta semana, também foi nomeado como chefe da Secretaria de Estudos Estratégicos, da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos (SAE). Os afagos ao general ocorrem no momento em que há uma grande preocupação, no Planalto, com o que ele poderá falar no novo depoimento que prestará à CPI da Covid do Senado, ainda sem data definida. Ele foi reconvocado depois de a maioria do colegiado considerar que ele mentiu em sua primeira oitiva.

O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), disse que, em respeito ao Estado democrático, não faria uma avaliação sobre a absolvição de Pazuello. “A decisão do Exército é interna e administrativa. Não me cabe avaliar, assim como não caberia a qualquer instância do Exército avaliar decisões do âmbito do Senado. Assim deve ser o Estado democrático: com autonomia e equilíbrio entre as instituições que o integram”, afirmou o parlamentar, por meio de nota.

Já o relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), afirmou torcer para que a decisão do Exército seja apenas um “recuo” momentâneo na guerra em defesa da democracia e contra os “golpistas e inimigos da Constituição”. “Há diferença grande entre os movimentos sagazes da guerra: a retirada e a capitulação, que é a rendição ao inimigo. Quero crer que a decisão do comando do Exército é movimento de retirada, de recuo, não de capitulação”, sustentou, pelas redes sociais. “Tenho certeza de que os comandantes não vão se render na guerra pela democracia. É um movimento tático para poupar forças para a batalha final contra os golpistas e inimigos da Constituição.”

O presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, criticou o desfecho do caso. Ele lembrou que a lei estabelece claramente que a hierarquia e a disciplina são a base institucional das Forças Armadas. “Não é raro ouvir declarações públicas dos comandantes militares de que ‘quando a política entra pela porta da frente num quartel, a hierarquia e a disciplina saem pela porta dos fundos’. Pois a decisão de hoje (ontem) escancarou as portas, ao não punir um general da ativa que participou de um evento político, em clara afronta à disciplina e ao que determina a lei”, enfatizou Santa Cruz, por meio de nota. Segundo ele, “a partidarização das Forças Armadas ameaça a democracia e abre espaço para a anarquia nos quartéis” e “a grave situação do país exige das instituições respostas firmes para impedir retrocessos e quebra da ordem institucional”.

Bolsonaro: "Punição existe nas Forças Armadas"

O presidente Jair Bolsonaro usou parte da sua live semanal na internet para falar sobre punições internas das Forças Armadas. As declarações ocorreram momentos após o Comando do Exército anunciar que o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello não cometeu “transgressão disciplinar” por ter participado de ato político no Rio de Janeiro ao lado do chefe do Planalto. Bolsonaro, no entanto, não citou o nome do general ao falar sobre o assunto.

A polêmica decisão das Forças Armadas acaba indo ao encontro da vontade do presidente, que não queria que seu aliado fosse punido. Mas também amplia o desgaste das Forças Armadas com o governo, já que a punição para o general era defendida por muitos oficiais de alta patente.

Na live, Bolsonaro contou já ter sido punido com 15 dias de prisão e afirmou que o que se espera dos julgamentos é que “aquele que vá nos julgar, nos julgue com isenção e sem pressões de mídia ou seja lá o que for”, disse.

“Punição existe nas Forças Armadas. Ninguém interfere ali na decisão. É do chefe imediato dele ou do comandante da unidade. E a disciplina só existe porque nosso código disciplinar é bastante rígido”, enfatizou, num diálogo com o ministro da Educação, Milton Ribeiro, que participou da live. “O ônus da prova cabe a quem acusa.”

Na sequência, Bolsonaro disse que pretende comparecer ao encontro de motociclistas na cidade de São Paulo, onde disse esperar um número maior de participantes do que o ato no Rio de Janeiro. O presidente voltou a afirmar que o evento não é político. “Primeiro encontro de motociclistas com o presidente Jair Bolsonaro pela liberdade e apoio ao presidente Jair Bolsonaro, alguma coisa política nisso? Tinha alguma bandeira vermelha lá (no Rio de Janeiro)?”, questionou. “Tinha alguma bandeira de partido político? Nada, foi um encontro de motociclistas, como vai acontecer agora”, declarou.