ENTREVISTA

'Se ele (Bolsonaro) mentir, a coisa muda de figura', diz Luis Miranda

Em entrevista ao CB.Poder, parlamentar diz que, até o momento, o presidente Bolsonaro não faltou com a verdade em relação às denúncias de corrupção no caso Covaxin. Ele nega acusações de que cometeu estelionato. "Eu não tenho problema"

Desde a semana passada, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) é persona non grata nos círculos do governo. Atraiu a ira dos aliados do Planalto ao denunciar, na CPI da Covid, indícios de corrupção nas negociações para a compra do imunizante Covaxin. Ameaçado por bolsonaristas graúdos como o Onyx Lorenzoni, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Miranda disse ter agido com a melhor das intenções ao procurar o presidente da República em março, no Palácio da Alvorada.

Em entrevista concedida à jornalista Denise Rothenburg, no programa CB.Poder, o parlamentar disse estar “decepcionado” com aqueles que querem provar, a todo custo, a narrativa anticorrupção no governo — quando o próprio presidente da República diz que não pode saber de tudo que acontece em seus ministérios.

Ciente de que está na mira do Centrão e de governistas, Luis Miranda diz não ter gravado a conversa com o presidente. Mas não fala o mesmo pelo irmão. E deixa a dúvida no ar. “Sabe quando essa resposta, se gravamos ou não, vai aparecer? Se um dia o presidente mentisse. Até agora ele não mentiu”, disse.

Ele próprio alvo de denúncias, Miranda se diz vítima de fake news. Desafia qualquer ataque à sua conduta. “Não sou uma pessoa que eles tentam fazer. Talvez por isso o susto. Porque como eles acreditam tanto na narrativa de que eu aceitaria corrupção, mesmo no governo o qual eu defendo, acharam que eu seria uma pessoa que jogaria esse jogo. Não jogo!. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista ao CB.Poder, uma parceria do Correio com a TV Brasília.

Por que o senhor não disse logo, na CPI, que Ricardo Barros era o parlamentar envolvido no escândalo?

Para preservar a pessoa de Ricardo Barros, caso não seja ele. Foi o presidente (da República) que falou. Tentei evitar uma polêmica, porque não tem prova que é ele. O presidente olha a foto dele em uma das matérias da Global. Essa empresa não recebeu dinheiro desse contrato, mas esse grupo econômico faz negócio com o Ministério da Saúde. A cada momento que passa, eu fico mais decepcionado. Quero distância de pessoas que estão dispostas a fazer qualquer coisa para manter a narrativa de não-corrupção; e esse qualquer coisa é até aceitar corrupção e fingir que ela não existe. Essas empresas são investigadas aqui no Distrito Federal. Pessoas envolvidas com elas foram presas, estão sendo investigadas e indiciadas criminalmente por causa de superfaturamento de testes. Recentemente existiu uma investigação séria sobre esse caso da Global, que recebeu dinheiro do Ministério da Saúde.

Mas não foi isso que o senhor também denunciou ao presidente?

Exatamente. O que levei para o presidente foi, “além de todos esses problemas”, ela está envolvida em mais uma situação de R$ 1,6 bilhão. Eu disse: “Presidente, precisamos ter um olhar clínico sobre esse caso, olha aqui a situação da invoice (fatura), que está totalmente desconforme, e querem que meu irmão emita a LI [Licença de Importação] este final de semana”.

Foi então que ele citou o nome de Ricardo Barros?

Ele olha para a reportagem e fala assim: “Mais uma desse cara”. Ele demonstra que não sabia do caso e estava chateado. Todo mundo fala assim “deputado, constantemente você demonstra que quer proteger o presidente”. Não é que eu demonstro que quero proteger o presidente. Eu estava lá, vi a reação dele. Primeiro de não conhecer o caso, demonstra que não tem envolvimento com o caso.

Nesta segunda-feira ele falou que não conhecia tudo.

