Incontinência verbal no Planalto

Com palavrões, Bolsonaro diz que não responderá aos questionamentos da CPI da Covid sobre denúncias de corrupção no governo, envolvendo compra de vacinas. Comissão enviou carta ao mandatário pedindo que ele se posicione a respeito das suspeitas

» Sarah Teófilo » Ingrid Soares
postado em 08/07/2021 23:40 / atualizado em 08/07/2021 23:40
 (crédito: Pedro França)
(crédito: Pedro França)

Com a CPI da Covid avançando sobre suspeitas de corrupção no governo, no âmbito de negociações de vacina contra o novo coronavírus, o clima tem se acirrado entre a comissão e o presidente Jair Bolsonaro. Ontem, o colegiado resolveu enviar carta ao chefe do Planalto pedindo que ele desminta ou confirme declarações do deputado Luis Miranda (DEM-DF) que colocaram no foco das suspeitas de irregularidades o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).


Ao saber da iniciativa da comissão, Bolsonaro rebateu com palavrões. “Sabe qual é a minha resposta? Caguei! Caguei para a CPI. Não vou responder nada. São sete pessoas que não estão preocupadas com a verdade”, disparou, em live, ontem, fazendo menção ao G7, grupo de senadores de oposição e independentes que integra o colegiado. “Que resposta posso ter para a CPI? Que não quer colaborar com nada, apenas desgastar o governo, criar o caos. De vez em quando, tem certa reverberação, mexe na Bolsa, faz aumentar o preço do petróleo, aumenta os combustíveis por tabela”, acrescentou.


A carta é assinada pelo presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM); pelo vice-presidente, Randolfe Rodrigues (Rede-AP); e pelo relator Renan Calheiros (MDB-AL). O texto, enviado ao Palácio do Planalto, diz: “Tomamos essa iniciativa de maneira formal, tendo em vista que no dia de hoje (ontem), após 13 dias, Vossa Excelência não emitiu qualquer manifestação afastando, de forma categórica, pontual e esclarecedora, as graves afirmações atribuídas à Vossa Excelência, que recaem sobre o líder do governo”.


Os senadores finalizam a carta mencionando versículo da Bíblia repetido com frequência por Bolsonaro: “Diante do exposto, rogamos a Vossa Excelência que se posicione, de maneira clara, cristalina, republicana e institucional, inspirando-se no Salmo tantas vezes citado em suas declarações em jornadas pelo país: ‘Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará’”.


O chefe do Executivo tem se mantido em silêncio sobre as afirmações de Miranda. O receio do Planalto é de que o parlamentar tenha gravado a conversa com o presidente. Nela, o mandatário teria sido alertado sobre suspeitas de corrupção na compra da vacina Covaxin pelo Ministério da Saúde e respondido que seria “rolo” de Ricardo Barros.

Ironia

O anúncio de que os senadores enviariam a carta foi feito durante a sessão de ontem. “Estamos mandando uma pequena carta para o senhor dizer se o Luis Miranda está falando a verdade ou não. É só uma resposta: diga para a gente que o deputado Luís Miranda é um mentiroso, diga à nação brasileira que o deputado Luis Miranda está mentindo, que seu líder na Câmara é um homem honesto”, destacou Aziz.


A reação do presidente da CPI ocorreu após ele ser alvo de críticas de Bolsonaro. Na quarta-feira, o mandatário disse que o senador desviou R$ 260 milhões do seu estado, o Amazonas, onde já foi governador. “Não sei de onde ele tirou isso, mas, infelizmente, como se informa com compadria, a gente releva”, afirmou o parlamentar sobre a acusação.


No último dia 1º, questionado pelo Correio, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) afirmou o pai não comentou as declarações de Miranda para “não dar visibilidade ao caso”. “Ele está muito tranquilo e seguro. Quem pode falar do encontro é ele, eu não estava lá para testemunhar. Ele já declarou que esteve com o deputado”, pontuou. Perguntado se o presidente falou em “rolo” de Barros, Flávio disse: “Não posso afirmar. Que eu saiba, o presidente não teria falado isso. Agora, ele que tem de responder, não eu. Não posso falar por ele”.

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Ex-chefe do PNI critica politização da vacina

Ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunização (PNI), Francieli Fantinato afirmou, ontem, à CPI da Covid, que decidiu deixar o cargo por causa da politização da vacina, principalmente por parte do presidente Jair Bolsonaro. Segundo ela, as declarações do mandatário sobre os imunizantes prejudicaram a campanha no momento em que o PNI precisava de uma orientação única e coerente.


“Espera-se que as pessoas falem em prol da vacinação. Quando temos todas as evidências favoráveis, qualquer pessoa que fale contra vai trazer dúvidas à população. É preciso que haja uma comunicação única”, argumentou. “Quando o líder da nação não fala favoravelmente, a minha opinião é de que isso pode trazer prejuízos. Enquanto coordenadora, eu precisava de um direcionamento único.”


Outros problemas no enfrentamento à pandemia, conforme Fantinato, foram a falta de campanhas publicitárias que incentivassem a população a se imunizar e o baixo número disponível de doses. “O PNI, estando sob qualquer coordenação, não consegue fazer uma campanha exitosa sem vacinas e sem comunicação, sem uma campanha publicitária efetiva”, enfatizou.


De acordo com a depoente, a área técnica do Ministério da Saúde elaborou uma nota recomendando que o governo comprasse entre 140 milhões e 242 milhões de doses da vacina ofertada pelo consórcio Covax Facility, da Organização Mundial da Saúde (OMS). Esse quantitativo, segundo ela, seria suficiente para tentar um “controle da transmissão” da covid-19. O Executivo, no entanto, teria optado por comprar apenas 42 milhões de unidades, 100 milhões a menos do que o indicado.


A ex-coordenadora revelou que, enquanto o Ministério da Saúde decidia quais grupos receberiam a vacina primeiro, o coronel Elcio Franco, então secretário-executivo da pasta pediu para que a população carcerária fosse retirada da lista de prioritários.


O pedido, segundo Fantinato, teria sido feito em uma reunião na primeira quinzena de dezembro de 2020, antes da publicação da primeira versão do PNI, em 16 de dezembro. O programa teve de definir os grupos prioritários diante da escassez de vacinas.


O plano incluiu, entre outros, as populações vulneráveis, nas quais estão incluídos os detentos. “É uma população que tem uma prevalência maior de doenças infecciosas. As condições presidiárias são muito inadequadas, as medidas não farmacológicas são difíceis de serem executadas”, explicou. Ela contou ter negado o pedido de Elcio Franco.


Na sessão, Fantinato deixou a condição de investigada, a pedido do vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Ele justificou que não havia motivos para mantê-la nessa condição.

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