Nas entrelinhas

Correio Braziliense
postado em 05/07/2021 23:33

Entre a “rachadinha” e o impeachment

O presidente Jair Bolsonaro tenta criar uma agenda positiva — por exemplo, ontem, prorrogou o auxílio emergencial por medida provisória por mais três meses —, mas não consegue se livrar das notícias negativas de grande repercussão. A nova bomba foram os áudios atribuídos à ex-cunhada Andrea Siqueira Valle, divulgados pelo site UOL, nos quais ela afirma que o presidente da República manteve um esquema de “rachadinha” em seu gabinete quando era deputado federal, isto é, a prática ilegal de confisco de parte dos salários dos assessores parlamentares.


Na gravação, a ex-cunhada diz que seu irmão André Siqueira Valle foi demitido do cargo de assessor parlamentar porque se recusou a repassar o valor definido por Bolsonaro: “O André deu muito problema, porque ele nunca devolveu o dinheiro certo que tinha que ser devolvido, entendeu? Tinha que devolver R$ 6 mil, ele devolvia R$ 2 mil, R$ 3 mil. Foi um tempão assim, até que o Jair pegou e falou: ‘Chega. Pode tirar ele, porque ele nunca me devolve o dinheiro certo’”, disse.


Bolsonaro não pode ser investigado por fatos ocorridos antes da eleição, porque a Constituição de 1988 protege o presidente da República quanto a isso, mas a denúncia é desmoralizante e repercute internacionalmente. Mesmo assim, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) anunciou que requererá uma CPI no Senado para investigar as “rachadinhas” envolvendo o clã Bolsonaro. Suspeita-se de que haveria uma espécie de caixa dois único nos gabinetes parlamentares da família, supostamente formado com parte dos salários de seus assessores.


Até a gravação da ex-cunhada, a ponta do iceberg era o envolvimento do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) no escândalo das “rachadinhas” da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Recentemente, a 5ª turma do Superior Tribunal de Justiça negou pedido da defesa do senador para anular a investigação. Seguindo voto do relator, ministro Felix Fisher, o colegiado considerou que os relatórios de inteligência financeira e as informações trocadas entre Coaf e MP foram legais. Uma CPI para investigar as rachadinhas pode compartilhar os dados bancários e fiscais obtidos pela Receita Federal por meio do Coaf e, assim, checar as informações contidas nos áudios da ex-cunhada do presidente da República.

Pesquisas

A maré negativa para Bolsonaro já se reflete nas pesquisas de opinião: o presidente da República é reprovado por 62,5% da população, segundo Pesquisa de Opinião CNT/MDA divulgada ontem. Os que aprovam o seu desempenho são 33,8%. Realizada de 1º a 3 de julho de 2021, com 2.002 entrevistas presenciais, em 137 municípios de 25 unidades da Federação, a pesquisa tem margem de erro de 2,2 pontos percentuais, com 95% de nível de confiança. São 10,8% os que consideraram “ótimo” o governo Bolsonaro; 16,9% como “bom”; 22,7%, “regular”. Para 11,9%, o governo é “ruim”; 36,3% o consideram “péssimo”; e 1,4%, não sabe ou não respondeu.


Na pesquisa espontânea de intenções de voto, Lula lidera com 27,8%; Bolsonaro, tem 21,6%. Ciro Gomes, 1,7%; Sergio Moro e João Doria, 0,7%. Votarão em branco ou nulo 7,1%. É grande o número de indecisos: 38,9%. Nas respostas estimuladas, Lula também lidera, com 41,3% das intenções de voto. Em seguida, vêm Jair Bolsonaro (26,6%), Ciro Gomes (5,9%), Sergio Moro (5,9%), João Doria (2,1%) e Henrique Mandetta (1,8%). São 8,6% os que pretendem votar em branco ou nulo, e 7,8% os que estão indecisos. Em um eventual 2º turno, Lula lidera com 52,6% das intenções de voto. Jair Bolsonaro tem 33%, enquanto 11,5% afirmam que votariam em branco ou nulo, e 2,6% não sabem ou não responderam.


Nesse cenário, circula a tese de que o Brasil deveria adotar o regime semipresidencialista para evitar o trauma do impeachment. Durante o Simpósio Interdisciplinar sobre o Sistema Político Brasileiro & XI Jornada de Pesquisa e Extensão da Câmara dos Deputados, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, disse ser favorável à implantação do modelo semipresidencialista de governo. Segundo ele, essa alternativa retiraria o presidente do “varejo político” e criaria “possibilidade de destituição não traumática do primeiro-ministro”, caso haja perda de apoio político. “O presidente continua com seu mandato. Essa é a inovação que eu acho que nós deveríamos implantar para 2026”, argumenta. A tese vem sendo defendida pelos ex-presidentes José Sarney e Michel Temer, para os quais é impossível governar sob ameaça permanente de impeachment.

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