Ele olhou assim: “O que é isso? O que é esse caso? Do que se trata?”. Então a gente teve que explicar para ele, primeiro, que se tratava de importação de uma vacina. Aí ele: “Pô, mais uma desse cara! Não pode ser verdade”. Ele demonstra que não aguenta mais e fala: “Você sabe dizer se o Ricardo Barros está envolvido com isso?”. E a gente: “Presidente, nós trouxemos para o senhor informações técnicas, dados, são indícios [...]. Empresa que pode estar recebendo dinheiro em paraíso fiscal para poder fazer distribuição de resultados para quem está envolvido na corrupção.”

O que ele falou nessa hora?

Falou que ia encaminhar para o diretor geral da Polícia Federal e afirmou que isso é grave.

O senhor entrou com o seu celular na reunião com o presidente?

Tanto eu como meu irmão entramos com nossos celulares.

O senhor está tão seguro. Não gravou o presidente?

Eu não, um parlamentar não deve gravar um presidente.

O senhor não gravou? Nem o senhor nem o seu irmão?

Quanto ao meu irmão, eu não posso falar isso.

O senhor sempre teve um pé atrás com as pessoas. Geralmente grava suas conversas. Por que não ia gravar uma conversa tão importante quanto essa?

Eu, não. E não posso falar pelo meu irmão, ele não vai falar um negócio desse. Sabe quando essa resposta, se gravamos ou não, vai aparecer? Se um dia o presidente mentisse. Até agora, o que eu vejo, é o constrangimento dele com a situação, talvez por ter confiado em pessoas que ele passou a informação para frente e não fizeram nada. Ele está vendo que vai ter que agir, em algum momento, quanto a essas pessoas. Até agora ele não mentiu. Me atacaram, mas ele não mentiu. Se ele mentir, aí a coisa pode mudar de figura. Por enquanto ele confirma que eu estive lá, ele confirma que recebeu as denúncias. Ele confirmou tudo, acabou o assunto. Eu não tenho por que expor o presidente mais do que ele já está exposto, até porque eu acho que ele tem uma dificuldade em lidar com a situação.

Como assim dificuldade?

Ele demonstrou claramente que, quando bateu o olho no deputado, ele faz “mais uma desse cara”. Então assim, ele deve estar acompanhando alguma coisa, ou deve existir alguma investigação, alguma coisa no governo. Ele está tentando lidar com um problema crônico, que pode estourar em cima da sua gestão. Percebo isso hoje pelas falas, pela forma que ele reage. Eu não quero ser o pivô de mais nenhum problema para o presidente.

O senhor já é o pivô.

Mas me colocaram dentro, atacaram meu irmão. Imagina meu irmão, aquele menino pacato, humilde, técnico e honesto, jogado ali na cova dos leões, onde você tem um lado querendo arrancar dele a qualquer custo, atacando a honra dele, ameaçando processá-lo, colocá-lo na cadeia, botar um PAD. Foram vergonhosas as falas do Onyx, mentindo, pegando documento original, dizendo que é falso, induzindo a população ao erro. Foi criminosa a atitude do Onyx. Será denunciado por mim, será denunciado pela OAB, será denunciado por todos que defendem o combate à corrupção do país.

O senhor vai entrar com uma representação contra ele?

Com certeza. Primeiro que ele faz uma denunciação caluniosa contra a gente. É mentira o que ele fala. Ameaçou testemunha de um caso sério. Eu não respondo nenhum processo criminal e já passei por 500 mil fake news.

Mas o senhor responde a estelionato nos Estados Unidos, não?

Não tenho nenhum processo, nem nos Estados Unidos, nem em lugar nenhum. Até você foi enganada por isso?

Há uma matéria do Fantástico, uma reportagem imensa, na qual várias pessoas disseram que foram enganadas pelo senhor.

Eles foram pautados por uma organização criminosa devidamente indiciada pela delegacia aqui do Distrito Federal de crimes cibernéticos. Organização indiciada, pessoas presas, que na época tentaram construir uma narrativa sobre minha pessoa.

Mas o senhor não teve investidores nos Estados Unidos que se deram mal? Como foi isso?

