Saúde

Denúncias fragilizam Bolsonaro, mas impeachment depende de mais provas e povo nas ruas, dizem deputados

Novos atos estão convocados por partidos e movimentos de centro-esquerda para sábado (03/7) e ainda não está claro se dessa vez haverá adesão de segmentos da direita

Oposição apresentou nesta quarta um novo pedido de impeachment do presidente Jair Bolsonaro
Reuters

As sucessivas denúncias de possíveis ilegalidades em negociações para compra de vacinas contra covid-19 estão provocando fissuras na base de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no Congresso, mas ainda não são suficientes para que seja deflagrado um processo de impeachment, avaliam deputados federais ouvidos pela BBC News Brasil.

Na avaliação desses políticos, a ameaça ao mandato do presidente aumentará se surgirem novos elementos que comprovem as denúncias de corrupção e se as manifestações de rua crescerem. Novos atos estão convocados por partidos e movimentos de centro-esquerda para sábado (03/7) e ainda não está claro se dessa vez haverá adesão de segmentos da direita.

Nesta quarta-feira, partidos e parlamentares de oposição, juntos com movimentos da sociedade civil, protocolaram um "superpedido" de impeachment. No entanto, contabilizando os deputados das siglas que assinaram o pedido (PT, PCdoB, PSB, PDT, PSOL, Cidadania, Rede, PCO, UP, PSTU e PC) mais os deputados que apoiaram a iniciativa individualmente, como Joice Hasselmann (PSL-SP), Kim Kataguiri (DEM-SP) e Alexandre Frota (PSDB-SP), esse grupo soma pouco menos de 140 congressistas na Câmara.

Para que um processo de impeachment contra Bolsonaro ocorra no Senado, é necessário o aval de 342 deputados.

O "superpedido" apresentado nesta quarta-feira, porém, é resultado de uma articulação anterior à escalada de denúncias contra o governo envolvendo a compra de vacinas.

Reuters
Deputados avaliam que crescimento de manifestações de rua podem impulsionar pedido de impeachment de Bolsonaro

Bolsonaro já estava sob forte desgaste após o servidor do Ministério da Saúde Luís Ricardo Miranda e seu irmão, o deputado Luís Cláudio Miranda (DEM-DF), terem revelado que informaram o presidente em março sobre sinais de ilegalidades no contrato firmado em fevereiro para compra de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin — o negócio, porém, só foi suspenso pelo governo na terça-feira (29/6), depois de a denúncia se tornar pública.

A pressão sobre o presidente aumentou com duas novas denúncias na noite de terça-feira (29/6). Segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, Luiz Paulo Dominguetti Pereira, que se apresenta como representante de uma empresa que comercializaria vacinas da AstraZeneca, relatou ao jornal que recebeu um pedido de pagamento de propina do diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias.

Já a revista Crusoé publicou uma reportagem afirmando que o lobista Silvio de Assis e o líder do governo Bolsonaro na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), participaram de uma reunião em que foi oferecida propina ao deputado federal Luís Miranda para que ele não atrapalhasse a venda da vacina Covaxin ao Ministério da Saúde.

O líder do MDB na Câmara, deputado Isnaldo Bulhões Júnior (AL), disse à BBC News Brasil que as denúncias são graves, mas considera necessário aguardar a conclusão da investigação da CPI para avaliar se há provas de ilegalidades. Prevista para durar até o início de agosto, a comissão deve ser prorrogada por mais 90 dias.

Câmara dos Deputados
Líder do MDB na Câmara, deputado Isnaldo Bulhões Júnior diz que é preciso aguardar investigações

"Não é o momento ainda de discutir isso (impeachment). Tem que ter um ambiente político, de (manifestações contra Bolsonaro nas) ruas principalmente. E o ponto principal é a comprovação de crime. Mas, pelo que me consta até agora, está em fase de denúncia, não é uma conclusão de investigação", ressaltou.

Para o deputado Fábio Trad (PSD-MS), que integra a bancada de uma dos maiores partidos do Centrão, o "vento virou a favor do impeachment" na sexta-feira (26/6), com o depoimento dos irmãos Miranda na CPI.

"E agora os ventos ficaram mais intensos na minha visão, porque, além das menções dos irmãos Miranda, já surgem menções de empresário de corrupção privada com corrupção pública", acrescenta, citando as reportagens do jornal Folha de S.Paulo e da revista Crusoé.

