TCU cobra explicações sobre valor da Covaxin

O ministro Benjamim Zymler, da Corte de contas, solicitou ao Ministério da Saúde que justifique, num prazo de 10 dias, o motivo de o preço por dose da vacina indiana ter saltado de US$ 10 para US$ 15 durante as negociações

» Lorena Pacheco
postado em 05/07/2021 23:06 / atualizado em 05/07/2021 23:09
 (crédito: Marcelo Ferreira/CB)
(crédito: Marcelo Ferreira/CB)

O ministro Benjamin Zymler, do Tribunal de Contas da União (TCU), questionou o Ministério da Saúde sobre o motivo de a vacina Covaxin ter sido comprada por valor mais alto do que o de outros imunizantes contra a covid-19. Cada dose do insumo indiano foi adquirida por US$ 15, apesar de a proposta inicial ter sido de US$ 10. A pasta assinou contrato para receber 20 milhões de unidades ao custo de R$ 1,6 bilhão. O negócio foi fechado com a Precisa Medicamentos, representante do laboratório Bharat Biotech, produtor do imunizante.


No despacho, Zymler fez referência a uma matéria do jornal O Estado de S. Paulo, que, entre outros aspectos, mencionou uma reunião entre representantes da Bharat Biotech e da Precisa com integrantes do Ministério da Saúde, ocorrida em 20/11/2020, na qual o fabricante teria informado que o valor da dose da Covaxin seria de US$ 10. “O aludido valor teria passado para US$ 15 por dose, sem qualquer justificativa nem questionamento por parte do Ministério da Saúde, no acordo fechado em 25/2/2021”, destacou o ministro.


O TCU já havia pedido esclarecimentos à pasta, mas não obteve respostas. Zymler reiterou os questionamentos (veja quadro) e afirmou que o não atendimento dos pedidos, no prazo de 10 dias, sem causa justificada, constituirá irregularidade grave passível de aplicação de multa.
O ministro ainda pediu cópia de todos os memorandos de entendimento e de todas as atas de reunião que trataram do assunto da aquisição da Covaxin, desde as primeiras tratativas até o fechamento do contrato.


A Controladoria-Geral da União (CGU) também foi notificada e deve, no prazo de 15 dias, enviar cópia integral dos documentos e informações produzidas e/ou obtidas no âmbito da investigação. Assim como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que também deve informar o resultado da análise do pedido de uso emergencial da Covaxin ou a previsão de sua conclusão.


Zymler ainda solicitou à presidência da CPI da Covid, no Senado, para que sejam encaminhados/franqueados, no prazo de 30 dias, documentos relacionados à contratação. Na lista de solicitações estão informações sobre a quebra de sigilos da Precisa Medicamentos e de seus representantes e também de servidores do Ministério da Saúde que participaram da contratação.
O mesmo prazo foi dado à Procuradoria da República no Distrito Federal para que sejam encaminhadas cópias dos procedimentos e inquéritos, civis ou criminais, onde constem como interessados a Precisa Medicamentos.

Suspensão

O contrato com a Precisa foi suspenso na semana passada após suspeitas de corrupção. A decisão, segundo afirmou o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, foi tomada após recomendação da CGU, que também analisa possíveis irregularidades no processo de contratação.


O documento revelado pelo Estadão, no sábado, mostra que o valor por dose da vacina aumentou após o Ministério da Saúde iniciar as tratativas com a Precisa. Na primeira reunião técnica, em 20 de novembro, a empresa informou o valor de US$ 10 por dose, com a possibilidade de o preço baixar, a depender da quantidade de unidades que o governo brasileiro comprasse.


“O valor da vacina é de US$ 10 por dose, que, em razão de eventual aquisição de montante elevado de doses, o valor poderia vir a ser reduzido e estaria aberto à negociação”, informa o documento “Memória do Encontro”, do Ministério da Saúde, que foi enviado à Câmara em resposta a um requerimento de informação da deputada Adriana Ventura (Novo-SP). A negociação sairia por R$ 538 milhões a menos se o preço inicialmente ofertado tivesse sido mantido.


O então número 2 do Ministério da Saúde, o secretário-executivo Élcio Franco, comandou a reunião com o empresário Francisco Maximiano, sócio da Precisa, e representantes da Bharat Biotech —estes últimos via videoconferência. A Precisa informou, na ocasião, que teria disponibilidade de oferecer 46 milhões de doses, com entrega prevista para o fim do primeiro trimestre de 2021.

Agilidade

Diferentemente do que ocorreu com as demais vacinas, negociadas diretamente com seus fabricantes (no país ou no exterior), a compra da Covaxin pelo Brasil foi intermediada pela Precisa. A negociação da vacina indiana foi a mais rápida até o momento, levando pouco mais de três meses, ante quase 11 meses do imunizante da Pfizer, por exemplo. O preço oferecido pela farmacêutica americana, no entanto, manteve-se desde a primeira proposta (US$ 10 a unidade), enviada ainda em agosto do ano passado.


