O empresário bolsonarista Carlos Wizard decidiu lançar mão do habeas corpus obtido no Supremo Tribunal Federal (STF) e não respondeu às perguntas, ontem, na CPI da Covid. No início da sessão, porém, ele aproveitou os 15 minutos reservados à apresentação do depoente para negar ter participado do gabinete paralelo. O empresário é considerado por parlamentares como o patrocinador desse grupo, que municiava o presidente Jair Bolsonaro com informações negacionistas sobre o novo coronavírus.
“Afirmo a esta comissão parlamentar de inquérito que jamais participei de uma única sessão em privado, nenhuma reunião em privado, em nenhum momento particular com o presidente da República”, enfatizou. “Participei, sim, de eventos públicos onde o presidente estava presente — não somente ele, mas centenas de outros convidados. Portanto, fica claro, evidente, transparente que jamais tive qualquer influência, seja no pensamento do presidente, seja em qualquer suposto gabinete paralelo.”
Wizard enfatizou que foi à CPI porque quis, embora tenha faltado na primeira data marcada, em 17 de junho. Aos senadores, ele afirmou que não compareceu porque estava nos Estados Unidos para visitar o pai e não para evitar a oitiva.
Mesmo negando-se a responder aos questionamentos, Wizard foi confrontado com vídeos que mostram seu envolvimento e influência no governo federal. Em uma das filmagens, ele ironiza pessoas que morreram pela doença por não terem procurado o chamado “tratamento precoce”. Em outra, comenta a proximidade com o Executivo.
Ante as perguntas, no entanto, respondia: “Eu me reservo o direito de permanecer em silêncio”. Ele repetiu a frase 71 vezes. A atitude irritou o presidente da comissão, Omar Aziz (PDS-AM). O parlamentar afirmou que o depoente poderia colocar um gravador na mesa repetindo as palavras. Ele pediu à mesa que recorra da decisão do STF, para que Wizard seja chamado novamente a depor.
Wizard é entusiasta do “tratamento precoce” com cloroquina (leia matéria abaixo). Em um dos momentos da comissão, senadores chegaram a repetir a fala do empresário a uma rádio. Mesmo sem ser médico, ele recomendava, no programa, que a população usasse o medicamento de forma preventiva — o remédio, no entanto, é ineficaz contra o novo coronavírus.
Apesar dos vídeos, Wizard não se intimidou e até tentou fazer propaganda de um livro sobre si mesmo, mas os parlamentares não permitiram.
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Sem respostas
Confira os principais questionamentos que
foram ignorados
» Renan Calheiros (MDB-AL)
“A partir de quando o senhor passou a contribuir com o governo federal no enfrentamento da pandemia?”
“O senhor tinha relacionamento prévio com o presidente da República?”
“Continua atuando junto ao Ministério da Saúde, como fez pelo menos durante 30 dias e, publicamente, assumiu isso?”
“O senhor mantém vínculos, como já teve, com o Ministério da Saúde?”
“Tem conhecimento de que a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, cuja chefia lhe foi oferecida pelo ministro Pazuello e pelo presidente da República, atua ativamente na análise e seleção de medicamentos, tecnologias e outros insumos essenciais, como as vacinas, para o enfrentamento da pandemia?
» Eliziane Gama
(Cidadania-MA)
“Qual era o seu interesse na aquisição de vacinas para a iniciativa privada?”
“O senhor tem noção do que a sua orientação, as suas lives, as suas informações acerca do incentivo, por exemplo, do uso da hidroxicloroquina, resultaram para a vida das pessoas?”
“Nós tivemos, no Amazonas, o uso, por exemplo, de nebulização com cloroquina, e pessoas vieram a óbito. E a comercialização dessas empresas, sr. Wizard? Ela teve um aumento de mais de 60% no seu faturamento! Algumas chegaram a ter um faturamento anual de mais de R$ 1 bilhão! O senhor tem noção?
» Eduardo Girão (Podemos-CE)
“Por que, sendo um quadro do PSDB, o senhor optou por aproximar-se do governo atual?”
“Em 6 de junho de 2020, o G1 publica a seguinte notícia: ‘Cotado para cargo no Ministério da Saúde diz que estados inflam dados da covid-19 para elevar orçamento’. O senhor fez essa afirmação? O que o levou a suspeitar que os dados da covid-19 estariam errados?”
“O senhor permaneceu 30 dias no Ministério da Saúde. Que cargo ia assumir? Qual a sua ligação com o general Pazuello?”
Caso provoca incômodo em rede de escolas
Investigado pela CPI da Covid, o empresário Carlos Wizard virou um incômodo para os atuais donos da rede de escolas de idiomas da qual ele foi fundador, no fim dos anos 1980, e proprietário até a venda em 2013. O negócio foi fechado por R$ 2 bilhões — a maior negociação do tipo na área da educação, no país, até então.
O problema teve início na aproximação do empresário com o governo do presidente Jair Bolsonaro. No começo da pandemia, Wizard passou a atuar como conselheiro no Ministério da Saúde. A convite do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, o bilionário chegou a ser cotado para assumir a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos em junho de 2020.
Wizard desistiu de tomar posse após reações negativas a uma declaração sobre um plano de recontar os mortos pela covid-19. Desde então, virou um dos defensores do chamado “tratamento precoce” e da cloroquina — ineficaz no combate à covid-19 — que orbitam o Palácio do Planalto.
Durante o “depoimento silencioso” do empresário à comissão, a Wizard by Pearson divulgou uma nota em que diz ter posicionamento “muito diferente” do ex-dono. “A Wizard by Pearson aproveita a oportunidade para se expressar em favor da vida, da saúde e da ciência. Desde o início da pandemia, orientamos nossos franqueados e colaboradores sobre todas as medidas necessárias para respeitar a legislação e os protocolos sanitários vigentes, sempre buscando garantir a segurança de nossos professores, alunos, colaboradores e parceiros”, informa nota.
O texto ainda lamenta e se solidariza com “as centenas de milhares de vidas que se foram” e “com a dor de todas as famílias que perderam pessoas queridas” na pandemia.
Como carrega desde o final da década de 1980 o sobrenome que batiza a franquia de escolas de inglês fundada por ele, a Wizard (ou “mago”, em português), a rede tem sido associada às polêmicas de seu ex-dono.
No episódio da recontagem dos óbitos por covid, usuários de redes sociais que não sabiam que Carlos Martins não era mais dono das escolas de idiomas fizeram comentários negativos nas páginas da Wizard.
A partir disso, a Pearson, controladora da rede de escolas de idiomas, pediu à Justiça de São Paulo e obteve decisão favorável para a publicação de uma declaração pública dando conta de que a marca não tem vínculo com o empresário.
No texto, o TJSP informa que a Wizard foi adquirida em 2013 pela Pearson e que, desde então, a empresa “é a única detentora de todos os direitos relacionados à marca e à rede de franquia”.