Apesar disso, ele concorda que ainda não há condições concretas para o processo começar na Câmara. "O que nos resta ver é, primeiro, se a CPI vai emprestar mais consistência a estas provas, aprofundando as investigações. E, segundo, se isso vai motorizar a indignação nas ruas da população. Hoje, a CPI está mais forte que o Centrão, indiscutivelmente. O Centrão está, eu não diria acuado, mas está com um pé atrás", avalia.

Trad é um raro opositor a Bolsonaro no PSD da Câmara. Mas ele diz ver um crescimento dessa posição na bancada. "Eu era minoria isolada (contra Bolsonaro no PSD). Agora sou minoria não isolada. O grosso está com o governo, mas é cedo, porque estamos no meio do terremoto, não sabemos o tamanho do estrago. Se eu era minoria e agora eu sou menos minoria, a tendência é que isso continue crescendo", acredita.

Até o momento, Bolsonaro não comentou diretamente as notícias sobre supostas propinas nas negociações das vacinas. Sobre as suspeitas levantadas no contrato da Covaxin, o presidente disse que a CPI inventou "corrupção virtual", já que até o momento não houve pagamento e entrega de doses.

"Não conseguem nos atingir. Não vai ser com mentiras ou com CPI integrada por sete bandidos que vão nos tirar daqui", disse Bolsonaro nesta quarta-feira, durante evento em Ponta Porã (MS).

Os "sete bandidos" são uma referência aos sete senadores que têm uma postura crítica ao governo na comissão.

'Arthur Lira não pula na cova com Bolsonaro', diz deputado do PP

Após um começo de governo em que se recusou a negociar cargos em troca de apoio político, Bolsonaro iniciou uma relação com partidos do Centrão há cerca de um ano, depois da prisão de Fabrício Queiroz, acusado de ser o operador de um esquema de rachadinha (desvio de recursos) do antigo gabinete de deputado estadual de um de seus filhos, o hoje senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ).

A aproximação visou sua proteção contra um processo de impeachment e a construção de uma base que permitisse aprovar propostas de interesse do governo no Congresso.

A partir da distribuição de cargos na máquina federal entre indicados de parlamentares e do aumento da liberação de verbas para redutos eleitorais de congressistas aliados, a situação de Bolsonaro ficou mais confortável no Parlamento, processo que culminou com a eleição de Arthur Lira (PP-AL) para presidir a Câmara.

A vitória do aliado foi crucial para Bolsonaro porque é Lira que tem o poder de iniciar ou barrar a abertura de processos de impeachment na Câmara.

"Aqui seguimos a pauta do Brasil, das reformas e dos avanços. Respeito a manifestação democrática da minoria. Mas um processo de impedimento exige mais que palavras. Exige materialidade", afirmou ao portal G1 o presidente da Câmara, após a entrega do "superpedido" de impeachment.

Embora a aliança entre Lira e Bolsonaro ainda pareça sólida, nos bastidores do Congresso entende-se que ela pode se quebrar se a conjuntura seguir se agravando.

Embora essa aliança ainda pareça sólida, nos bastidores do Congresso entende-se que ela pode se quebrar se a conjuntura contra Bolsonaro seguir se agravando.

"Se chegar a uma situação insustentável, ele (Arthur Lira) vai até a cova, mas não vai pular na cova com Bolsonaro", disse à BBC News Brasil um deputado do PP, que pediu para ter seu nome preservado.

O analista político Antônio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), também considera que o apoio do Centrão pode ser abalado caso a crise se degringole.

Ele ressalta que o escândalo das vacinas criou fissuras dentro do grupo, tendo de um lado um antigo apoiador de Bolsonaro como denunciante, o deputado Luís Miranda (DEM-DF), e de outro o líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-AL), apontado como protagonista no suposto esquema - o que ele nega.

O resultado prático, por enquanto, é que o Centrão deve "aumentar o preço" de manter o mandato de Bolsonaro protegido, acredita Queiroz.

"O Centrão vai sugar (vantagens em troca de apoio ao governo) até onde não comprometer a sobrevivência política dele. Vai ficar aliado, mas aumenta o preço", afirma.


Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!