Mas era uma empresa, o contrato só vence em 2023. É um negócio como qualquer pessoa tem. Tentaram pegar um negócio e transformar em um problema. Eu não tenho problema. Não respondo processo criminal nos Estados Unidos, não respondo processo criminal aqui no Brasil. Seria muito honroso que buscassem meu nome no TJDFT, na Polícia Federal, em todos os órgãos. Busca e coloca aqui na tela para todo mundo ver, é nada consta! Não sou uma pessoa que eles tentam fazer. Talvez por isso o susto. Porque como eles acreditam tanto na narrativa de que eu aceitaria corrupção, mesmo no governo o qual eu defendo, acharam que eu seria uma pessoa que jogaria esse jogo. Não jogo!

Muita gente diz, no Congresso, que o senhor está retaliando o líder do governo porque não foi nomeado relator da reforma tributária e não teve emendas liberadas.

Não fui eu que convoquei meu irmão; foram eles [parlamentares]. Fiz o que todo brasileiro deveria fazer, defender os seus. Eu fui além. E aí, pelos meus, não tem presidente da República que fique no caminho. Agora espero, juro, até hoje ainda sonho em saber que o presidente fez algo em relação a alguém que ‘vacilou’. Alguém não quis investigar, que não seja ele nessa história. Porque o meu papel foi defender, simplesmente, defender o meu irmão na CPI. Mas, lá atrás, eu quis defender o próprio presidente, de não ter uma bomba dessa estourando.

Por que o senhor foi à CPI com um colete à prova de balas? O que teme?

Isso foi logo depois da fala do Onyx Lorenzoni (ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência). Nas minhas redes sociais, tinha massacre à minha honra, muitas ameaças de morte, e que meu fim estava próximo. Por isso, meu medo. É igual o pessoal questiona: “Você tem medo de que o governo faça algo contra você?”. A questão não é se vai fazer ou não. O Onyx falou claramente que usaria a máquina pública contra mim. Imagine só: o presidente da República deveria ter a maior responsabilidade sobre isso. Foi por causa de ações assim, perigosas e infundadas, que ele foi esfaqueado [nas eleições de 2018]. Ele sabe do risco real, o que acontece quando a narrativa é construída contra uma pessoa. Eu não quis o mal dele, ele sabe a verdade, que quis o seu bem. No momento que eu levei a denúncia, foi para protegê-lo de que um escândalo de corrupção desse tamanho estourasse, prejudicando sua imagem. Os únicos traídos aqui fomos eu e meu irmão, pelo governo.

O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, chegou a procurá-lo?

Na quarta-feira de manhã, ele chegou a me enviar mensagem, sem nenhum tom ameaçador ou algo do tipo. Ele falou assim: “Vamos conversar?” Vamos, respondi. Mas ele não me respondeu depois. Nós fizemos isso (denunciar) junto ao presidente da República. Em nenhum momento nós prevaricamos. Fizemos o nosso dever de casa, que foi exatamente proteger a saúde e o dinheiro público. Quando provavelmente ocorrerem prisões e pessoas forem indiciadas, a verdade ficará clara: de que nós fizemos o que tinha que ser feito, e muitos deverão pedir desculpas para gente.

Como está sua relação no Congresso? O senhor era tido como um deputado da base.

Mais do que nunca, nós vamos dividir, de uma vez por todas, essa história de extremistas e governistas. Eu não sou do Bolsonaro, eu sou governista. O que é ser governista? É defender o governo. E o que é o governo? Governo é quem representa o povo, é quem administra toda assistência dos nossos impostos pagos. Então eu defendo o governo, eu não defendo Bolsonaro. Essa diferença vai ficar clara dentro do Congresso, porque muitos deputados vão vir comigo. Não é porque sou da base que vou compactuar com coisas erradas. Isso ficou claro na minha ação. Eu não ataquei ninguém. Eu quis defender o meu irmão. Estão tentando me desconstruir. Hoje eu não votaria nunca na PEC da reforma administrativa. Vou fazer campanha contra ela, vou derrubar essa PEC. Ela não deve passar. É um crime contra os funcionários públicos. Hoje, eu vejo, o garoto foi ao presidente da República porque confiou no presidente, denunciar algo gravíssimo que deve ser investigado. E ameaçam dar um PAD nele. Se ele não tivesse estabilidade, estava exonerado.

* Estagiários sob supervisão de Carlos Alexandre de Souza

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