A primeira vez que o valor de US$ 15 por dose da Covaxin aparece nas tratativas é em um e-mail de V. Krishna Mohan, diretor-executivo da Bharat Biotech, a Élcio Franco, em 12 de janeiro. Na mensagem, o diretor informou a intenção de vender 12 milhões de doses e dava um prazo de três dias para o governo brasileiro enviar uma carta de aceitação. A resposta, no entanto, só é enviada cinco dias depois, em que Franco reafirma o interesse. Não há qualquer registro de questionamento sobre o preço mais alto. A ausência de uma tentativa de negociação do valor foi apontada pelo TCU como uma “possível impropriedade” no processo de contratação da Covaxin.


Documentos mostram, ainda, que o valor de US$ 15 por dose também foi citado na reunião realizada na pasta em 5 de fevereiro, 20 dias antes de o contrato ser assinado. No encontro, dessa vez, não havia representantes da Bharat Biotech, mas apenas da Precisa e do Ministério da Saúde, incluindo o tenente-coronel Alex Lial Marinho, ex-coordenador-geral de aquisições de insumos estratégicos para saúde do Departamento de Logística da pasta. Lial Marinho foi citado na CPI da Covid pelo servidor Luis Ricardo Miranda, do Ministério da Saúde, como uma pessoa que teria feito pressão para o andamento da contratação da vacina indiana. (Com Agência Estado)

Prevaricação

No depoimento à CPI da Covid, Luis Ricardo Miranda e o irmão dele, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), disseram ter informado ao presidente Jair Bolsonaro sobre as suspeitas de corrupção no contrato da Covaxin. O chefe do Planalto teria dito que acionaria a Polícia Federal para investigar o caso, o que, aparentemente, não fez. Na última sexta-feira, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou a abertura de inquérito para investigar se Bolsonaro cometeu crime de prevaricação por supostamente não ter comunicado aos órgãos de investigação os indícios de corrupção nas negociações do imunizante.

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Depõe, hoje, servidora que autorizou contrato

A CPI da Covid ouve, hoje, a servidora do Ministério da Saúde Regina Célia Silva Oliveira, fiscal do contrato firmado entre a pasta e a Precisa Medicamentos, representante da farmacêutica indiana Bharat Biotech, para a compra da vacina Covaxin.


O nome da servidora chegou ao colegiado em 25 de junho, no depoimento do deputado Luis Miranda (DEM-DF) e do irmão dele, o funcionário do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda, que denunciaram um esquema de superfaturamento na aquisição do imunizante. Cabia a ela, segundo Luis Ricardo, fiscalizar e autorizar a compra do imunizante, o que teria feito mesmo com inconsistências no contrato. Regina Célia será ouvida na condição de testemunha.


A depoente pode ser um dos elos que relacionam o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), ao suposto esquema de compra da Covaxin. Foi o parlamentar que, quando ministro da Saúde, em 19 de fevereiro de 2018, nomeou Regina Célia para a pasta. A publicação está na edição 33 do Diário Oficial da União. Ele, no entanto, nega.


No depoimento à CPI, os irmãos Miranda relataram ter informado ao presidente Jair Bolsonaro sobre suspeita de corrupção no contrato da Covaxin. O chefe do Planalto teria dito que o responsável pelo esquema seria Ricardo Barros. Apesar disso, o mandatário não tomou providências nem retirou o parlamentar da liderança do governo na Câmara, como aconteceu anteriormente com o então vice-líder do governo no Senado, senador Chico Rodrigues (DEM-RR), que perdeu o cargo após ser flagrado com dinheiro escondido na cueca em uma batida da Polícia Federal.


Em mais de uma ocasião, Luis Miranda deixou subentendido que pode ter uma gravação de Bolsonaro responsabilizando Barros pelo suposto esquema. O chefe do Planalto, por sinal, nunca desmentiu o parlamentar.


Já Barros usou as redes sociais para negar as acusações.O depoimento dele estava marcado para a próxima quinta-feira, mas a CPI resolver adiar, sem fixar nova data, para coletar mais evidências. O parlamentar recorreu, então, ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que a oitiva fosse mantida no dia inicialmente previsto. Ontem, o ministro Ricardo Lewandowski deu prazo de cinco dias para o Senado justificar o adiamento do depoimento.

Exigências

O requerimento de convocação de Regina Célia foi feito pelo senador Humberto Costa (PT-PE). Segundo o documento, a depoente, “fiscal do contrato celebrado entre a União e a Bharat Biotech (...), representada pela empresa brasileira Precisa Medicamentos (...) é fundamental para esclarecer as suspeitas de corrupção envolvendo este contrato”.


Ao Correio, o senador destacou que a funcionária não exigiu o cumprimento de todas as etapas da compra. “Ela era a chefe, a fiscal dos contratos. Especialmente desse contrato. Como fiscal, ela tinha de exigir o cumprimento de todas as etapas”, frisou. “Teria que acompanhar cada fase e observar se as medidas tomadas estavam dentro do escopo do contrato, mas autorizou uma comunicação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) pedindo autorização para importação, sem que a nota fiscal estivesse coerente com o contrato, com o que estava previsto.”

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